segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Um post do Atlântico. Link: http://atlantico.blogs.sapo.pt/1997850.html. Experimentem trocar “PCP” por “PC do B” e “Portugal” por “Brasil”. Segue:

Hoje, no Público, Vasco Pulido Valente põe o dedo na ferida. Diz ele que a existência do PCP, com toda a sua cegueira e fanatismo ideológicos, é uma demonstração do "atraso cultural, político e económico do país". É que, ao contrário do que querem fazer crer todos os que apontam para o PCP como um parceiro natural das forças democráticas portuguesas, "não há na Europa nenhuma instituição remotamente parecida com o PCP". Depois anda tudo espantado e horrorizado como se a Sarah Palin viesse de outro planeta, ou como se Sarkozy fosse um bicho exótico.
A ansiada "modernidade" ainda não chegou a Portugal. A prova é o PCP - e o facto de o PCP não nos espantar nem horrorizar.

domingo, 28 de setembro de 2008

Vira e mexe surgem os números da pesquisa eleitoral norte-americana. Obama 48% e McCain 45%? Ou é o contrário? Who cares? Todos sabem que quem leva mesmo é quem consegue maior número no colégio eleitoral. A maioria total dos votos é um bom indicador, mas está longe de ser infalível. Por três vezes um candidato menos votado obteve maioria dos votos no colégio eleitoral: 1876, 1888 e 2000. Curiosamente, em todas as três ocasiões, os republicanos bateram os democratas. Vejam só: em 1888, benjamim Harrison bateu Groover Cleveland por 233 a 168 votos eleitorais e ainda assim, na soma geral, conseguiu 47,8% dos votos, contra 48,6% do democrata. Nas eleições de 1960, John Kennedy bateu Nixon por 49,7% a 49,6%. Apertadíssimo, não? Não pelo colégio eleitoral, onde Kennedy conseguiu ampla margem de vantagem 303 x 219. Então vamos o que interessa. Vejam o mapa aqui: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f6/McCainObamaMatchupTWINtop.png . Os dados representam a média das últimas três pesquisas eleitorais. O vermelho escuro representa os estados em que McCain tem vantagem de mais de 10%. Os vermelhos intermediários, estados onde McCain tem vantagem de 4-10%. Nos rosas claros, a vantagem de McCain é 1-4%. Os estados Azuis-escuros representam os estados em que Obama leva por mais de 10%. Nos azuis intermediários, Obama leva por 4-10%. Nos azuis clarinhos, 1-4%. Os cinzas são os estados absolutamente empatados.

Então a eleição encontra-se assim: considerando apenas os estados em que a diferença percentual seja maior que de 4%, Obama ganha por 202 a 178 (Obama: Califórnia 55, Washington 11, Oregon 7, Havaí 4, Novo México 5, Iowa 7, Illinois 21, Maine 4, Vermont 3, Delaware 3, Massachusetts 12,Connecticut 7, Rhode Island 4, Nova Iorque 31, Nova Jersey 15, Maryland 10, D.C.3 x McCain: Alasca 3, Idaho 4, Montana 3, Wyoming 3, Utah 5, Arizona 10, Dakota do Norte 3, Dakota do Sul 3, Nebraska 5, Kansas 6, Oklahoma 7, Texas 34, Arkansas 6, Lousiana 9, Mississipi 6, Alabama 9, Geórgia 15, Carolina do Sul 8, Tennessee 11, Carolina do Norte 15, Kentucky 8, West Virginia 5)

Se acrescentarmos a esses números os estados em que a diferença é pequena (1-4%), Obama ainda assim mantém a vantagem: 273 x 247 (Obama: Colorado 9, Minnesota 10, Pensilvânia 21, Michigan 17, Wisconsin 10, New Hampshire 4 x McCain: Missouri 11, Flórida 27, Indiana 11, Ohio 20)


Ainda que McCain leve os dois estados empatados, Obama vence: 273 x 265 (Nevada 5 e Virgínia 13).

Portanto, para Obama vencer, basta manter os estados em que ele possui maioria. Para McCain vencer, ele deve manter os estados em que possui maioria, vencer os dois estados empatados e ainda conquistar um estado obamista com cinco ou mais votos no colégio eleitoral.

A vantagem de Obama é real, mas está longe de ser sólida. Se observarmos os estados indecisos, com diferença de 4 pontos percentuais ou menos, quase todos valem muitos votos. Por exemplo, se McCain conseguir conquistar o precioso estado da Pensilvânia, então basta que ele também vença em Nevada, podendo até entregar Virgínia a Obama.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Chega a ser engraçado todos esses brasileiros e europeus se perguntando em voz alta “Estarão os Estados Unidos preparados para elegerem um presidente negro?” Porra, é claro que estão! Obama está hoje na frente das pesquisas e se perder, perderá por pouco. Um elemento qualquer poderia mudar a história. Então antes de fazer anti-americanismo barato, pergunte: cadê o candidato negro do Brasil? E o candidato negro francês? Cadê o turco com chances de governar a Alemanha? E o candidato indiano na Grã Bretanha? Cadê o brasileiro em Portugal? Estarão os Estados Unidos preparados para terem uma vice-presidente mulher?

João Pereira Coutinho: E o Brasil? Seria capaz de eleger um negro?
Diogo Mainardi:O Brasil seria capaz de eleger uma anta.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Lembra, sete anos atrás, quando as torres caíram, e o mundo se preocupava com a ameaça terrorista, quando intelectuais profetizavam o fim do Império Americano, como, por exemplo, Denys Arcand no filme “Invasões Bárbaras”? Então, o britânico Rod Liddle nos conta como tudo terminou num texto deliciosamente virulento. O original está aqui: http://www.spectator.co.uk/the-magazine/features/2075071/have-we-ever-faced-an-enemy-more-stupid-than-muslim-terrorists.thtml


Já encaramos um inimigo mais estúpido que os terroristas mulçumanos?
Rod Liddle
Quarta-Feira, 10 de Setembro de 2008
Esses adolescentes imbecis e narcisistas não deveriam nos amedontrar, diz Rod Liddle. O julgamento do caso do avião mostrou, de novo, que aqueles que desejam nos matar com refrigerante e peróxido são um bando de covardes.


Não será a hora dos terroristas mulçumanos repensarem sua estratégia de gravar vídeos de martírios gloriosos antes de suas explosões falharem? Não seria um pouco menos embaraçoso para todos os envolvidos? Vez após vez vemos esses imbecis em nossos telejornais prometendo todo tipo de amputações e misérias, o fogo virtuoso e limpo de Alá caindo sobre nós, lixo kafir imperialista decadente, pedaços de corpos espalhado pelas ruas, etc. E então eles esquecem de levar um cigarro mais suave para o aeroporto, ou o detonador não funciona, ou eles são presos comprando 5.00 garrafas de peróxido de hidrogênio no salão de beleza local e alguém acha aquilo suspeito (quão loiro você deseja ficar, Mohammed?). Ou eles não acham um lugar para estacionar, ou não conseguem acender a espoleta em seus sapatos ou eles de repente começam a cantar um heeby-jeebies num ônibus e fogem.
Nós, como uma nação, já encaramos um inimigo mais covarde ou burro? O IRA, ao menos, tinha um tiquinho de visão estratégica e tinha o bom gosto e senso de não se jactar de suas atrocidades antes, num filme – eles se jactavam sobre elas depois, com uma vaga insinuação de um pedido de desculpas. Eles também sabiam como construir explosivos, como fazê-los explodir e matar pessoas inocentes – o crédito a quem é devido. E apesar de todo desespero, por um momento os argentinos em cima do Goose Green foram perigosos. Mas e esses, nossos carrascos atuais, as pessoas com a tarefa de nos levar ao abismo? Se o evangelho dos cristãos e mulçumanos estiverem corretos e realmente houver uma luta final e sangrenta num lugar chamado Armageddon -, bem, pelo menos ela será breve e com poucas perdas para o nosso lado. Quem você queria como aliados, lutando do seu lado, neste terrível dia do Juízo Final – a coleção de adolescentes imbecis e narcisistas da Al-Qaeda ou o exército israelense?
‘Não mexam com os mulçumanos’ era o grito de guerra da mensagem sedenta de sangue no vídeo gravado pelo quarterwit[1] Tanvir Hussain pouco antes de ser preso por fazer parte de um plano de detonação de explosivos a bordo de um avião, tudo isso que você deve ter lido em seu jornal semana passada. “E por que não, Tanvir?” nós deveríamos ter perguntado gentilmente. “Porque, vamos encarar isso, porra, você é absolutamente inútil nesse negócio de chacinar as baratas infiéis ocidentais. Você não conseguiria estourar um balão. Mexer com você? Mexer com você? Qual seria o problema?”
Tem havido uma enormidade de operações terroristas mulçumanas antes de estes doutores tentarem explodir o aeroporto de Glasgow ano passado e terminarem pondo fogo em si mesmos, não machucando absolutamente ninguém além deles mesmos, e sendo socorridos pelos guardas de segurança itinerante. Estes foram os médicos, lembrem, que não conseguiram achar um bom lugar para estacionar: a vontade de Alá barrada pelas regras de estacionamento do concílio local. (Bem, pensando nisto, talvez estejamos todos do lado de Alá, e estes soldados do lado oposto). Eu já estava preocupado, antes disso, sobre o QI médio dos operários da Al-Qaeda; isso, porém, me fez questionar seriamente o nível dos candidatos que têm permissão de praticar medicina nesse país. Eu não me importo se meu clínico geral é um psicopata jihadista, mas eu gostaria que ele tivesse um QI maior que minha taxa de colesterol; ele pelo menos deveria ser capaz de estacionar.
É um pouco como quando aquela terrível mulher de Liverpool foi presa pelas autoridades sudanesas por ter permitido sua turma chamar um urso de pelúcia de Mohammed. Você se lembrará dela e das caras negociações envolvendo sua extradição de uma prisão em Cartum. Deus nos ajude, muitos de nós deve ter pensado na hora – todos os professores serão estúpidos assim? No que se tornarão nossas pobres crianças? Talvez devêssemos ensiná-las em casa. A mulher de Liverpool provavelmente voltou ao sistema de educação britânico, deveríamos libertar nossas crianças.
Mais ou menos há um mês, um cara mulçumano com geléia verde em suas orelhas foi preso em West Country sob a acusação de terrorismo. Na televisão o policial falou sobre seu prisioneiro com considerável reserva e simpatia, sugerindo que ele era um tapado, um idiota,um cretino comum. Um homem simples manipulado por fontes inteligentes e malignas. Eles o interrogaram, eles tinham a medida do homem. Mas eles podem ter perdido o ponto de que, presos, eles eram iguais a outros terroristas mulçumanos – que todos eles são, francamente, uma sura curta do Corão completo. E, Deus me perdoe, o mesmo pensamento me ocorreu ano passado quando as forças aliadas anunciaram, em tons encolerizados, que os últimos insurgentes mulçumanos que tinham se explodido no Iraque sofriam de síndrome de down. Quão baixo a Al-Qaeda irá descer, aqueles fulminados? Bem, hum, você está certo que esses jihadistas suicidas não estão, em termos estritamente intelectuais, próximos do normal? Porra, pelo menos suas bombas explodiram, você poderá dizer. A evidência sugere que para lunáticos fundamentalistas, eles tinham um QI levemente acima da média.
Não é só o Qi, claro. Ultimamente a covardia tem sido demonstrada por aqueles, nos é dito, que desejam nos matar em nome de Alá. Observem os casos de Abdulla Ahmed Ali, Assad Sarwar e o já mencionado gênio Tanvir Hussain – os “bombeiros líquidos” convencidos de conspirarem para cometerem um assassinato em massa com suas garrafas de refrigerantes ineptamente construídas e peróxido de hidrogênio. Eles não vociferaram para o juiz e o júri que aquela era uma corte que eles não reconheciam, que Alá seria seu juiz e que eles estavam completa, incontestavelmente justificados no que faziam. Não, ao invés disso, eles sussurraram que queriam apenas fazer esplosõezinhas em algum lugar, sem ferir ninguém – e de fato ninguém foi ferido – apenas para ganhar atenção pública.
Em outras palavras, a coragem de suas convicções desertou deles. Eles mentem para se livrarem de alguns anos na cadeia. Esses pronunciamentos gravados, que eu mencionei antes, foram partes de uma mesma coisa: eles não são psicopatas, são oficiais de relações públicas de Ummah, que desejavam não fazer nada além de chamar a atenção para as injustiças perpetradas pelas hordas de infiéis. Esta defesa, que eles ainda mantêm, é ainda mais patética que sua manifesta incompetência. Queremos matar vocês todos, eles dizem em seus vídeos – e então, na corte, que nada!, era apenas uma piada. Só estávamos brincando. Nós não queríamos dizer isto.
Quão patético – e quão verdadeiramente narcisistas. Eles fazem parte da cultura do respeito; eles pedem nosso respeito e pensam que tem direito a isto e quando isto não é distribuído na quantidade que eles pediram, eles optam por uma tentativa inepta de carnificina. Eu sei que ataques suicidas ocorrem em outros lugares do globo, mas há algo muito britânico, muito atual, acerca da mentalidade de Ali, Sarwar e Hussain; uma juventude indulgente que todavia sente que lhe foi negado o respeito que eles almejam e então eles reagem com a petulância de um retardado irremediavelmente adolescente. Mas então eles não conseguem cumprir suas ameaças porque eles são muito burros e não, se eles forem honestos, se esforçaram o bastante.
Há algo de insípido e vazio sobre todas essas ameaças de mulçumanos crescidos por aqui; a confusão, mal-compreensão política, o gemido de reclamação adolescente, a insistência de que eles têm sido enormemente ultrajados e, portanto, tem o dever de algum tipo de vingança primitiva, caso eles conseguissem simplesmente sair da sala de bate-papo da Internet e parar de usar sua vídeo-gravadora. Os meninos brancos – lixo absoluto, além da redenção – que mataram a pobre garota gótica Sophie Lancaster chutando-a até a morte fizeram vídeos parecidos em que se vangloriavam antes de cometer seus crimes – um filme pago pela autoridade local que estupidamente pensou que era um bom jeito deles canalizarem suas energias deslocadas.
Tenho defendido que o Islã é grandemente culpado pela depravação que periodicamente é desatada sobre nós na forma de bombas – que é o credo, mais que o individuo, que é o principal culpado. E vocês tem dito que o Islã é, a esse respeito, um credo extremamente cooperativo. Mas há algo a ser dito também pelo argumento de que esses rapazes – são sempre rapazes – são simplesmente um lado diferente da moeda dos estripadores, salteadores e gangues de jovens, britânicos modernos: auto-indulgentes, sempre pedindo respeito e compensação, não merecedor de ambos.
[1] NT Wit é inteligente, halfwit é imbecil e quarterwit é alguém que tem de dar tudo de si duas vezes para ser um halfwit.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Concordo

"Hoje até eles dizem: Ah, o Lula tudo bem, mas o PT é que não sei das quantas... Eles estão brincando com a nossa inteligência" Luíz Inácio Lula da Silva.
Pequeno experimento:
No quadrinho de busca do Orkut digite “Bush”.
Depois de 15 referências negativas ao atual presidente dos EUA e uma neutra: (“Seria Bush um dos reféns CS” [Counter-Strike]), finalmente aparece uma referência positiva, a comunidade “Bush: eu faria o mesmo”.
Agora digitem “Osama”. Temos quatro comunidades-piadas e uma elogiosa. Nenhuma negativa.

Quando um jornalista ou intelectual fala sobre Bush é para dar cacetadas. Não raro pergunta-se se Bush seria o pior presidente dos EUA de todos os tempos. Talvez o pior chefe político de todos os tempos. Montagem de Bush com um bigodinho a la Hitler ou com uma suástica já são lugares-comuns.

Por quê?

Invariavelmente chegamos às guerras. Antes de mais nada, lembremos que ele não foi o primeiro político a criar uma guerra, não é mesmo? Por que então ele seria o pior?

A guerra no Afeganistão só foi contestada por países atrasados e antiamericanos por natureza. A crítica de Michael Moore, por exemplo, é que Bush demorou muito para fazer a guerra no Afeganistão. Não é para menos. Terroristas assassinos provocaram a morte de mais de três mil civis americanos sem motivo aparente e chefes políticos estrangeiros os escondiam e dificultavam a investigação. Se isso não é razão para guerra, então nada mais é. A Primeira Guerra Mundial, maior conflito bélico de então, começou devido a dificuldades de investigação semelhante – só que os assassinados, no caso, eram apenas duas pessoas.

Então vem a guerra no Iraque. É uma guerra polêmica, sem dúvidas. Há bons argumentos a favor e contra. Este não é o ponto. O ponto é que esta está longe de ser a única guerra polêmica da história. Por que Bush seria o pior? A invasão da baía dos porcos é ainda mais polêmica. John Kennedy era então o presidente, talvez o mais popular presidente norte-americano. A guerra do Vietnã é outra guerra polêmica, mais polêmica ainda, pois mais sangrenta. Lyndon Johnson foi o presidente que a iniciou efetivamente. Sem dúvida uma figura polêmica. Mas ninguém o comparou a Hitler e outras bobagens. Talvez tenha sido poupado por ser democrata. Nixon foi o presidente que finalizou a guerra do Vietnã e disputa com Bush o título de mais impopular da história. Putin invadiu a Geórgia e a notícia não vale um minuto no Jornal Nacional.

Mas aqui vem o principal: Bush não invadiu o Iraque sozinho. Tinha maciços apoios parlamentar e popular, e, principalmente, a seu lado estavam o trabalhista Tony Blair,além dos chefes de estado da Coréia do Sul, Romênia, Albânia, El Salvador, Austrália, Bulgária, Mongólia, Azerbaijão, Tonga, Dinamarca, Armênia, Macedônia, Ucrânia, Bósnia e Herzegovina, Estônia, República Tcheca, Cazaquistão, Moldávia, Noruega, Letônia, Singapura, Geórgia, Eslováquia, Lituânia, Itália, Japão, Portugal, Holanda, Nicarágua, Espanha, Honduras, República Dominicana, Filipinas, Tailândia, Hungria, Nova Zelândia e Islândia. Ufa! Quantos países apoiaram a ação “unilateral” de George W. Bush, não?

Nunca vi o Tony Blair com bigodinho de Hitler.

Você, que odeia o Bush, que o considera um dos piores presidentes da história dos EUA e do mundo, me explica, por quê?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Na capa dO Globo de hoje, lemos “Blitz some e acidentes aumentam”. Na matéria lemos “Três meses após entrada em vigor da Lei Seca, número de vítimas de acidentes volta a subir” E depois O SAMU “prestou 198 atendimentos (uma média diária de 6,6) 30 dias antes da proibição da bebida. No primeiro mês da Lei Seca (...) o número caiu para 156. (...) Agora, num período de 25 dias (...) já foram registrados 170 atendimentos (uma média de diária 6,8, mais do que antes da Lei Seca)”.

U-au! Que coisa, hein? Como é que alguém poderia imaginar algo assim?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Sobre o décimo segundo episódio da quinta temporada de South Park, na qual o já referido desenho só é citado no título

John Steinbeck, em seu A leste do Éden, nos apresenta uma grande idéia: quando pequenos, todas as histórias que nos são contadas tentado nos educar, edificar, nos ensinar a distinguir o certo do errado. Os adultos estão o tempo todo a nos tentar educar e mostrarem a si mesmos como exemplos. Isso acaba por causar um efeito colateral danoso: crescemos acreditando que somos a fonte do mal no mundo, pois apenas nós fazemos o mal, enquanto o bem transborda dos outros.

Quando entramos na escola. porém, isso muda. De repente nos damos conta “Sim, eu sou o gordinho da turma. Mas quem são meus amigos? O Tapado, o Esqueleto, o Feijão, o Cabeçudo, o ET, o Pinóquio e o Dumbo”. Descobrimos de repente que não somos a fonte do mal e temos prazer em descobrir o mal no outro. Pode ser cruel, e o é, mas é humano. E é libertador também, finalmente podemos ser nós mesmos, ter amigos por quem somos, aceitamos os outros com seus defeitos e não precisamos mais ser as abstrações das idéias de bem e perfeição.

Por essa razão, se toda essa paranóia do politicamente correto quanto ao preconceito entre os adultos é, no mínimo, polêmica, entre as crianças isso é extremamente prejudicial. Numa escola em que a maioria dos alunos são brancos, um aluno negro fatalmente receberá os apelidos de Fumaça, Carvão, Grafite ou o já referido Feijão. A ânsia de descobrir o mal em todos mais a inocência das crianças fazem com que elas não percebam a diferença entre o mal e o simplesmente incomum. Por exemplo, numa escola em Belo Horizonte é capaz de alguém ser zoado apenas por ser de Santa Catarina. E se numa aula de geografia ou português descobrirem que quem nasce em Santa Catarina é um barriga-verde, então o menino terá que ouvir piadinhas do tipo “ah! Vai comer alface pra ficar com a barriga mais verde”.

Quando se diz aos meninos que não se deve zoar com seu coleguinha por ter uma cor de pele mais escura, eles provavelmente perguntarão “por quê?”. É que a zombaria é um elemento de socialização, de participação, não há uma maldade verdadeira. E os adultos dirão que a cor de pele não importa, o que importa é o que há no interior das pessoas. E as crianças ficarão sem entender a relação. O que tem a ver a zombaria com o que importa e o que não importa? Por um acaso então quando zoamos o Pinóquio por ser narigudo, o nariz dele importa em alguma coisa? Esses adultos, viu?, não entendem nada mesmo. E é cansativo para as crianças terem de ficar lhes explicando tudo o tempo todo (sim, já li O Pequeno Príncipe e gostei). Criança só não zoa um tipo de defeito: o sério. Se tiverem algum amiguinho com um defeito físico grave, então provavelmente o pouparão. E quando proibimos as crianças de zoarem da pele escura do Feijão, ainda que convencidas de que “a pele não importa, o que importa é o interior”, elas carregarão consigo uma impressão de que a cor da pele é um assunto grave, um tabu, algo sagrado ou terrível demais. Enfim, estaremos dando uma importância desmesurada a algo trivial. Criaremos adultos politicamente corretos e inconscientemente preconceituosos.

domingo, 14 de setembro de 2008

Em que se termina com um funk católico, tão bom quanto um funk carioca legítimo

Casamento gay? Deixem os viadinhos se casarem, que que tem? Mania besta de se meter na vida dos outros. Só não entendo o seguinte. Os gays não podem simplesmente entrar num cartório e passar os bens para o nome dos dois, não? Se não puderem é mesmo um absurdo, mas se puderem, porra, que viadagem essa dos viadinhos quererem se casar, não? Enfim, o mais bizarro, porém, é gente sugerindo que os gays teriam direito de casar na Igreja (de véu e grinalda, será?). Foi malz aí, mas tem direito não. O laicismo diz que a religião não pode mandar na política, mas diz também que a política não pode mandar na religião. E esse negócio de Igreja x camisinha, hein? Não sei em qual blog li que um dos sinais da decadência do ocidente é que quando o papa chega num país, toda a pauta jornalística gira em torno da questão dos contraceptivos. São dois mil anos de teologia, filosofia, conhecimento, história, tanto como dominante como dominado, dois mil anos de casos terríveis, heróicos, polêmicos, sacros e tudo o que consegue passar nas desgramas das cabeças dos jornalistas é se os moleques tão liberados para usar camisinha numa trepada ocasional ou não. Eu se fosse o papa não respondia, começava a fazer piadinha. Tipo, o jornalista pergunta, ele aperta o “play” de um gravador previamente posicionado, começa o pancadão, e ele gritando em alemão “Mete! Mete! Mas tira a camisinha! Mete! Mete! Mas tira camisinha! Vaaaaaaai! Mete! Mete!...”

sábado, 13 de setembro de 2008

Comentários sobre a eleição para prefeito de Belo Horizonte

Lacerda: Apoiado pelo PSDB e pelo PT ao mesmo tempo, num espetacular golpe de marketing de Aécio Neves (o político da conciliação, da união, etc.), deve se eleger ainda no primeiro turno. Uma pena. Ou para ser mais claro, uma merda. Representa o que o Brasil tem de pior, aquilo que nunca nos permitirá ser uma democracia plena e consolidada, a crença de que é possível liberdade sem oposição, a tentativa de alcançar o consenso, o medo do confronto, a idéia de que oposição atrapalha. Crença essa que vê com desconfiança toda fiscalização e que só pode terminar na corrupção endêmica que assola o país.

Jô Morais: Faz parte de um partido que ainda não assimilou as críticas que Kruschev fez a Stalin, representa o que o mundo tem de pior. Eu sei que na prefeitura essas questões ideológicas têm importância reduzida, mas é bom não ficar dando poder a essa gente, né? Ou você votaria num candidato a prefeito do partido nazista?

Leonardo Quintão: Eis o bravo que lutará contra a união para lá de suspeita que caracteriza a candidatura de Lacerda, sem se aliar às ideologias assassinas do oriente. Votaria nele, se não fosse um probleminha: ele é do PMDB, o partido das uniões suspeitas. È um partido que pode fazer aliança com o DEM numa cidade e na vizinha com o PC do B e ninguém nem levantará a sobrancelha. É até engraçado que tenham ficado de fora dessa superaliança. A candidatura do Quintão é apenas um lamento por terem ficado de fora da boquinha. Brasil é isso. Oposição não é quem não concorda com o governo, é quem fica de fora da boquinha.

Outros: candidato que não alcança 5% das intenções de voto é ridículo, apenas isso. Não vale um comentário num blog sem importância.

Sugestão de voto: Nulo. Se Jô Morais crescer e representar perigo, vote no concorrente.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Trabalho pesado

Um texto numa língua estrangeira, sobre um tema nunca antes estudado, parágrafos longos, sem um único substantivo concreto, sem nenhuma palavra cujo referente seja algo para qual pudéssemos apontar e dizer “é isso aqui ó”, breves referências a outras teses, e mais outra, e mais outra, numa única linha três tese citadas, cada tese correspondendo a um livro, a um semestre de estudo, uma tese de um autor estudado cinco anos atrás, uma outra que irresponsável e imperdoavelmente ainda não estudamos e que temos de inferir ou imaginar, ou pior, uma tese que já estudamos mas não compreendemos e que temos de supor, levantar hipóteses de interpretação, hipóteses que vão sendo derrubadas uma depois da outra, orações cujo sentido não se apreende na primeira tentativa, é necessário lê-las e relê-las e de novo e de novo até que o sentido se torne mais ou menos claro, até que percebamos que o significado completo de tudo aquilo depende da compreensão de uma outra teoria, que desconhecíamos completamente. As costas se adensam, os músculos se tornam tão rígidos que uma boa machadada nada poderia fazer além de nos tirar pequenas lascas.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O filósofo


Ou será o homem comum?

Goodbye, Heidegger! Até um dia, quem sabe.

Levantei-me de minha cama, de onde, mãos cruzadas sob a nuca, observava o teto de meu quarto. Andei até a sala, onde Tiago, meu apêmate, mexia em seu notebook. Esparramei-me nas almofadas do canto da sala. “Cara, a preguiça hoje está foda”.
O candidato do PV sujou com seus santinhos toda a minha rua. Assim, até eu sou ecologista.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Eu tinha fome, a décima sexta hora já passara e estava quase sem dinheiro. Havia comido apenas porcaria aquela semana e estava cansado da idéia de massa. Entrei num supermercado e comprei uma goiaba e uma pêra dura. Um real e oitenta e quatro centavos. Coloquei ambas em minha mochila e saí do supermercado. Foi só então que me deparei com a seguinte questão: onde as comeria? Não havia praças por perto e, mesmo se houvesse, chovera há algumas horas e estava tudo molhado. Andei a esmo um pouco, cerca de dez minutos e desisti de encontrar um lugar. Tirei a goiaba da mochila e a mordi, sem lavar, claro. Comia andando, me desviando dos pedestres apressados do centro da cidade. Estava boa. Goiabas são subvalorizadas, eu gosto delas. São como morangos sem-educação em formato de tomate e consistência de pêra. Por falar em pêra, a minha estava ótima, bem docinha. Tinha tanta fome que quase comi o centro dela também. Acabou, pensei, e joguei o resto no lixo. De repente vejo um jovem cego de bengala, levando pelo braço uma outra jovem cega que também levava pelo braço outra jovem cega. Encarei-os para ver se queriam ajuda. Ignoraram-me. Prossegui.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Este último texto me cansou. Não o revisei direito, provavelmente está uma porcaria ainda maior que o usual. Não traduzirei mais nada com uma periodicidade.

Estava pensando comentar um por um os filmes aí do lado, mas fiquei com preguiça também. Comento então só o Labirinto do Fauno. Ganha seis pelo conto de fadas, ganha zero pelo lado político. Média: três. Menos meio ponto porque a parte política é maior que a parte dos contos de fadas. Menos um ponto pela combinação estaparfúdilíssima de contos de fada e filme político.

Meu Deus, não se fazem filmes políticos com clichês! Isso irrita profundamente. Outro que vi pela metade, que também tem pretensões políticas e é recheado de clichês é Sombras de Goya. O que me irrita são os vilões malvadões. O labirinto do fauno fez os republicanos parecerem, como já li em algum lugar que não me lembro mais, um grupo de escoteiros perdidos na floresta. É claro, alguém dirá, é um filme de conto de fadas, o bom versus o mau. Bem, então que seja conto de fadas, não política, isso aí foi só doutrinação ideológica de baixa qualidade. Também, isso que dá! Onde já se viu conto de fadas republicano? Contos de fadas são monarquistas, sempre.

Quando via essas coisas lembrei de uma passagem de “Amor e Exílio”, biografia da infância e juventude de Isaac Singer. O escritor polonês e judeu fugia para Nova Iorque, se não me engano em 1935. Com Hitler já no poder da Alemanha, a rota de Singer incluía uma arriscada travessia pelas terras do ditador nazista. Ele, é claro, tremia de medo. Lá fora o sol apareceu fora de época e as crianças aproveitavam para brincar, correr atrás do trem, casais de namorados passeavam de mãos dadas e donas-de-casa gordas conversavam na rua, vigiando de longe as crianças. Parecia inacreditável a Singer que aquela fosse a Alemanha nazista. Já em Arquipélago Gulag, Soljenitsin viaja, num certo momento, de um gulag a outro num trem de passageiros comuns, acompanhado de um vigia, sem mais nenhum companheiro de prisão. O guarda o vigiava de longe e ele aproveitava a pequena e falsa sensação de liberdade que isso dava. De repente um passageiro muito simpático começa a puxar papo com ele. Soljenitsin aproveita, relaxa, sente-se bem depois de muito tempo. Lá pelas tantas, o assunto escasseando, o passageiro começa a reclamar de seu trabalho: ele era um guarda de um campo de concentração e vituperava contra os prisioneiros que sempre estavam pedindo por água e para irem ao banheiro – dramas esses vividos e relatados minuciosamente pelo próprio autor páginas antes.

Se não era isso, era algo perto disso. Mas se querem escrever uma arte engajada, política, aprendam com passagens como essas. O mal não se é assim tão facilmente reconhecível na política como é nos contos de fadas. Dizer isso é meio idiota, eu sei. Mas não estou tão certo que Benício Del Toro e muitos outros o saibam.

Eita, olha o tamanho do texto! e isso porque estava com preguiças. Sem mais.

domingo, 7 de setembro de 2008

Segue o texto prometido. Divirtam-se. Nunca li o tal James Wood, mas a discussão sobre a obra dele é bem interessante. O original está aqui: http://www.thesmartset.com/article/article08190802.aspx


A Verdade Dói
A novela está mudando. James Wood nem tanto
Por Morgan Méis
How Fiction Works não é, na verdade, sobre como a ficção funciona[1]. Ser obcecado com os mecanismos das palavras e sentenças, ver a literatura como um sistema fechado e com regras internas, é ser um formalista, e James Wood, apesar de toda sua formalidade, não é um formalista. Ele admite isso. No prefácio de How Fiction Works, “quando falo sobre o estilo indireto livre, estou falando, na verdade, sobre ponto de vista e quando estou falando sobre ponto de vista, estou falando, na verdade, de personagem e quando estou falando de personagem, estou falando, na verdade, sobre o real, que é o centro de minhas pesquisas.” Para James Wood, ficção é sobre o mundo, não sobre si mesma.

Wood chama seu livro de How Fiction Works por dois motivos. O primeiro é que ele é um filho de uma puta pretensioso, um dos melhores no seu campo, e está preparado para fazer afirmações sérias. Ele está cheio de confiança e tem toda razão. Ninguém mais está escrevendo sobre literatura com algo que lembra a sua energia. A segunda razão é que ele realmente está usando a palavra “Works” num sentido secundário do termo. Ele não está usando a palavra no sentido de “operar” ou “funcionar”. Ele não está seriamente interessado na técnica. Ao invés disso, ele está usando “Works” no sentido de “Querida, esse vestido realmente ficou bem em você” ou “Eu não sabia o que fazer com essa poltrona, mas ela realmente fica bem nesta varanda”. ”Works” Aqui significa algo como “combinar” ou “competente”. A maior pista – além daquilo que Woods escreve em seu livro – de que este é o real significado de “Works” é o título na capa. Não é How Fiction Works, mas How Fiction Works. Já aí, com esta ênfase, Wood está nos dizendo que ele está procurando por outra coisa que a mera técnica. Ele está atrás de metafísica, de um argumento sobre a natureza da realidade e sobre o significado do que é próprio do humano[2]. Isto é com o que Wood realmente deseja e a literatura está num local especial para entregar tais bens. Para colocar isso de maneira mais direta, literatura tem uma relação especial com a verdade.

O argumento histórico não será encontrado em How Fiction Works mas ele esboça a idéia básica em vários outros lugares. Pensando em como a novela se formou, Wood foca na idéia que a experiência humana mudou profundamente em algum lugar no meio do século XIX. Ele crê que esta mudança deve ser entendida em termos da transformação dos modos religiosos de pensar para a auto-concepção secular da mente moderna. Em sua introdução para o The Broken Estate, Wood escreve:

“Estará claro que creio que distinções entre crença literária e crença religiosa são importantes, e é porque acredito nesta importância que sou atraído por escritores que lutam contra essas distinções. Por volta do meio do século XIX, estas distinções se tornaram muito difícil de manter, e temos vivido na sombra dessa confusão desde então. Isto foi quando o velho estado ruiu. Eu definiria o velho estado como a suposição que religião foi um conjunto de afirmações divinas e com pretensão de verdade, e o Evangelho como as narrativas onde o sobrenatural é narrado; ficção pode ser sobrenatural também, mas ficção será sempre ficcional, ela não tem a mesma pretensão de verdade que a narrativa evangélica.“


Esta é uma história que, por agora, é familiar para a maioria de nós. A especificidade de Wood é o quão ele é sensível às implicações dessa transformação, o quão profundamente ele é capaz de entender os custos e as oportunidades de uma mudança histórica. Wood tem visto, tão profundamente como ninguém, que o colapso da concepção especificamente religiosa de verdade tornou possível para a novela ser sobre a verdade de um jeito novo e diferente. A própria verdade mudou quando Deus morreu.
Sempre que um crítico começa a cantar sobre a verdade é fácil ficar desconfiado. Talvez eles não estão dizendo nada com substância. Eles estão usando a palavra “verdade” como um gambito desesperado, batendo com ela nas cabeças de nós todos. Algumas vezes é exatamente isso o que os críticos estão fazendo. Mas não Wood. Ele está dizendo algo mais substancial.
A novela, ele diz, está na posição certa para tomar vantagem das mudanças na consciência humana que ocorreram no meio do século XIX. A novela está na posição para nos mostrar o que nós nos tornamos depois que a experiência foi transformada. Ela nos deu uma imagem de nós mesmos como sujeitos individuais finitos e complicados apenas vagamente consciente do porquê nós fazemos as coisas grandes, trágicas e simplesmente mundanas que fazemos.
Isto é o que Wood quer dizer por “realismo”. O debate burro sobre o realismo geralmente contrapõe a escrita que aponta por uma correspondência direta entre a palavra escrita e os fatos do mundo real com a escrita em que todo tipo de coisa fantástica e impossível acontece. Mas não é disso que Wood está falando. Wood deseja que a literatura seja “real” na maneira que ela retrata a estrutura “real” e os sentimentos de ser um ser humano, de ter subjetividade. Este tipo de realismo é livre para retratar eventos absurdos e impossíveis a medida em que eles permanecem verdadeiros na tarefa de retratar como nós experimentamos o mundo. Os grandes mistérios do universo, para Wood, migraram do reino dos enigmas teológicos para os enigmas das motivações humanas e do auto-entendimento. O fato de que somos um quebra-cabeça para nós mesmos e para os outros é uma verdade. Revelar como este quebra-cabeça opera, sem tentar resolvê-lo, é a tarefa que apenas a ficção é capaz de completar. Levou algum tempo para a ficção se dar conta disto. Foi quando do surgimento dos termos e do modo que as nuança, a complicação, a coisa que é a alma humana, foi espelhada estruturalmente pela nuança e complicação inerentes da ficção ela mesma, especialmente em sua forma de novela.
Wood dá ao Le Neveu de Rameau de Diderot a honra de ocupar um lugar no desenvolvimento histórico da ficção. Com o Le Neveu de Rameau, somos apresentados a um personagem que não mais, como na literatura dos séculos anteriores, representa uma consciência unitária que pode facilmente ser compreendida. Ao invés disso, temos um personagem repleto de contradições internas e uma certa “incognoscibilidade” em connstrução. Le Neveu de Rameau é escrito como um diálogo entre um sobrinho e um personagem nomeado “Diderot”. Através do curso do diálogo, Rameau se revela quase bestialmente instável, ressentido e ainda assim desejoso de receber um elogio honesto de seu tio músico, Rameau, e ao mesmo tempo extremamente cínico em relação ao mundo social que ele vê como um jogo. Wood, como Hegel antes dele e Lionel Trilling em seu clássico livro Sincerity and Authenticity, vê uma forma de consciência emergindo da obra de Diderot que podemos distinguir como distintamente moderna. “Deste personagem”, Wood escreve, “flui muito do brilho e acuidade psicológica de Stendhal, Dostoievski, Hamsun, Conrad, Svevo, do Invisible Man e Wittgenstein’s Nephew de Ralph Ellison.
O realismo de Le Neveu de Rameau é um realismo que retrata “como a vida é”. Realismo, para Wood, não é uma coisa direta. É tão curvo quanto a viga da humanidade. É, em alguns aspectos, misterioso e nunca será completamente distorcido. Por que fazemos o que fazemos? Nós simplesmente não sabemos bem o porquê. Certamente não sabemos tudo sobre isto[3]. O projeto de modernidade, aos olhos de Wood, é revelar os contornos e o formato, o “sentimento” específico deste mistério essencial. Ele até mesmo pega emprestado um conceito do filósofo medieval Duns Scotus, haecceitas, para explicar o que ele quer dizer. “Por haecceitas quero dizer qualquer detalhe que puxa a abstração em sua direção e pareça matar esta abstração com um sopro de palpabilidade, qualquer detalhe que chama nossa atenção por sua concretude”.
A capacidade da novela moderna de transmitir um sentido de haecceitas constitui um realismo verdadeiro. Isso é o “realmente real” de Wood. Algo muito finamente granulado para ser capturado numa categoria ou axioma, isto só pode ser capturado pela literatura por transmitir de maneira apropriada um tal realismo. E isto é porque Wood pode equivaler realismo e verdade. “Então vamos recolocar a sempre problemática palavra ‘realismo’ com a muito mais problemática palavra ‘verdade’... Uma vez que compreendemos o termo “realismo”, poderemos dizer que a “Metamofose” de Kafka ou a “fome” de Hamsun ou o “fim de jogo” de Beckett não são " representações de atividades tipicamente humanas, mas são, todavia, textos terrivelmente humanos.
Para Wood, é isso que a novela deveria ser. Verdade.

Contudo, apesar de toda confiança de Wood, ele ficou longamente incomodado por uma dúvida prolongada sobre a saúde e o bem-estar da novela. Esta dúvida vem à tona, por exemplo, quando Wood escreve sobre Saul Bellow, que Wood toma como um defensor do realismo real da novela. Wood escreve:
“Com o risco de soar apocalíptico, podemos dizer que Bellow estendeu o tempo de vida da novela. Ele suspendeu a execução do realismo, puxou seu pescoço da lâmina da pós-modernidade; e ele fez isto ao ressuscitar o realismo com a técnica modernista. “
Bellow certamente é um brilhante escritor, exatamente pelas razões apontadas por Wood, mas que Deus me amaldiçoe se esse sentimento não soa como a última resistência, uma ação reacionária se opondo ao inevitável.
Agora, como todos os teóricos do declínio, Wood pode dizer simplesmente “Certamente, reconheço que a novela está num ponto difícil e que muito do trabalho sendo produzido não cai sob a categoria de verdade que eu penso que a novela deveria aspirar. Mas o que eu posso fazer? Fatos são fatos. Algumas vezes o mundo não segue do modo que gostaríamos que ele seguisse.” Usando essa lógica, Wood ainda poderia aplicar este critério normativo enquanto reconhece que este é um critério que cai, cada vez mais, em ouvidos moucos, tanto entre os leitores como entre os escritores.
Mas há ainda outra possibilidade enterrada em algum lugar da análise de Wood que forneceria um ponto de partida normativo inteiramente diferente. Escrevendo sobre Tchekhov, Wood diz:
“No mundo de Tcheckov, nossa vidas interiores passam em sua própria velocidade. Elas não são bem calendariáveis. Elas vivem em seu próprio almanaque, e em suas histórias a vida interior livre bate contra a vida exterior como dois sistemas de tempo diferentes, como os calendários julianos e gregorianos. Isto era o que Tcheckov queria dizer por ‘vida’. Esta foi a sua revolução”.
Num sentido mais amplo, esta foi a revolução que afetou toda literatura no fim da era moderna para Wood, e isto torna o tipo de escrita Tcheckoviana uma escrita que captura a verdade da “vida”. A questão é se é assim que a vida é ou tem que ser ou deveria ser.
Mesmo Lionel Trilling, que concorda com Wood sobre a importância de Le neveu de Rameau de Diderot ao retratar uma forma de subjetividade nova e pós-religiosa, não cai na armadilha do fim da história. O livro de Trilling, Sincerity and Authenticity, avança sob a afirmação de que “agora e então, é possível observar a vida moral no processo de auto-revisão”. A implicação implícita é que a vida moral ou o “realmente real” de Wood é sempre um processo de auto-revisão. Portanto, deve-se assumir que a relação especial da novela com a verdade é, por definição, uma relação temporária, sempre sujeita a mudanças na relação entre o homem e o mundo.
Quando isto se tornar patente, Wood terá de permitir que a possibilidade dessa “vivicidade”, a coisa que ele deseja que a literatura revele, esteja sempre mudando. De fato, ele é obrigado a considerar esta possibilidade porque parte do todo de seu argumento é que a vida só pode tornar aquilo que se tornou com a morte de Deus. Então por que insistir que a literatura deveria se manter trabalhando para revelar uma manifestação histórica em particular se os homens não estão experimentando o mundo mais dessa maneira?
A questão então se torna como lidar com o “realismo histérico” (um termo que Wood cunhou num ensaio agora famoso sobre escritores contemporâneos que tendem a uma história com abundância de eventos miraculosos e entrelaçados – uma narrativa como uma transversal cortando todo o globo. Pense, por exemplo, nas primeiras páginas de Midnight’s Children de Rushdie). Esta forma de literatura pós-moderna não diz nada de verdadeiro sobre nossa condição atual? Wood pensa que não. Ele considera tal escrita falsa, que estamos sendo enganados ao pensar que Rushdie, Wallace, DeLillo ou Pychon estão nos dizendo algo real sobre nós. Esses escritores estão apaixonados por seus próprios sinos e assobios mas eles apenas arranham a superfície da experiência real. Eles substituem a atividade delirante de um maníaco pelo retrato substancial de como as pessoas agem e sentem quando se envolvem na questão essencial de entrar em contato com o mundo e com todos os temas humanos em seu interior. Em suma, Wood pensa que os realistas histéricos não estão nos dizendo nada de interessante sobre nós – eles estão simplesmente fugindo dos mistérios.
Porém, os realistas histéricos estão, no mínimo, nos dizendo que vivemos mais numa era de subjetividade histérica que numa era de calendários imprecisos. E uma simples olhada no mundo a nossa volta nos revelará que eles têm razão.
Ao esboçar os contornos das formas da consciência humana que está emergindo atualmente e são delineadas pelo que podemos chamar de globalização, é difícil não achar que Wood prefere simplesmente fingir que não é assim. Ele não está interessado em descobrir o que os realistas histéricos estão tentado nos dizer sobre nós mesmos. Ele está apenas interessados em envergonhá-los levando-os de volta ao coração dos séculos XIX e XX, de volta ao reino das complicadas formas de subjetividade que Tcheckov ou Bellow podem ter explorados.Ele não está interessado na idéia de que os tempos estão, mais uma vez, mudando. Suspeito, porém, que esta falta de interesse demonstra não um real comprometimento com um fim da história, da quasi hegeliana história da consciência humana, mas uma simples inclinação de alguém que ama prescrever o que os outros devem amar. James Wood é um prisioneiro do que ele entende por certo.
Talvez seja injusto pedir a Wood que abandone esta prisão, uma vez que ele cresce quando confinado. E mesmo que sua crítica se prove fútil para resistir às transformações da história, não há nenhuma vergonha em defender algo bom pelo máximo de tempo que conseguir.
Mas se o Sr. Wood desejar trocar suas prescrições pela arte de descrever, um exemplo útil pode ser encontrado no tratado de Edmund Wilson sobre o que ele chamou de literatura imaginativa de 1870 até 1930, o livro Axel’s Castle.
Escrevendo sobre essa literatura de um modo que soa bem woodsiano, Wilson diz,
“Estes livros revelam novas descobertas artísticas, metafísicas, psicológicas; eles mapeiam os labirintos da consciência humana de um modo nunca visto antes, eles nos fazem conceber o mundo de uma nova maneira.” Mas rapidamente Wilson deixa isto de lado. Ele reconhece que estes mapas estão envelhecendo porque os labirintos da consciência humana são eles mesmos sujeitos a transformações e devem ser re-mapeados novamente e novamente. “Portanto, creio que o tempo passou para esses escritores, que dominaram largamente o mundo literário na década de 20-30, e embora devemos continuar a admirá-los como mestres, eles não nos servirão mais como guias... E quem, daqui em diante, se contentar em habitar um canto, ainda que decorado com alguns objetos de sua própria escolha, na casa fechada de um desses escritores, acabará por se tornar consciente de falta de ventilação”. Brilhante como Wood é em revelar a profundidade da literatura dos últimos 150 anos, eu acho, lendo seu trabalho sobre nós, agora, hoje, que estou começando a me tornar consciente de uma falta de ventilação. Seria interessante ver Wood saindo e se permitisse respirar um pouquinho.

[1] No original: “How Fiction Works isn't actually about how fiction works” Como no começo do artigo o autor discute o real significado do título em inglês e como tal livro, até onde sei, não possui tradução para o português, achei por bem deixar o nome no original.
[2] “Human ‘self’” no original.
[3] No original: “We certainly don't know it all the way down”

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Já tenho um texto para traduzir esse fim de semana e, pasmem!, não é sobre política, mas literatura. Só que estou sem meu super dicionário aqui em BH e não sou assim tão destemido. Então, esperem. Terça ou quarta o traduzo. Até lá, ou antes disso.