terça-feira, 31 de março de 2009

Melhores Discos - 2003

You are free. Sempre que vou ouvir esse álbum fico repetindo. You are free. You are free. You are Free. Dá um certo desespero (ahhhhhhhh!) que fazer com isso? Cat Power foi pro meio do mato, sentou de costas pro mundo e compôs seu grande álbum.

Se você olhar a lista ao lado com todos os melhores discos, verá que há uma porção de álbuns em que praticamente um único músico toca e canta, sem mais nada, sem banda acompanhando ou barulhinhos de estúdio. Gosto muito desse tipo de música. Música é também um (dos principais) modo da liberdade humana, e ela é mais pura e livre quando tocada assim, solitariamente. Percebemos que aquilo tudo é uma pessoa que esticou cordas numa certa ordem que fazia barulhos harmoniosos e começou a cantar. É claro, é altamente pretensioso. Lembro de um post de algum blog dizendo que não gostava de folk porque considerava que era muita pretensão um sujeito achar que, sozinho, com um violão e uma gaita, entreteria uma platéia por uma hora ou mais. Eu discordo, eu gosto. É pretensioso, mas também é honesto para chuchu. Não há disfarces nem nada, a música é a única arma. E dá para sentir aqui que Chan Marshall (aka Cat Power) gosta mesmo de música, que queria fugir para algum lugar onde só a música importasse. Pretensão e honestidade, não é disso que são feitas as grandes coisas?

O álbum tem a força de um escritor de poucas palavras, à la Graciliano Ramos (lendo depois a resenha da Pitchfork, vejo que eles comparam a última música a Hemingway!), a trama da história fica no foco principal, mas os detalhes são tão escassos que quando aparecem marcam. Lembro agora das guitarras elétricas no álbum, suas microfonias. Ela conseguiu fazer da microfonia algo delicado e íntimo (veja shaking papers).

Melhores: I don’t blame you, speak for me, fool, he war, baby doll, maybe not, names, keep on runnin’ e evolution. Na verdade é mais um álbum em que simplesmente todas as músicas são boas.
“Quando as pessoas param de crer em Deus, elas não começam a crer em nada; elas começam a crer em qualquer coisa”; Chesterton disse. Em inglês é mais legal[1]. Não universalizaria isso assim, mas em geral é bem verdade. Quase todos meus amigos são ateus ou agnósticos e boa parte deles crê em coisas como pensamento positivo, horóscopo, simpatia, supertições populares. Vi com esses olhos que a terra há de comer a mesa de uma professora de Nietzsche da UERJ coberta por duendes, cristais, pirâmides e outras bugigangas. Voegelin observou algo semelhante. Uma das principais características que assinala a modernidade é o que ele chamou de fé metastática. Ela nasce mais ou menos no mesmo período em que começa a enfraquecer a fé cristã em Juízo Final, paraíso, inferno, ressurreição dos mortos, enfim, no Apocalipse segundo São João. É claro, você provavelmente deve achar tudo isso uma idiotice sem sentido. Imagine, de repente Deus resolve dar as caras, fala algo como “pronto, cansei de brincar de vida na Terra, agora é só paraíso ou inferno”, bota fogo em todo o universo e fim. Mas há algo ainda mais idiota que isso, algo que eu e você temos que diariamente lutar contra para não crermos, pois tal idéia é o fundamento de nossas crenças modernas, a tal fé metastática. É a crença que nós podemos mudar a estrutura da realidade, nós podemos fazer o paraíso descer para a terra. Sim, é bem mais idiota, pois uma vez que Deus é um ser infinito, pelo menos há alguma verossimilhança na idéia de que ele poderia transformar toda a realidade e criar um paraíso infinito para nossos desejos. Nós, no entanto, somos só mais um acidente flutuando pela estrutura da realidade, somos finitos, nossos dias estão contados, mal e mal conseguimos nos emendar, quanto mais emendar o mundo.

Um exemplo prático de tal fé metastática. Hoje pela minha rua circulou, por duas vezes ao menos, um carro de som organizando um ato político na Cinelândia. O chamado era algo como “Os trabalhadores não podem pagar pela crise. Ato contra o desemprego blá blá blá”. Seria só mais um bando de idiotas falando se tais idéias não fossem também defendidas por pessoas ligadas ao governo e ao próprio presidente. Ora, todos concordamos que trabalhadores são muito mais sensíveis financeiramente que banqueiros, grandes industriais, empresários, etc. Estes últimos, por mais que quebrem, terão um nível de vida melhor que o meu e, provavelmente, o seu. Já para os pobres, o desemprego pode ser meio caminho andado para fome, trabalho infantil, mendicância, subemprego, etc. Além disso, é claro, a crise é de responsabilidade dos ricos, talvez dos governos, não dos trabalhadores. Mas e daí? O que interessa é: que medidas tomar? Como evitar que a crise reflita na classe trabalhadora? Ora, como vivemos num mundo onde as coisas estão ligadas, não é possível isolar uma classe. Impedir que a crise chegue aos trabalhadores é impedir a própria crise. Mais uma vez, até aqui todo mundo concorda. A verdadeira questão é: como impedir a crise? E aqui já ninguém concorda mais. Uma manifestação contra a crise; o que isso significa? Será que alguém crê que manifestações resolverão esse problema? Que basta “vontade política” e, pronto, não há mais crise e, portanto, é necessário acordar a vontade política por meio de passeatas? Mais uma vez é a crença metastática, crença na transformação da realidade por meios mágicos (Abracadabra, que poder você tem comparado ao de Vontade Política?). E fé metastática ainda mais idiota, embora mais inofensiva. Porque antigamente ao menos se acreditava que a realidade só seria alterada por meio de uma revolução completa. Hoje qualquer passeatinha resolve o problema. Ê, Chesterton, certo de novo.

[1] “When people cease to believe in God, they don't believe in nothing; they believe in anything.”

segunda-feira, 30 de março de 2009

Melhores Discos - 1997


Listas com os melhores discos são sempre muito melhores que as listas com os melhores filmes. Por alguma razão, as listas de filmes são sempre convencionais, batidas. Encontrar uma em que Cidadão Kane não esteja no topo é mais difícil que acertar na Mega Sena. Não que Cidadão Kane não seja um grande filme, claro. Mas, caramba!, há milhares de outros grandes filmes, só que, por alguma razão, dizer que prefere algum outro filme a Cidadão Kane é um pecado mortal. O infeliz que tiver o desplante de dizer isso em público será taxado por todos como alguém que não entende minimamente de cinema. Nas listas de música não, sempre cabe uma surpresa, as pessoas estão mais dispostas a revelar quais discos elas consideram sub ou supervalorizados.

Por isso mesmo não entendo certas pessoas que criticam listas “Faltou isso! Faltou aquilo! E isso aqui? Uma porcaria! Como pode estar na frente deste outro?” Poxa, se não gostaram da lista que façam as suas.

Comecei a escutar música meio tarde, em 1998, quando tinha 15 anos. OK Computer foi um dos primeiros álbuns que comprei, se não me engano o quinto. São quase 11 anos ouvindo sem cansar essa maravilha, essa pequena prova a posteriori da existência de Deus (ou você acha que simples seres humanos conseguiriam fazer isso?). Claro que rola um apego sentimental. Tinha comprado o álbum, ouvido algumas vezes, quando li que uma revista qualquer, acho que a Q, não sei, declarou esse o melhor álbum de todos os tempos. No alto da minha experiência de uns 5 álbuns, concordei. Ainda concordo.

Por isso e muito mais, não consigo entender alguns infelizes que, ao fazerem uma lista com os melhores álbuns de 97, não colocam OK Computer em primeiro lugar! Um absurdo! Um sacrilégio! Esse desgraçado só está aí querendo arrumar polêmica, confusão, chamar a atenção! Um absurdo! Deveria ser pendurado de ponta cabeça e torturado até confessar que fez isso de sacanagem, que OK Computer é, claro, o melhor álbum de 97, senão de todos os tempos (vejam, eu não sou mau, sou apenas justo; não quero impor aos outros a minha opinião, quero apenas que os que mentem, dizendo discordarem de mim, confessem que na verdade não discordam, que estavam só de palhaçada mesmo e que isso é muito feio).

Ps1: sei que escrevi, escrevi e acabei por não falar nada do álbum. Bem, é difícil falar. Músicas como Airbag, Paranoid Android, Let Down, Karma Police ou Lucky... dizer o quê? É como se fosse tudo clímax, inclusive as paradinhas, tudo, tudo é perfeito. A gente ouve e acaba por desejar que a música não passasse, que ficasse só naquela parte, para sempre. É absurdo, mas tem esse efeito em mim.

Pensando aqui enquanto escrevo tudo isso, acho que descobri por que gosto tanto desse álbum. Além, é claro, dele ser excelente. É o clima dele. Clima de preguiça-de-viver-nessa-época-escrota-automática-ridícula-estúpida-me-tira-daqui-Deus-meu! Ia escolher as faixas que representam melhor o clima mas eu acho que são todas mesmo, não? Até o título do álbum. Esse clima sou eu também, é um pouco a música que toca em mim. Anos de convivência. This is what you get when you mess whit us.

Ps2: Sim, ainda estou sob a influência do show.

Melhores discos - 1987

O álbum abre com a guitarra da música Schizophrenia e, Deus meu!, como aquilo é bonito, alto e triste. Desde o começo já dá pra saber: guitarra, eis o seu álbum!

A tristeza da primeira canção passa e o que vem depois é urgência adolescente, barulho e animação. E depois a tristeza volta, fica, vai embora. As músicas são bem diferentes entre si, mas há uma unidade, não consigo explicar. É como se fossem diferentes dias de um ano de alguém, de uma guitarra talvez.

Há uma comparação inevitável entre este álbum e o seu sucessor, o Daydream Nation, tido por quase todos como a obra-prima do grupo. Discordo. Este é a verdadeira jóia da banda. Daydream Nation é muito pesado, grande, pretensioso. É mesmo chato em alguns momentos. Vou explicar como aconteceu. O Sonic era uma banda cabeçuda no começo dos anos 80 que fazia discos de barulho para quase ninguém. Ali por volta do Evol resolveram misturar um pouco de música nisso tudo e, vendo que dava certo, criaram o Sister, que é fodaço. O elogio da crítica veio e eles voltaram a cabeçudice original com o Daydream Nation, que é um Sister cabeçudo. Gosto mais do frescor despreocupado do Sister, dessa urgência adolescente, para lembrar a expressão de uma amiga, de suas músicas mais pops, rápidas, felizes. Rock’n roll mais perfeito que isso não há.

Músicas preferidas: Schizophrenia, (I got a) Catholic Block, Tuffgnarl, Hot Wire my Heart, Kottom Crown e Master Dick, mas isso é uma sacanagem com as outras músicas, pois o álbum é redondinho e nenhuma é ruim ou mesmo média.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Como vocês já devem saber, Lula culpou por esses dias os loiros de olhos azuis pela crise econômica. É o tipo de coisa muito mais séria do que parece. Lula não acabou com a democracia no Brasil, não é tão nefasto quanto Chavez ou Evo. Mas também não é o indolor que imaginam alguns. Tal fala machuca a inteligência. Bota a discussão num nível que dá preguiça de descer. E não foi qualquer um que disse isso, mas o presidente da república, o representante maior do país. E Lula sempre faz isso. E isso tem nome. Populismo. Parece sem importância, mas não é. E cada vez que ignoramos isso fica mais perigoso. É um dos principais motivos para se não votar no PT ou em Lula.

Melhores Discos - 1989


Na virada dos anos oitenta para os noventa, o mundo do rap viveu uma briga de gigantes entre Public Enemy e De La Soul. Public Enemy venceu, infelizmente. Public Enemy é a politização do rap, causas sociais, essas coisas. Dessa classe se origina também o gangsta rap (Não é coincidência que a capa do It takes a nation of millions to hold us back seja o grupo atrás das grades). De la soul tinha uma proposta diferente, queriam apenas fazer uma música legal e divertida. Esse álbum aqui me faz lembrar o verão, não o verão brasileiro, uma estação permanente, mas o verão norte-americano, um curto espaço de tempo onde sair de casa não representa nenhum sacrifício e, portanto, é um momento que deve ser aproveitado. Não há espaço para nenhum tipo de ressentimento ou complexo de inferioridade transformado em raiva. É um álbum de rap pós-racial.

E, claro, há também a questão do sampling. No começo dos anos 90, não sei exatamente quando, surgiu nos EUA uma legislação sobre o uso de sampling nos EUA. Uma pena. Isso matou o rap. Rap sem sampling corre o sério risco de ser apenas uma música eletrônica sem qualidade. Em 1989 não havia nada disso, e os dois maiores álbuns do gênero são desse ano: Three feet high and rising e o Paul’s Boutique dos Beastie Boys.

A síntese dos parágrafos acima está no título do álbum. Ás vezes um nome é só um nome, não nesse caso. O título se deve a uma música sampliada de Johnny Cash, sim, o gigante da country music, um gênero reconhecidamente de brancos, e de brancos conservadores. E não há ironia alguma aqui! Quer dizer, mais ou menos. Já que “high”, vocês sabem, é também uma gíria equivalente ao nosso chapado. E, sim, isso também diz muito do álbum.

Melhores: The Magic Number, Eye Know, Patholes in my Lawn, Say no go, Plug tunin’, Buddy, Me Myself and I, D.A.I.S.Y. age e, claro, Tread Water, onde encontramos isso aqui (e agora revelo um segredo):

“Hi! I'm Mr Fish. How do you do? As for me,
I'm in tip-top shape today, cause my water's clean
And no-one's menu says Fresh Fish Filet”

quinta-feira, 26 de março de 2009

Melhores discos - 2006


Álbum sólido. Todas as músicas são boas. Consigo imaginar dez fãs botando suas mãos sobre seus dez corações e dizendo “minha música preferida é x” sendo x diferente para cada um dos dez fãs. O álbum tem dez músicas, isso era importante saber. Minha preferida? É a nona; acreditem ou não chama-se “Reprise”. Sim, Reprise. Quando li pela primeira vez o nome da música pensei que fosse uma simples vinheta repetindo algum outro momento do álbum. E de certa forma não deixa de ser. Mas é a melhor música. Além disso, o álbum tem letras muito boas. Abre com Easier, e toda a preguiça melancólica que é o clima desse cd:

I know, I know,
the doors won't close,
the pipes all froze,
just let it go

Ou essa aqui, Knife:

I want you to know
when i look in your eyes
with every blow
comes another lie


E a frase que fica na cabeça, de sentido obscuro:

My love’s another kind

Ou em Little Brother

I'll go back to the place where you get started
And I'll sleep, just put the pillows under my head

Ou será que minha música preferia é Plans com seu

Every option I have costs more than I've got

Belas letras acompanhadas de belos vocais. Pouquíssimos músicos fazem coros como eles; não é à toa a comparação com Beach Boys e Animal Collective. E a música é muito boa, claro. Sente-se que nenhuma nota, nenhum barulhinho é em vão. Tudo milimetricamente medido, harmonizado, tudo muito preciso e delicado. A impressão que dá é que nada poderia ser diferente do que é, nem uma nota, nem uma batida, nem um barulhinho. Mesmo o silêncio! Sim, poucos conseguem usar o silêncio tão bem como eles conseguiram. Escute Reprise para entender o que digo. Fantástica, simplesmente espetacular, a música vai se desfazendo a todo momento, tem que ouvir, tem que ouvir.

terça-feira, 24 de março de 2009

Melhores Discos - 1995


“You can never be strong
You can only be free”

Cristianismo e rock, certamente, possuem mais divergências que congruências. No entanto, o melhor do rock’n roll e o melhor do cristianismo pode ser reduzido na frase acima, pertencentes a esse disco. E o que significa o melhor do cristianismo e do rock? Pessoas simples e satisfeitas de estarem vivas – it’s so hard to believe that you’re so sad. (Não sei de nenhuma ligação do grupo com o cristianismo. É improvável. A ligação entre ambos faço por minha própria conta e risco). As músicas são simples, diretas e despretensiosas. Certa feita fiz uma distinção entre rockeiros noventistas e bimilenaristas, coisas da mais perfeita idiotia que tanto caracteriza este blog. Guided by Voices foi o primeiro nome citado entre os noventistas e não foi à toa. Representam com perfeição a década.

São quarenta e dois minutos de música divididos em vinte e oito faixas, explorando vários estilos e possibilidades de rock. Em meio a tantas músicas de excelente qualidade como Watch me Jumpstart, As we go up we go down, a good flying bird, closer you are, auditorium, motor away, King and Caroline, Ex-supermodel, Blimps go 90, Strawdogs, Chicken Blows, Little Whirl, My son cool e Alright, duas músicas chamam a atenção e não deveriam estar ausentes de nenhuma lista séria das cem melhores canções de todos os tempos: Game of pricks e My Valuable hunting knife.
Minha família, tanto o lado paterno quanto o materno, vem de uma pequena cidade do sul de Minas Gerais, cerca de cem mil habitantes, chamada Itajubá. Não sei se é essa origem caipira ou outra coisa, mas o fato é que estamos acostumados, em nossos banquetes familiares, a comer, como se fosse terça-feira, pratos que meus amigos belo-horizontinos ou cariocas nem sabiam ser comestíveis. Língua de boi, pato, coelho, rã, ostra, cordeiro e outras iguarias que não posso revelar sob pena de encrencar a mim e a minha família com o Ibama. Nunca entendi, no que sou acompanhado por muito dos meus familiares (não todos, é verdade, mas muitos deles), todo esse nojo que certas pessoas dirigem a comidas exóticas, como os cachorros ou gafanhotos dos asiáticos, o ovo podre preparado chinês ou o escargot francês. Provaria tranquilamente tais coisas. Você pode não apoiar toda essa minha tolerância culinária, mas se deseja experimentar algo menos usual, como coelho ou dobradinha, mas não consegue, darei algumas dicas importantes de como se provar um novo prato.

Primeiramente, o mais óbvio: não faça cara feia. Coragem! O paladar é altamente psicológico. Se você for provar qualquer coisa fazendo cara feia e crendo ser aquilo uma porcaria, você obviamente não gostará do que provar. Tente normalizar o prato. Por exemplo, se for experimentar um sushi não faça cara feia e pense “eca! Peixe cru! Esse negócio deve ser horrível, por que estou provando essa porcaria, Deus meu?!” Pense antes um “Se eu fosse japonês comeria isso aqui toda semana, várias pessoas, no mundo todo, gostam e pagam caro por isso, não sou fisiologicamente diferente dessas pessoas e portanto não há porquê não gostar disso a priori”.

Segundo: Coma um bom pedaço. No fundo é a mesma dica que a primeira: coragem! Você não está provando cocô ou algo que vai querer cuspir imediatamente. É comida, caçamba!, morda um bom pedaço, mastigue calmamente. Sem fazer cara feia. Essa dica é especialmente importante com bebidas. Não se prova bebidas fortes dando bicadinhas, pois então sentirá apenas o gosto de álcool.

Terceiro: Um impulso inato de nossa mente é a assimilação do gosto: com que isso parece? Aceite esse impulso, ele é inevitável, mas vá além dele, tente-o superar. Por exemplo, imaginemos alguém muito pobre e que, por essa razão, a única carne que tenha experimentado seja músculo. Um belo dia ele é convidado à festa de casamento da filha do patrão e poderá provar um bom pedaço de filé mignon (se aportuguesamos o “filet”, por que não aportuguesamos o “mignon”? Seria divertido, filé minhão). A primeira coisa que ele pensará ao provar seu filé é “ih, parece músculo. Não acredito que se pague tanto por isso”. Não é burrice, apenas o músculo foi, de fato, a coisa mais parecida com o filé minhão que ele já provou. Mas se ele quiser aproveitar seu filé minhão, então deve ir além disso, observar o que há no filé minhão que é exclusivo. Só assim ele desenvolverá seu paladar. Caso contrário, ele irá comer o minhão pensando no músculo, e não encontrando exatamente o músculo, considerará o minhão como um músculo de segunda categoria, torto, ruim.

Quarto: Prove de novo, e de novo, e de novo. Dê uma chance ao prato, sempre tentando apreender a especificidade dele. Isso pode levar tempo. Muitas vezes o gosto de algo não é ruim, apenas difícil. Pouca gente acha cerveja ou uísque gostoso logo no primeiro gole.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Melhores Discos - 1979


Música e política é uma má combinação. As boas bandas politizadas do rock são boas apesar de sua politização. A razão principal disto é que os roqueiros fazem música política da seguinte maneira: pensam em algo para protestar ou (mais raro) para louvar politicamente e fazem uma música sobre isso. Muitas vezes, também, discorrem abstratamente sobre temas políticos universais, como a paz, o dinheiro, o poder policial, essas coisas. Ora, o lugar adequado de se fazer tais são os livros, não a música.

Joy Division, no entanto, faz diferente. E por isso eles são uma rara exceção, pessoas que souberam misturar rock e política. O segredo deles: não representar temas políticos abstratamente, mas como a política reflete na vida das pessoas comuns. O século XX, o século do Joy Division, foi o século em que o povo tomou o poder para si, seja de maneira tolerante e construtiva (democracias liberais), seja de maneira tirânica e assassina (comunismo e nazi-fascismo). Mas como pode o Zé das Couves, alguém medíocre, sem nenhuma habilidade especial, que passa o dia trabalhando, sem poder desenvolver o pouco que tem, opinar politicamente? E o pior, obrigado a opinar também sobre religião, ética, enfim, se construir como um indivíduo completo? Como ele se sente? Perdido? Voluntarioso? Culpado? Tudo se passa no plano das consciências individuais – o plano próprio das artes – são as sensações políticas, e não as idéias que são aqui representadas. Os outros músicos políticos fazem protestos contra problemas específicos, pontuais, e por isso não podem deixar de ser datados. São como uma coleção de crônicas de um tempo antigo, é necessário milhares de notas explicativa para que os compreendamos. Eis um belo retrato da descartabilidade desse tipo de música. Com Joy Division, com esse álbum, as sensações permanecem e a música não envelhece. Um exemplo? Que tal o início do álbum, perfeito para os dias obâmicos que correm:

I’ve been waiting for a guide to come and take me by the hand
Could these sensations make me feel the pleasures of a normal man?

Ou essas linhas:

“i did everything
Everything I want to do
i let them use you
For their own ends”

Ou isso aqui:

Oh, I don't know what made me,
What gave me the right,
To mess with your values,
And change wrong to right.

As descrições dos centros urbanos tecnológicos também são muito precisas:

“I walked through the city limits
Attracted by some force within it
Around the corner where a prophet lay
A wire fence where the children played”

Ou

“it’s getting fater, moving faster now, it’s getting out of hand
On the tenth floor, down the back stairs, it’s a no man land
Lights are flashing, cars are crashing, getting frequent now”

Mas o que marca no álbum mesmo, claro, é a música. O álbum antecipa a música do início da década de 80. Não sei quanto a você, mas para mim, esse período entre 1980-85 foi o pior da música pop. Mas amo esse álbum, um dos melhores de todos os tempos. E é um representante dos anos oitenta, sem dúvida. Mais que isso, é um dos seus pais. Suas guitarras distorcidas e inumanas, a batida repetitiva e como que eletrônica da bateria. Sim, parece a trilha sonora de um daqueles cenários futurísticos distópicos e apocalípticos tão ao gosto dos anos 80. Mas, Deus!, como é bom. Talvez porque ele não é totalmente isso, ele também é anos 70, punk, fácil, barulhento, agressivo, rítmico, jovem, sensual, sem experimentalismos cabeçudos.

domingo, 8 de março de 2009

Melhores Discos - 1968

Começa assim o álbum ó:

“Good morning to you I hope you are feeling better, baby”

Doce. Não como melado ou um outro doce vulgar que desce queimando pela garganta, mas como um confeito raro e sofisticado, sobremesa de alguma grande festa cara. Excelente iguaria, só poderia terminar mesmo com o “hah!” de Time of the season. Não gostar desse álbum, meu irmão, é não ter doçura nenhuma no coração. E isso, meu amigo, não é nada bom. Nenhuma banda, repito, nenhuma banda conseguiu explorar melhor aquelas melodias inglesas sessentistas como essa banda nesse álbum. Impossível não cantar junto com os coros ou o vocalista principal. Talvez falte a unidade que o ouvinte de rock atual exige dos discos, mas se esse álbum é um conjunto de singles, então é o melhor conjunto de singles de todos os tempos. Vale o clichê: é uma música melhor que a outra. Tentei escolher minhas preferidas, mas foi de fato impossível. Das doze canções apenas a Butcher’s Tale não merece atenção (talvez Friends of Mine esteja abaixo do nível geral do álbum). Curioso: a única faixa não-doce do álbum, com toda sua pretensão a fazer uma crítica mais séria e cabeçuda das guerras. É incompatível com álbum tão doce e não se sustenta sozinha.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Melhores Discos - 1965


Como vocês devem estar carecas de saber, este é o álbum de transição da fase yeah yeah yeah dos Beatles para uma fase mais experimental e preferida da crítica. Pode-se perceber isto até pela capa, o penteado dos rapazes continua o mesmo, mas essas caras sérias e as ondulações psicodélicas todas... Essa mistura de pop com experimentação tem suas vantagens, pois o pop dá um ar simpático e a experimentação um ar interessante. Parece aquele velho amigo nosso de infância. Ou então um cão que abana o rabo e corre todo feliz só de ver o dono chegar. Sente-se em casa, bem-recebido. Melhor ainda, pois como o álbum também é interessante, você também se sente bem em sua presença, você também abana o rabo e sai correndo. Em verdade, é como um casal de apaixonados, você e esse álbum. Se bem que algumas vezes o lado pop-simpático ultrapassa a dose certa e enche, como em Think for yourself ou Word. Mas todo mundo tem seus defeitos e você deveria perdoar isso, principalmente em sua amada. Além disso, esse mesmo pop dá conta do recado em outras canções. Minhas preferidas: Norwegian wood (this bird hás flown), You won't see me, Michelle, What Góes on, Girl, In my life, If I needed Someone e Run for your life. Sim, mais uma vez, quase todas.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Melhores Discos - 1966


Um Dylan mais rockeiro que o normal. Eu gosto. Dizem que falta certa unidade. É verdade. Não chega a ser só uma coletânea de músicas, mas é como se as músicas pudessem dividir em uns três grupos. Essa falta de unidade mais o clima rockeiro dá ao disco uma aparência de show, de acontecimento, de algo que se passa aí na sua frente; clima esse que não me lembro de encontrar em nenhum outro álbum de estúdio. O álbum tem um movimento crescente. Às vezes quase acho que ele ordenou as músicas da pior até a melhor, mas há certo exagero nessa afirmação. Destaques: I want you, Just like a woman, Most likely you go your way (and I’ll go mine), Absolutely sweet mary, 4th time around, Obviously 5 beliebers e a imbatível Sad eyed lady of lowlands. Sim, quase todas.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Por que prefiro os colunistas de direita? Porque são melhores. Não digo apenas que escrevem melhor, são mais engraçados. São melhores, compreendem melhor a realidade e me deixam mais informado. Um exemplo? No último podcast (4/3/2009), Diogo Mainardi analisa suas colunas sobre a guerra no Iraque. Um acerto atrás do outro. Vale a pena conferir: http://veja.abril.com.br/idade/podcasts/mainardi/

Pausa para uma analíse da mídia política nacional

Vou falar agora sobre um dos principais problemas das análises políticas brasileiras. Quando você está analisando algo, quer descobrir as razões por detrás de tudo, e se algo não tem razão alguma, você as inventa, porque ficaria chato confessar que não entendeu o que queria analisar. Esse é o principal problema da análise política feita no Brasil. O sujeito analisa a política nacional como se fossem as batalhas entre Karpov e kasparov pelo título mundial de xadrez em 1984. Mas não é. Está mais para dois meninos meio burrinhos de oito anos que acabaram de aprender como movimentar as peças. Então o garotinho coloca a rainha dele na diagonal do bispo adversário e os analistas se perguntam “O que ele viu? Que lance genial é esse?Por que esse sacrifício?” O outro garoto ignora o lance e mexe um tanto estranhamente com o rei, impedindo assim o roque e os analistas “Meu Deus! Que jogada é essa? Ele recusou o sacrifício do adversário e ainda sacrificou o roque? Que jogo é esse? O que eles estão vendo que eu não estou?” E não é nada disso, é só burrice mesmo, eles não viram que colocaram a rainha na diagonal do bispo nem entenderam a importância defensiva do roque, nada mais.

Pausa para defesa das monarquias

Claro, o republicanismo é mais sensato, mais racional, mais certinho que a monarquia. Mas não é natural. Sim, a natureza humana não é racional, sensata, certinha. É como se Deus nos tivesse dado a razão apenas para não a usarmos. Porque, pensa só, um dia eu e você estaremos a sete palmos em baixo da terra e o que fazemos quanto a isso? Nada! Ficamos aqui a sonhar com uma família, um emprego estável. Nossa aventura maior é sair com os amigos e tomar umas bebidazinhas. Isso é sensato e é bem republicano, mas não é natural. A morte nos impulsiona a coisas maiores. Queremos uma forma bonita de morrer, não uma confortável. Queremos nos sacrificar. É por isso, só por isso, o sucesso do comunismo ou do fascismo. Ninguém acredita de verdade em utopias. Todos sabemos que ainda que o comunismo desse certo e o Estado fosse abolido, algumas pessoas perderiam os pais na infância, outras seriam tímidas a ponto de não conseguir se relacionar com o próximo e sofreriam com isso, que enchentes e terremotos continuariam matando e todas essas pequenas coisas que tornam a vida assim-assim. Li por aí na internet que um autor comunista (não me lembro quem. Trotski? Gramsci?) disse que quando o comunismo finalmente prevalecesse então todos seriam gênios, cada gari de rua seria um Da Vinci. Bem, ninguém pode acreditar seriamente numa estupidez dessas. Então porque o comunismo faz sucesso ainda hoje? Por conta do sacrifício. A idéia romântica de não dedicar pateticamente a si mesmo, mas a algo maior, mais importante, mais decisivo. A vantagem da monarquia sob o comunismo é que ela é mais estável, mais charmosa e menos sangrenta. Sabe, porque você pensa na morte e não fala logo em seguida “céus, preciso arrumar um emprego estável!” mas antes um “Céus! Preciso conquistar Assunção!” O legal da monarquia é que não é necessária uma justificativa séria e racional igual no comunismo. O comunismo é isso, um monte de pessoas que no fundo só queriam conquistar Assunção, mas como aprenderam com o republicanismo a universalidade da racionalidade, então escrevem tratados enormes sobre a superioridade moral das pessoas que querem conquistar Assunção, de como conquistar Assunção é uma necessidade histórica, que quem não quer conquistar Assunção é um porco e merece ser assassinado. Na monarquia, não, é só um eu quero conquistar Assunção e pronto e acabou, se você não gostou que defenda Assunção ou então tente retomá-la de mim. E o melhor, o monarquista, ao falhar em tomar Assunção, não faz disso uma tragédia sobre a incapacidade do ser humano para o bem (como um Hitler a incendiar a Alemanha ao perceber a inevitabilidade da derrota), de nossa mediocridade, ele enfia o rabo entre as pernas sem reclamar por nenhuma justiça divina ou algo maior.

Pausa para um sermão religioso

Nas escolas aprendemos que reinava o teocentrismo. Então veio o Renascimento e colocou o homem no centro do universo. Algo se quebrou, no entanto, no século XX e já se fazem protesto contra o uso de peles como vestimentas, o consumo de carne e há mesmo invasão e depredação de laboratórios com o objetivo de salvar a vida de ratos e macacos, ainda que isto custe vidas humanas. Não sei o que está no centro hoje em dia, mas com certeza não é o homem. Os judeus do Antigo Testamento eram muito mais antropocêntricos que nós:

“2* Javé, Senhor nosso, como é poderoso o teu nome em toda a terra!
Exaltaste a tua majestade acima do céu.
3 Da boca de crianças e bebês tiraste um louvor contra os teus adversários, para reprimir o inimigo e o vingador.
4* Quando contemplo o céu, obra de teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste...
5 O que é o homem, para dele te lembrares? O ser humano, para que o visites?
6 Tu o fizeste pouco menos do que um deus, e o coroaste de glória e esplendor.
7 Tu o fizeste reinar sobre as obras de tuas mãos, e sob os pés dele tudo colocaste:
8 ovelhas e bois, todos eles, e as feras do campo também;
9 as aves do céu e os peixes do oceano, que percorrem as sendas dos mares.
10 Javé, Senhor nosso, como é poderoso o teu nome em toda a terra!”
Sem culpa, sem remorsos. Podíamos até pedir licença a Deus, mas com certeza não pedíamos licença às feras do campo, muito menos aos ratinhos. Tínhamos uma imagem muito melhor de nós mesmos.

terça-feira, 3 de março de 2009

Melhores Discos - 2009

O que há de tão especial no Animal collective? Felicidade. Não alegria, não animação temporária causada por bebidas, sexo ou algo do gênero. Mas felicidade duradoura, tranqüila, sensata. Depois de lançar dois álbuns sobre felicidade (um sobre a felicidade no amor e outro na infância), o Animal Collective volta com esse álbum que é bastante melancólico. Mas quem é feliz é feliz mesmo melancólico, acaba por se trair e nos presentear com uma imagem feliz como essa logo na primeira canção:

“Then we could be dancing and you’d smile and say I like this song”

Como ia dizendo, o Animal está mais melancólico nesse álbum e isso quer dizer, em geral, o fim da ultrasuperabundância de barulhinhos e dos gritos de Avey Tare. Em geral parece mais uma continuação do Person Pitch (álbum da carreira solo de um dos vocalistas da banda, o Panda Bear) que do Strawberry Jam. Mas a complexidade melódica continua. Isso é levado ao extremo na faixa Guys Eyes onde três, quatro vozes cantam canções diferentes que, se prestarmos atenção em cada uma, é uma bagunça, mas no conjunto é tudo muito belo. Sério, é uma música impressionista. Gozado. Tem dias que Guys Eyes é a melhor faixa do álbum, tem dias que é a pior. Mas ela nunca ocupa uma posição intermediária.

Eu sei, eu sei. O ano ainda não acabou, na verdade mal começou. Mas todas as listas são provisórias. Sempre posso escutar um CD de 1986 que desbanque o Evol abaixo, não? Só que te digo uma coisa: para desbancar esse álbum aqui os concorrentes terão que rebolar. Se tivesse que apostar, apostaria que não conseguirão. É bem verdade que é sempre bom perder uma aposta dessas. Enfim… Músicas preferidas? Todas são muito boas, dói ter que escolher alguma. Talvez My Girls (nada disso que você está pensando, seu depravado. O Animal é uma alma pura. As garotas em questão são a esposa e a filhinha), Summertime clothes, Guys Eyes, Taste (Ah! A inocência! A letra dessa música ficaria ridícula em qualquer outra banda, no Animal, no entanto, ela não é passável, mas divina) e Sportbrother. Mas, Deus, eu deixei de fora dessa lista Daily Routine, Bluish, In the Flowers… isso não tem sentido algum.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Melhores Discos - 1986


Álbum estranho. Referências constantes a sonhos não é à toa. Parece mesmo pertencer ao mundo onírico. Mais precisamente àqueles sonhos matutinos, logo antes e no momento do despertar, onde pensamos “estou sonhando”. De certo modo, esse álbum é (entre os que conheço do Sonic) onde a tensão sonicyoutheana entre música pop bem feita e barulho é mais evidente. O que eles fazem aqui não é misturar esses elementos, como em geral fizeram depois , mas mantê-los isolados.Isso não quer dizer que haja músicas pop perfeitas ao lado de outras que são só microfonias, mas antes que em todas as músicas há momentos pops e momentos de barulho. E o que é mais interessante: esses barulhos dão, ao invés de tirar, força às canções. Essa divisão entre melodia e barulho é colada pelo clima onírico e também por um sentimento difícil de fornecer boas canções. Evol é o contrário de love, o que não quer dizer ódio, mas indiferença. Em suma, um álbum difícil, mas que vale a pena. As músicas ganham muita força dentro do álbum e de sua ordem própria. É curioso pois mesmo faixas que em outros álbuns consideraríamos “encheção de lingüiça”, aqui ganham nova dimensão e importância. Ignorando isso, posso destacar as faixas Tom Violence, Star Power, Green Light, a hipnotizante Madonna, Sean & Me e a faixa que sintetiza o álbum, a bizarríssima In the kingdom #19.

Termino citando uma resenha da Pitchfork: “Thurston Moore e Lee Ranaldo começaram a trazer forma ao disforme, harmonia ao desarmonioso e, com ajuda das baterias de Steve Shelley, impuseram melodia e composição à sua característica dissonância”.

Melhores Discos - 2007

Num primeiro plano, festa, alegria e empolgação. As letras e os vocais são emocionais, hedonistas, excitados, os sintetizadores e as guitarras coloridos, vários sonzinhos eletrônicos temperando o som. Soa como uma noite com amigos, bebidas, drogas, paquera, sexo, coisas sujas e divertidas. Ao mesmo tempo não é excessivo ou auto-destrutivo. É como se fossemos ao limite, mas não o ultrapassássemos (ou tivéssemos a ilusão de que não o ultrapassamos). Curiosamente, no entanto, o centro deste alegre álbum é a faixa “The past is a grotesque animal” (tanto pela posição, a sétima em doze faixas, quanto pelo tamanho, doze minutos) que é um tanto pesada e desesperada, cheirando a violência, ressentimento, frustração e impotência. Um dos melhores símbolos da alegria de nossa época: uma aparência feliz e audaz fundada numa base de sentimentos obscuros e mal-resolvidos. Então, quando voltamos às demais faixas do álbum podemos perceber mesclado com a alegria também certo “cinismo, desespero e dúvida[1]”. Não acho, no entanto, que este seja um CD depressivo, como diz outros. Talvez as letras não sejam das mais alegres, mas os companheiros de banda do vocalista não transmite nenhuma tristeza em suas composições (com exceção da já citada sétima faixa). E mesmo o vocalista, que tinha acabado de romper um longo relacionamento, está triste mas “We want our film to be beautiful, not realistic”.

Todas as músicas são realmente boas, dando destaque para: Gronlandic Edit, The past is a grotesque animal e We were born the mutants again with leafling.

[1] Graham Quinn

Melhores Discos - 1999


Olhando essa capa e esse título, quem poderia imaginar? Não, não se trata de um disco sobre mortes, caveiras, monstros, demônios e trevas, mas sobre a mortalidade humana e a redenção pelo amor. CD realmente fantástico de lindo. É tudo tão certinho, delicado, cuidadoso e, ao mesmo tempo, simples, muito simples. Copiando de uma outra resenha, digo que Will Oldham tem uma voz humana, você sente que é um ser humano que está cantando. E isto combina perfeitamente com o clima deste álbum. Todas as músicas são boas, destaco três que são algo para além da perfeição: A minor Place, Black e Raining in Darling. Esta última (meu Deus, até o título dela é belo!) fecha o álbum assim ó:

“O, it don’t rain anymore
I go outdoors
Where it’s fun to be
And I Know you love me
I know you do”

E, acreditem em mim, apenas a letra não capta nada do que é aquilo. É talvez o melhor fim de um álbum que conheço. E para terminar essa resenha à altura cito agora o fim da resenha de Samir Khan sobre o disco: “Praticamente toda nota é como um universo. É o tipo de álbum que demanda reverência solitária. Não, isto não é música. Não pode ser. É alguma outra coisa.”

domingo, 1 de março de 2009

Melhores Discos - 1990





Dizem os críticos que nesse disco o Sonic Youth começa a deixar o experimentalismo barulhento de lado e parte para um álbum mais “comercial”. Detalhe: o disco deve ter uns oito minutos de microfonia. Mas enfim, o fato é que Sonic Youth com esse álbum foi para um selo maior e fizeram, de fato, algum sucesso comercial. Mas não vejo nenhuma diferença significativa em termos de “comerciabilidade” entre esse álbum e o Sister, de três anos antes (Adendo: Goo e Sister são meus álbuns preferidos do Sonic).

Goo foi meu primeiro álbum do Sonic Youth, tenho ainda essa relação sentimental com ele. Lembro de ter levado esse álbum ao colégio e mostrado para os meus amigos o início das faixas 2 e 5 (Tunic e Mote respectivamente). Meu intento era chocá-los. Consegui.

As guitarras continuam altas e distorcidas, a afinação dos instrumentos continua aquela coisa louca de sempre, o ritmo é rápido, mas os vocais um tanto frios, como de alguém numa crise de introspecção (mas há exceções, como as animadas Mary-Christ e My Friend Goo). Suspeito que o consumo de drogas deve ter sido pesado. Aliás, há algumas frases impressas na capa do disco que nos ajuda a entrar no álbum: “Roubei o namorado de minha irmã. Foi ducarái, véi*. Em uma semana matamos os meus pais e pegamos a estrada” e também “Nada... batom, um pouco de sangue”. Coisa linda mesmo. Em termos de rock mais pesado, quase nada supera Sonic Youth e esse Goo.

Gema quase-irretocável: Mote (só não é irretocável por conta daquele tanto de barulho no final. Precisava? E ainda vêm me reclamar da comerciabilidade do álbum).

Outras grandes músicas: Dirty Boots, Kool Thing, Disappearer e Cinderella’s Big Score

Piorzinhas: Mildred Pierce e Scooter + Jinx
* Tradução corrigida por um amigo.

Sou mesmo muito cara-de-pau por fazer a listinha ao lado. Em vários dos anos não conheço nem cinco álbuns. Então por que fiz a lista? Por que eu quis. O espaço é meu e faço o que quero. Já escrevi aqui um conto de ficção científica em que o personagem principal era meu pênis; por que não faria essa lista? A idéia inicial é escrever um post ou mais por dia sobre cada álbum. Assim, a precariedade da lista é até positiva, pois permitirá trocas e, conseqüentemente, novos comentários. Para não fazer assim uma coisa muito certinha, começando de 65 até hoje, resolvi que a ordem dos comentários será por sorteio. Até mais.
Alexandre Soares Silva já disse isso: o grande defeito da música popular brasileira é que lhe falta testosterona

Por alguma razão, instituiu-se no Brasil que música é coisa de mulher e que homem só gosta de música na medida em que gosta de mulher. Que homem já não ouviu de algum amigo um “vamos para tal lugar, lá toca tal tipo de música, mas enche de mulher”.
A música é apenas o segundo motivo para o menino aprender tocar um instrumento. A mulherada é o primeiro.

Por exemplo, pense na música rural. Nos EUA temos o folk e a country music, dois estilos de música bastante masculinos. Quando pensamos no Brasil, porém, a música sertaneja é a mais feminina das femininas. Só mulher pode agüentar homem chorando e ainda achar lindo...

Vejam só, todo tipo de música brasileira depois da década de 60 é feminina. Seja mais culta, seja fácil e popular, sempre feminina. MPB? Feminino. Axé Music? Feminino. Pagode? Feminino. Até o rock brasileiro é feminino! Skank, Pato Fu, Capital Inicial, Páralamas do Sucesso, Los Hermanos... tudo feminino.

Observem, por exemplo, as pessoas reagindo à música. Pensem no É de Gonzaguinha. Aqueles braços esticados, os dedos apontados para cima, o samba lento nos pés, o sorriso no rosto, os olhos abertos te olhando diretamente, sinceros. É uma pose feminina. Não digo que seja gay. Pose gay e pose feminina são diferentes. Um homem nessa pose não fica gay, fica apenas feminino.

Isso se deve especialmente por o Brasil ser um país feminino. Pense, por exemplo, nas várias mulheres brasileiras que tiveram casos com estrangeiros e quão raro é que homens brasileiros tenham caso com estrangeiras. Somos demasiados femininos, não conseguimos excitar as gringas acostumadas com homens mais másculos. Por isso também, nossas mulheres ficam loucas quando um gringo desce do avião. E pela mesma razão nossas mulheres fazem sucesso lá fora: demasiado femininas.

Sem dúvida alguma, uma das coisas que mais chocaram no funk carioca da “segunda geração” (o da primeira – eu só quero é ser feliz...- é ainda bem feminino) é o fato dele ser masculino. Aliás, é revelador que quando façamos música masculina o resultado é algo tão agressivo e bárbaro como o funk carioca. Isso também diz muito de nossa personalidade. Reprimimos e negamos tão fortemente nosso lado masculino que ele só pode aparecer dando buuuuu, como um monstro-de-baixo-da-cama, subterrâneo, sujo, perigoso, indecente, destruidor, tristemente incontornável. Temos uma relação doentia com a nossa masculinidade.