segunda-feira, 9 de junho de 2008

É curisoso como os extremos muitas vezes estão mais próximos uns dos outros que do meio-termo. É mais ou menos como uma ferradura, onde as pontas quase se tocam (a imagem não é minha, mas não sei de quem é), eqüidistantes do centro.
Henrique Raposo escreveu domingo último na Atlântico uma série de posts sobre o livro Identidade e violência de Amartya Sen. O título dos posts: “Multiculturalismo, ou como a esquerda "multiculturalista" é igual à direita nacionalista”
Alguns trechos:
“Sen é particularmente crítico em relação às políticas multiculturalistas da Grã-Bretanha. O exemplo paradigmático (destacado ao longo do livro) é o seguinte: as crianças muçulmanas que nascem no Reino Unido frequentam escolas de fé (faith schools) patrocinadas pelo Estado. Ou seja, Londres financia e legitima um ensino baseado na exclusividade da fé. Se nasceu muçulmana, criança x vai para uma escola exclusiva para muçulmanos; a criança é educada no culto da «aceitação acrítica da fé em detrimento de uma ponderação crítica» (p.212). Herder, o primeiro dos românticos germânicos, sentir-se-ia em casa neste “progressismo” multiculturalista: um «homem isolado» é sempre «uma flor roubada às suas raízes, arrancado ao tronco a que pertence», dizia Herder. Esta sempre foi a base da direita nacionalista na crítica à sociedade liberal. Hoje é a base da esquerda multiculturalista (não confundir com multicultural ou cosmopolita) na crítica, claro, à sociedade liberal.”
“Como aponta Sen, os “progressistas” multiculturalistas, ao fazerem uma defesa dogmática da preservação/diversidade cultural, acabam por cair no reaccionarismo cultural contrário à liberdade de escolha individual: «será que então, em prol da diversidade cultural, devemos apoiar o conservadorismo cultural e pedir às pessoas que mantenham o seu próprio passado cultural e não adoptar outros estilos de vida, mesmo quando tenham boas razões para isso?» (...)Sen joga com um exemplo simples: uma jovem muçulmana pretender sair com um rapaz inglês (coisa normal numa sociedade cosmopolita), mas esse intento é travado pelos guardiões da comunidade e pelos pais da rapariga. Ora, é «precisamente a proibição dos pais, que contribui para o monoculturalismo plural, que parece receber a defesa mais clara e visível dos alegados multiculturalistas, com base na importância de honrar as culturas tradicionais, como se a liberdade da jovem não tivesse qualquer relevância» (p. 206). Os multiculturalistas afirmam que todas as culturas são autênticas nos seus próprios termos e que ninguém tem o direito de integrar membros de outras culturas nas regras das sociedades liberais. Para os multiculturalistas, os direitos da rapariga são inferiores aos direitos da comunidade.”
O rapaz ainda escreveu hoje esta coluna no Expresso: http://clix.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/339548 . Segue outro trechinho fantástico:

“O preço da comida aumenta porque - felizmente - os chineses já comem um bife ao jantar. O preço da gasolina aumenta porque a rapaziada indiana - felizmente - já tem um carro para namoros intercastas. Os europeus, porém, ainda não conseguem encaixar estes factos e, por isso, recorrem à falácia da 'especulação'; procuram um bode expiatório para um 'Mal', quando deviam perceber que esta crise resulta de um 'Bem' (milhões a sair da miséria). A Europa precisa de uma nova narrativa, de uma nova 'lente' analítica. E a 'lente' mais adequada para corrigir a miopia europeia é a seguinte: vivemos num mundo pós-europeu e pós-atlântico, onde a Europa e o Atlântico Norte perderam a sua velha centralidade. O resto do mundo já não é o condomínio privado do Ocidente. Os 'outros' já não querem ser pobres, puros e espirituais. Habituem-se.”

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