quinta-feira, 31 de julho de 2008

Tenho escrito muito sobre política. Cruzes! Pareço até esquerdista. Esquerdista que tem essa mania, praticamente só fala de política. Só falam sobre política porque "tudo é política", eles dizem. "Tudo é política", típica tese esquerdista. Um bom direitista ri da idéia. Então quando beijo minha mulher é política? Quando leio sobre metafísica é política? Quando vou à praia? Quando durmo? Muita coisa não é política. Esquerdista acha que tudo é política porque substituiu deus pelo estado. É mais ou menos como um cristão dizendo "graças a deus" só porque parou de chover em seu aniversário. A tarefa mais difícil de nosso tempo será aprender a viver sem Deus e sem seus substitutos. Os substitutos de deus são muito piores que deus. Colocar a política no lugar de Deus é talvez a saída mais racional, mas a mais desastrosa. Colocar a política no altar resulta em totalitarismo. E quando se deseja que o estado resolva tudo então se deseja pelo deus pólítico, o totalitarismo. O pecado mais temido sempre foi a cobiça, ganância. O pecado original é fundamentalmente ganância. Mas não no nosso tempo. Agora o verdadeiro perigo é outro pecado: a preguiça. Que o estado resolva tudo, que peçamos tudo ao estado, como antes nossos antepassados pediam tudo a deus. Cruzes! Mais uma vez falando de política. Mudemos de assunto.




Outro substituto para Deus é o prazer. É a saída mais humana, mais natural, mais imediata. Mas é ineficaz. Deus não é prazer. Não ansiamos por prazer. Claro que o queremos, mas queremos mais. Queremos, entre outras coisas, o sacrifício. Observem um devasso. O que ele faz além de gritar a todo momento: "Vejam-me! Eis o devasso! Eis aquele que arriscou e sacrificou sua vida em nome do prazer!" No fim a idéia de sua própria perdição satisfaz o devasso muito mais que seus pecados. Não queremos apenas nos servir e morrer. Não somos ou pelo menos não queremos ser nosso próprio fim.



Tem outro substituto , o mais vulgar e incompreensível, e no entanto, talvez, o mais comum: o futebol. Acontece principalmente entre determinadas torcidas. Existem certos grupos de torcedores que tem mais orgulho da própria torcida a que pertencem que do time para que torcem. Os corinthianos e os atleticanos, por exemplo. Este é o grupo que mais tendem a substituir deus pelo futebol. Pendura-se coisas nos quartos, vestem a camisa, choram e vibram em suas cerimônias. Como nossos antepassados faziam por deus. O Flamengo ganha de 1x0 do Botafogo e tão lá os flamenguistas saindo pela rua, berrando, crendo em seus íntimos que são melhores, muito melhores, que os seus vizinhos botafoguenses, retardados e viadinhos. Mais ou menos como cristãos expulsando maometanos de Granada. Lembro agora de dois antigos representantes das torcidas do Cruzeiro e do Atlético, num programa futebolístico cretino lá das Alterosas, Serginho e Bolivar respectivamente. Cruzeiro ganhou de 1x0 do galo na partida final do mineiro, depois de já ter metido 5 no último confronto, e o Serginho resolve zoar pesado. Então o Bolívar perde a cabeça, fala palavrões e aponta o dedo na cara do Serginho. Serginho parte para porrada. Claro, antes disso, ambos apertavam as mãos antes dos clássicos, exortando os torcedores à paz. Mas se o futebol está no lugar de Deus, então é algo sério, algo pela qual vale a pena lutar e morrer. Não se deve aceitar ofensas ao seu time. Quando se ofende um time do torcedor você também o ofende.

É isto. Política, prazer e futebol são legais, importantes, fundamentais se quiserem. Mas apreciem com moderação. Sua vida não será justificada por essa trinca.

domingo, 27 de julho de 2008

É só reclamar da musa que ela logo vem, montada num cavalo. E o cavalo no caso é o último post de minha amiga Ana Carolina chamado Liberdade Difamada. No melhor estilo Reinaldão, proponho um vermelho e azul com ela.


Não há conceito mais difamado que o de liberdade. Ela é evocada pelos motoristas que querem beber e dirigir, apesar da nova lei. É evocada pelos publicitários e outros profissionais da mídia que criticam a censura e limitação de idade de suas produções...

Sim, também a evoco nesses casos. Não tenho carteira, nem sou um profissional da mídia.



O problema é que liberdade surge pra dar um espaço pro indivíduo, mas eles acabam se esquecendo de que ainda assim eles não estão isolados. Pedem liberdade pra agir e esquecem que há outros envolvidos em suas ações.


Nada está isolado. Indivíduos, coisas ou ações. Se fossemos usar isso como princípio então não teríamos liberdade para ação alguma. Quando vou à rua surrupio o direito das pessoas de ocuparem o lugar que ocupo. Assim, não haver terceiros que acabem por estar envolvidos em minha ação não pode ser condição para minha liberdade, pois do contrário não haveria espaço para a liberdade.


Por pior que seja, quem pede liberdade deve lembrar que limite é uma necessidade da primeira.



Disso não podemos fugir. De fato são necessários limites para a liberdade individual. A questão é: quais?



Do contrário, o que vc evoca pra si, pode tb ser evocado pelo outro. Se formos disputar na força quem cosnegue mais privilégios - esse se torna o termo - a liberdade volta a ser ameaçada.



Agora sim, bem melhor formulado. Em poucas palavras uma síntese do que seria a lei moral e a liberdade kantianas. Posso concordar com isso. Mas lastimo dizer que disto não se segue as conclusões abaixo.



Se motoristas querem dirigir bêbados, podem matar. Assim como podem morrer ou perder alguém pela "liberdade" do outro.

Sim, claro. E para isso havia a antiga lei que impunha limites baixos de ingestão de álcool aos motoristas. Essa nova lei só servirá para nossos guardas dizerem "Sim, claro, eu também dirijo, sei que uma cervejinha não faz mal algum. Mas, veja bem, para que eu te ajude é preciso que você me ajude, certo?"


Se novelas estúpidas sobre ganância, interesse e sexo são abertas para crianças, pode ser seu próprio conhecido que cresça com valores errados.

Mas quais são os valores errados? É você que determinará os valores certos e os errados? Quem será então? Talvez alguém que compartilhe seus valores. Talvez não. Talvez seja um pastor evangélico proibindo qualquer menção ao ateísmo, catolicismo ou à teoria da evolução. Bem melhor é a maneira como está: os pais decidem o que os filhos podem ver, os pais decidindo quais valores serão passados aos filhos . Se os pais não sabem impor limite aos filhos, será o estado que o fará? Estado não é pai de ninguém, ou ao menos, não deveria ser.

Mas aprender a compartilhar é um exercício que temos tentado há anos e ainda não sabemos fazer bem. Com o surgimento do indivíduo e do privado, confundimos liberdade com onipotência.

É justamente porque o que evoco para mim deve ser evocado para todos que sou contra a lei seca e muito mais contrário ainda a qualquer forma de censura. Se não permito que os outros me censurem não serei eu a censurá-los.
De tempos em tempos crio um blog. E de tempos em tempos o destruo. É que a vontade dizer poucas e boas ao resto do mundo passa e percebo o ridículo de minha posição. Enquanto a vontade de vos dar boas lições não volta, deixo vocês com escrivinhadores melhores que eu. Segue trecho de Thomas Sowell:
“As leis do salário mínimo têm, na Europa, os mesmos efeitos que têm em outros lugares do mundo. Elas colocam muitos trabalhadores inexperientes ou de baixa qualificação fora do mercado de trabalho.
Como as leis do salário mínimo são mais generosas na Europa que nos EUA, elas levam a maiores taxas e períodos de desemprego do que nos EUA – mas, especialmente entre trabalhadores jovens, menos experientes e de baixa qualificação.
Taxas de desemprego de 20% ou mais para trabalhadores jovens são comuns em diversos países europeus. Entre trabalhadores que são jovens e pertencentes a minorias, tais como os jovens muçulmanos na França, as taxas de desemprego são estimadas em 40%.
As nossas leis do salário mínimo já produzem suficiente dano sem que imitemos as leis européias. O último ano em que a taxa de desemprego dos negros foi menor que a dos brancos nos EUA foi 1930.
Um ano depois, a lei federal do salário mínimo, a lei Davis-Bacon, foi aprovada. Um dos parlamentares que propôs a lei afirmou explicitamente que o seu propósito era evitar que os negros tomassem os empregos dos brancos.”

O legal de acompanhar um ou outro escrivinhador gringo é que o debate por lá e muito mais amplo e viril. Quem no Brasil teria coragem de escrever o que se segue acima? Que político seria louco o bastante para falar tais verdades?
Segue agora trecho da melhor coluna política do Mainardi de que me lembro:
“A idéia de que é perfeitamente inútil continuar a denunciar Lula se alastrou por aí. Leio uns dez blogueiros amargurados por dia dizendo que ele é imune a tudo. Que o Brasil está rendido. Que está entorpecido. Que está em coma. Na falta de outros argumentos, esse acabou se transformando também no maior fator de orgulho para os lulistas. Eles sempre se gabam do fato de Lula conseguir manter-se imensamente popular a despeito de todas as ilegalidades de que é acusado. Mas esse é um grande embuste. E eu me recuso a aceitá-lo. O lulismo se especializou em surrupiar as glórias nacionais. Agora está tentando surrupiar a principal delas: o nosso longo histórico de alegre e sincera subalternidade. É bom lembrar: nós já éramos obstinadamente servis antes de Lula, e permaneceremos assim depois dele. Quem Lula pensa que é? Em 1937, Getúlio Vargas deu seu golpe de estado. Poucos meses depois, os sambistas se acotovelavam para determinar quem conseguia lamber as botas do ditador de maneira mais degradante:
Surgiu Getúlio Vargas,O presidente brasileiro,Que entre seus filhosComo um herói foi o primeiro.”

Os originais estão aqui: http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=6740&language=pt
http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/090708/mainardi.shtml

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Gostaria só de comentar uma injustiça histórica: muitos vêem a Idade Média como o período em que a Igreja sufocou tudo e todos, que durante a tal Idade das Trevas nenhum progresso foi feito, pelo contrário, haveria mesmo um retrocesso, que a civilização só foi possível com o Renascimento. Mentira, claro. Como qualquer pessoa com o mínimo de cultura pode avaliar, o que ocorreu de fato foi bem distinto e, na realidade, a Igreja Católica manteve e até mesmo fez progressos civilizacionais durante o período, contra tudo e todos de então.
É simples, com a queda do Império Romano tombou a civilização ocidental. O seu lugar foi ocupado por bárbaros pagãos que nunca leram Virgílio. Alguns bolsões civilizacionais ainda respiraram, por menos de cem anos. De 550 a 1000 não houve um único poeta, dramaturgo, filósofo ou cientista digno de atenção. E principalmente – nenhum grande teólogo. Não houve nada em termos culturais. E não houve nada justamente porque uma tradição se desfez, ao contrário da acusação original, de que uma tradição sufocava tudo e todos.
Depois dos anos 1000 a tradição romana é substituída pela católica, que se fortaleceu a ponto de atacar o islã. A teologia, filosofia e a literatura renasceram. Graças à cultura católica. Este período foi de fato o grande Renascimento.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

"O inverno parecia relutar em soltar da terra seus dentes frios, úmidos e sibilantes. Prolongava-se demais e não faltava quem repetisse:
- É consequência desses canhões gigantescos que estão bombardeando a França [Primeira Guerra Mundial]. Modificaram a atmosfera do mundo todo."

John Steinbeck em A leste do Éden sobre o início da teoria do aquecimento global antropogênico.

domingo, 6 de julho de 2008

Lição que aprendi na última sexta-feira

Peguei o metrô. Logo no começo da viagem um lugar vagou e me sentei. Ao meu lado um velho de terno, carregando uma surrada pasta de couro preto, mais de 80 anos, olhar lúcido e contente. Era muito magro e tinha um bigodão grisalho. Sua figura era uma caricatura, um contador, advogado ou empresário a te tentar ético-financeiramente, sorrindo diabolicamente, balançando o bigodão, o olhar incisivo, vasculhando a tua alma, ao mesmo tempo invasivo, filho de uma puta, muito simpático e humano.

Comecei a escutar meu Tago Mago pirata e peguei O Globo que acabara de comprar (até então guardado em minha mochila). Logo na primeira página estava a notícia que o Branco processara o Fluminense, clube da qual ele é dirigente, algo assim, e ganhou 2,8 milhões, se não me engano. O já mencionado velho apontou para a notícia e fez um comentário. Fui obrigado a baixar os fones, adeus Paperhouse!, maldito velho!, maldita gentileza de minha natureza!

- He! O Branco se deu bem!
- Foi né?
- É.

Silêncio

- Este é o meu trabalho, você demora anos, mas no final o dinheiro vem.
- Mas parece que o Branco não levou. O Fluminense não pagará e vai recorrer.

O velho fez um gesto de grande satisfação com o meu comentário, abriu a pasta e começou a vasculhar os papéis. Eu sabia que a conversa iria continuar, era inútil pensar no Can agora. Puxou um papel qualquer, apontando para um número:

- Processo de 1980! Está acabando, até que enfim. O sujeito gastou um dinheiro que não era dele. E só agora está se resolvendo. (continua mexendo na pasta e puxando papéis timbrados) Veja este: 1993. Olha, este é mais recente... de 2003. Mas já se faz cinco anos. E vai demorar outros cinco, provavelmente. Este aqui é de 1999.

Eu que até então fazia apenas que sim com a cabeça resolvi fazer um comentário inocente:

- Conhece Rabelais?

Ele olhou pro vazio, tentando recordar o nome. Já tinha ouvido aquilo, donde?

- Sim, sim - disse vagamente.
- Pois então. Em 1500 e pouco ele escreveu que o sistema judiciário era lento não por defeito do sistema, mas de caso pensado. Era assim para que as partes litigantes acabassem aceitando o resultado da decisão. Tipo, se os casos fossem decididos na hora, pelo menos um dos lados não aceitaria a decisão. Se, no entanto, o resultado sai dez anos depois, então ambas as partes estão cansadas, não querem nem mais ouvir falar no caso e acabam aceitando de bom grado qualquer decisão.

Enquanto eu falava, os olhos do velho se lembraram, trata-se de um figurão da literatura. Então diz meio inseguro:

- Faz sentido. Não, mas faz sentido mesmo. – pequena pausa - Sim, esses grandes autores. São muito importantes. Molière. Tem também os grandes pensadores da humanidade, não podem ser esquecidos (não, não poderiam, é claro). Montesquieu.

Silêncio. A expressão do velho tornou-se algo triste. Parecia dizer “desculpe-me, não sabia que era do tipo que gostava de alta literatura. E eu aqui velho bobo te importunando com besteiras”. Lembrei-me do Can. Ele percebeu isso e disse:

- Pode escutar seu som, fique à vontade.

E assim prossegui minha viagem até a estação Estácio, onde peguei a linha 2. Despedimo-nos cordialmente.

E aqui fica a lição do dia: se você for perturbado por um passageiro, louco pra uma conversa casual, a todo custo tentando te impedir de escutar Paperhouse, o meio mais eficaz de acabar com a conversa é a citação de um autor. De preferência um clássico, anterior à Revolução francesa. Se você não tiver nenhuma citação relacionada com o assunto, cite qualquer coisa, por estapafúrdia que seja. Basta que cite em latim ou grego ou alemão, pronto, o problema se resolve. Se não conhecer nenhum autor clássico, invente um! Sim, será muito divertido você citar o famosíssimo Juliano Antônio em latim e ver seu companheiro de viagem com cara de “grandeJulianoAntônio,comopoderianãoconhecê-lo?”

E nem cobro nada pelos meus conselhos...

Uma coisa que tem me irritado ultimamente são programas e filmes de humor. Percebo isso vendo o CQC, programa de nível mediano, mas, dado a qualidade da tv aberta nacional (única a que tenho acesso), o melhor que posso ver. O que me irrita é a necessidade de humor em todas as falas, cenas, seqüências... Relaxem, vocês seriam mais engraçados se não tivessem que fazer piadinhas o tempo todo. Muito mais. Taí algo que não entendo. Nenhum filme dramático terá apenas cenas dramáticas. Qualquer diretor mediano sabe da importância do contraste. Mas por algum motivo insondável esse truquezinho básico ainda é desconhecido do meio humorístico.