domingo, 31 de agosto de 2008

Sim, o Ipatinga ainda é o lanterna do brasileirão. Sim, mal passamos do meio da competição. Mas no domingo passado, ao ganhar de 1x0 do Goiás, o Ipatinga já alcançou o seu objeitvo neste brasileirão: ultrapassou a pontuação do América-RN de 2007 e já não corre mais o risco de ter a pior participação da história dos brasileirões depois da implantação da fórmula dos pontos corridos. Parabéns!
Quinta-feira última estava na rodoviária do Rio de Janeiro. Com algum tempo para gastar, visitei as bancas de revista do lugar. Uma das chamadas de capa da Piauí me chamou a atenção. Dizia: “Viva o comunismo!”. Abri, procurei no índice, fui às páginas indicadas. Não li a matéria toda, só dei uma passada de olho, mas não havia ironia ali. A matéria de fato era pró-comunista. Como disse, não li muita coisa, mas li um pequeno texto ao pé de uma ilustração que ocupava uma folha inteira; o texto dizia algo como “Se o comunismo estiver errado, então a sociedade humana não é melhor do que a das abelhas ou formigas. Seria a vitória dos pequenos prazeres, dos filhinhos e filhinhas de papai, do hedonismo barato”. Algo assim.
É curioso porque quando se lê o que vai acima, tem-se a seguinte sensação: já vi isso antes. Sim, claro, são os teólogos do século XIX, em diante, desesperados diante das evidências de que já não temos mais razões para crermos em Deus. Então apelaram para a moral; “se Deus não existir, então tudo é permitido”. É o tipo de argumento que só faz sentido para o crente; ateus e agnósticos dão de ombros. O que eles poderiam discutir é: tudo é mesmo permitido? É o que fazemos diante dessa argumentação – uma vez que o comunismo já provou ser um sistema economicamente ineficaz e eticamente desumano, resta a pergunta: isto é a vitória do hedonismo barato? Não valemos mais que formigas?
O argumento desse escritor é um bom representante da divinização da política. O sujeito procura no Estado os elementos que apontariam o fim último do homem, não o encontra e então lamenta: sem determinações morais do estado o homem não vale nada, da mesma maneira que para nossos bisavôs sem Deus o homem não valia nada.
Sou um meio-termo entre libertário e conservador. Como todo libertário acho que o estado deve ser o menor possível, tanto no campo da moral como no campo econômico. Mas deixo o libertarianismo de lado e começo pelo mais difícil. Sou conservador porque creio que a parte que o estado se faz mais necessária é a moral. Por exemplo, todo Estado necessita regular os assassinatos. E já que a intervenção moral se faz necessária, fica a questão: que moral? E a resposta democrática é: a tradição. No caso brasileiro, especialmente a tradição católica. Toda outra opção seria a tirania de valores de minorias sobre os valores da maioria.
Meu lado libertário é mais fácil de defender, porque, no fundo, não há ninguém que não seja um libertário. Mesmo um comunista. Apesar de achar que o estado tem mais obrigações morais que econômicas, me incomoda muito mais, e não só a mim como a todo mundo, quando o prolongamento indevido do estado ocorre no campo da moral. Muito mais que quando ocorre na economia. Quando ocorre nessa última é um erro, no primeiro é um mal. Uma sucessão de erros econômicos até pode motivar alguém a mudar de país, mas basta uma arbitrariedade moral indevida para nos motivar a tanto.
Por exemplo, se alguém respondesse ao escritor da Piauí dizendo que a solução seria um estado religioso, o escritor arregalaria os olhos e diria algo como “mas isso seria um retrocesso!” Responderíamos, “ Como se o comunismo não fosse!” Então ele se desesperaria e diria, “Não, não, tudo menos isso, um estado religioso não! O hedonismo barato antes disso!” É que é fácil agüentar as imposições morais com as quais concordamos. Difícil é suportar uma que não nos é simpática; quando isso ocorre todo mundo é libertário.
Em tempo, o capitalismo democrático não é a vitória do hedonismo barato, da falta de valores morais. É antes o reconhecimento de que valores são tão importantes que não cabe ao estado impor seus valores à população, e nem mesmo cabe à maioria da população impor seus valores ao restante, mas antes, que cada um tem o direito de escolher seus valores e dar uma banana aos valores da maioria e do estado. Somos sim, melhores que as formigas, pois ainda temos valores. Como disse, no capitalismo democrático os valores são determinados pelo indivíduo. Se o autor da Piauí não os achou, é que por um vício de pensamento da nossa era, procurou os valores no lugar errado.
Assim sendo, quando abandonamos as abstrações teóricas e nos voltamos para a realidade, vemos que capitalismo e moral não só são compatíveis, mas que a sociedade capitalista resulta sempre uma sociedade mais moral que a comunista. É que a sociedade comunista, ao tentar, pela força, impor valores alheios à moral do povo e destruir os valores antigos, acaba apenas por destruir verdadeiramente os velhos valores e fazer com que o povo finja os novos, sem incorporá-los. Porque valores não são impostos pela força, ou são reconhecidos como legítimos ou não são. Enquanto isto, a democracia, ao aceitar os valores da maioria num campo mínimo e os valores dos indivíduos no restante, acaba por resultar num regime não só menos tirânico, mas também mais moral.
Meu pai fez feira hoje. Ele trouxe para casa uma fruta exótica, cujo nome ele perguntou para o vendedor, mas não se lembra mais.

Ela é assim. Quatro folhas secas de coloração verde-amarronzada e clara, um pouco menores que um dedão, fecham como numa pirâmide egípcia, não tão regular assim, claro, o pequeno fruto no seu interior. As folhas são finas e secas, mas não quebram fácil. Contudo, ao rasgá-las escuta-se o barulho de folhas quebrando, só que elas estão rasgando, na verdade. As folhas têm cheiro de chá, de mate talvez. Ao abri-las, encontramos, no interior vazio das folhas em pirâmide, o fruto que mede a metade da metade de um polegar. É amarelo alaranjado, como uma manga muito madura, quase podre. Seu formato é tão circular que temos a impressão que o fruto não é sólido, mas antes uma gota de néctar a flutuar em gravidade zero. O fruto sua, e ao encostarmos nele, nossa mão mela um pouco. Seu gosto é de pêssego e de ameixa amarela. Não sei se foi a safra, mas há algo de verde ou imaturo no gosto. Sua textura é daquelas uvas grandes, mais duras, o cheiro lembra o gosto. Come-se numa bocada só. No interior há pequenas sementes, como de tomate ou de goiaba, não, menores ainda, bem menores, sementes comestíveis, uma pequena irregularidade na uniformidade que caracteriza o gosto, a textura e a cor da fruta.

Alguém aí sabe o nome disso?

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Tomem aí o Manual de Etiqueta Contemporâneo:
Um dos ítem da lista:
"06. Regata
Sabe por que não fabricam calças com um buraco nos fundilhos? E por que não vendem meias que deixem de fora as suas frieiras? Porque não faz sentido usar uma roupa que deixa expostas justamente as piores partes do corpo. Parece que essa questão elementar passou despercebida pelo inventor das camisas regata. A obra desse gênio, é evidente, não seria tão nefasta se ele simplesmente tivesse tido o bom senso de deixar claro que a regata deveria se restringir ao vestuário feminino, de preferência prevendo em lei punições severas a quem enxergasse na peça uma oportunidade de exibir seus piores pêlos e odores em locais públicos, freqüentados por famílias ordeiras e pagadoras de impostos.
A justificativa é sempre o calor, é claro. Parece que é uma utopia delirante esperar que alguém sobreviva ao verão usando uma desumana e opressiva camiseta de manga curta. "

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Peggy Noonan no The Wall Street Journal. Link: http://online.wsj.com/article/SB121935481067161515.html?mod=todays_columnists

Tradução das duas primeiras partes (de um total de três) do texto:



“Agora Eles Estão Prestando Atenção

Por que há uma disputa real agora, com John McCain subindo nas pesquisas e Barack Obama caindo? Há muitas respostas, mas creio que uma é a essencial: o povo americano começou a prestar atenção.
É difícil para nossa classe política lembrar que o Sr. Obama se tornou famoso na América apenas a partir do inverno de 08. A América o conheceu há apenas seis meses! A classe política entrevistou-o, ou leu a entrevista, já em 2003 ou 04, quando ele era uma estrela nascente. Eles o conhecem. Todo o restante ainda o observa.
E isto é o que eles vêem:
Um homem atraente, inteligente, interessante, mas – é difícil categorizá-lo. Ele é o General Obama? Não, nenhum passado militar. O Brilhante Empresário Obama? Não, nunca trabalhou no mercado. Obama é um Nome Famoso? Não, é um nome novo, incomum. Um Governador do Sul De Há Muito Tempo Obama? Não. Ele foi um líder comunitário (o que é isso?), depois advogado (uuu), um legislador estadual (igual um primo meu), e então um senador dos E.U.A. (por menos de quatro anos!).
Não há nenhuma categoria pré-existente para ele!
Adicione a isto as roupas e a fúria de Jeremiah Wright, boatos de segredos mulçumanos, o queridinho da mídia e, esta semana, o aborto.
Isto foi como o soar de sinos que o levou a uma reconstrução. Sua singularidade, que uma vez foi o seu grande poder, é agora um grande problema.
A ainda por cima há o Sr. McCain e – bem, nós o conhecemos. Ele é o John McCain Prisioneiro De Guerra, Senador, Cuidadosamente Irritante.
* * *
O debate Rick Warren importa. Por quê? Ele ocorreu no exato momento em que a América estava começando a prestar atenção. E isto foi o que pareceu lá pelo fim da noite: Sr. McCain, normal. Sr. Obama, não normal. Você já viu essa discussão antes. Sr. McCain foi direto e claro. Sr. Obama cuidadoso e assustado demais. Na questão sobre o aborto em particular, Sr. McCain pareceu o bom e velho conservador, que é algo que todos entendemos, quer gostemos ou não, e o sr. Obama pareceu ou radical ou velhaco. Ele é “a favor… de limites” nos abortos em gestação já avançada, embora alguns considerem esses limites “inadequados”. (Na semana passada muita análise legal sobre emanações de penumbras enquanto a viabilidade de Roe v. Wade[1] prossegue).
Enquanto assistia, pensava: Que tal “Deixem o bebê viver”? Não analisem. Apenas “Deixem o bebê viver”.
Quanto a questão sobre quando a vida humana começa, a resposta está, sim, dentro da capacidade do Sr. Obama[2], oh, continuemos só mais um pouquinho. Você sabe por que eles chamam isto de “controle de natalidade”? Porque isto significa deter um nascimento que ocorrerá nove meses depois. Nós sabemos quando a vida começa. Todo mundo que já comprou um pacote de camisinhas sabe quando a vida começa.
Ponhamos isto de outro modo, com a concepção algo começa. O que você acha que é? Um carro? Um Buick 1948?
Se você deseja argumentar que o aborto legal é moralmente defensável, compre isto e prossiga, mas as respostas do Sr. Obama aqui pareceram-me estranhas e perturbadoras.
O discurso do Sr. Obama na próxima convenção será bom. Todos os discursos de Obama são bons. Não tão interessante quanto ele próprio – ele é mais comovente ao vivo que se suas palavras estivesses apenas escritas. Mas o seu discurso será bom, e caso não seja, as pessoas ainda ficarão com a impressão que deve ter sido, porque a mídia dirá que foi, porque eles esperam que sejam, e o que eles esperam é o que a maioria deles verá.
O Sr. Obama irá tão fundo quanto diz[3]? Durantes as campanhas das primárias, os republicanos diziam “Eu farei assim”. O Sr. Obama tem uma tendência maior a dizer “Eu me sinto assim”. Os republicanos diziam para suas bases: “Se conseguirmos passar este projeto de lei, a que os democratas se opõem irresponsavelmente, resolveremos o problema.” Os democratas estão mais inclinados a “Se construirmos uma nova atitude de esperança e respeito pelo mundo, nós tornaremos os mares mais amplos e os peixes mais numerosos”. O Sr. Obama será mais específico em seus programas? E seus planos específicos serão baseados em alguma filosofia política?
Eu suspeito que estejam todos enganados quanto aos discursos das convenções. Todos esperam que o Sr. Obama finalmente desperte, mas seria o discurso de McCain que eu assistiria.
Ele é que está com a oportunidade real, porque ninguém espera nada dele. Ele nunca foi especialmente bom com discursos. (O número de homens que, estando no topo do partido republicano, não gostava de discursar, incluindo aqui os Bushes e o Sr. McCain, é impressionante, é mesmo algo que entra em conflito com os requerimentos pressupostos da Era da Mídia. O primeiro Bush via discursos como Showbizz, parte da parafernália do presidente, e as tentativas do segundo passam a sensação de que as palavras não são amigas dele.)
Mas o Sr. McCain providenciou, em 2004, um dos momentos mais excitantes e, com certeza, um dos mais desafiadores da Convenção republicana, quando ele olhou para Michael Moore na apresentação para a imprensa e disse “Nossa escolha não foi entre um benigno status quo e o derramamento de sangue, foi entre uma guerra e uma ameaça ainda maior. Não deixem que ninguém diga o contrário... principalmente um nada ingênuo cineasta que nos faria acreditar que o Iraque de Saddam foi um oásis de paz”. Isto desconcertou a todos. E o sorriso que ele deu ao Sr. Moore foi um de pura e prazerosa malícia. Quando o Sr. McCain entra no jogo, ele entra no jogo.[4]

[1] Caso ocorrido em 1973 e que permitiu a legalização do aborto nos EUA.
[2] No debate perguntam a Obama quando ele acha que a vida começa e ele responde algo como “isto está acima da minha capacidade”. Tal resposta teve um forte impacto negativo na imagem do candidato. Todos nós sabemos o que significa “esta questão está acima de minha capacidade”. Significa algo como “não cabe discutir aqui esta questão, ela é complicada demais para o vulgo. Ela está acima da capacidade do vulgo”. No Brasil aceitamos isso, e é bom provável que tal fosse a resposta de um candidato pró-aborto. Tal candidato diria isto e nós o entenderíamos o real significado e engoliríamos. Nos EUA não. Lá é uma democracia e nenhuma questão está acima da capacidade do vulgo.
[3] Will Mr. Obama dig deep as to meaning? As to political predicates?
[4] A autora continua no parágrafo seguinte: “Look for a certain populist stance. He signaled it this week in Politico. He called lobbyists "birds of prey" in pursuit of "their share of the spoils." Great stuff. (Boy, will he have trouble staffing his White House.)” Mas não sei o que isto está fazendo aí nem a quem se refere o tal “he”.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Solzhenitsyn explica por que antigamente se escrevia a Ilíada, a Eneida e os poemas de cavalaria e por que hoje em dia filma-se Apocalipse Now, O Resgate do Soldado ryan, Platoon, Nascido para Matar ou Jarhead. A citação deo meio de semana é de Harvey Mansfield. O original está aqui:

http://www.weeklystandard.com/Content/Public/Articles/000/000/015/417wvabo.asp?pg=2

Homem de Coragem

Alexandre Solzhenitsyn foi um herói com a virtude heróica da coragem. Ele exibiu coragem, ele refletiu sobre isto. A exibição foi para todos verem, a reflexão foi profunda, difícil, reservada. Voltarei a isto depois.
Mas primeiro: um herói merece adoração, algo entre a ação e a reflexão, e começo por minha própria experiência. Fui testemunha do grande discurso deste grande homem em Harvard, em 8 de junho de 1978. Era a formatura do meu filho mais velho e minha vigésima quinta reunião de classe, e fomos convidados ao mais memorável discurso de formatura dos meus quase sessenta anos de Harvard.
O discurso foi dado em meio a um nevoeiro que ameaçava chover, ainda assim a audiência, sentada na ponta de seus assentos, escutava cuidadosamente, ávida por esperança e esperando algo já conhecido. Mas Solzhenitsyn não veio para elogiar, nem mesmo para elogiar Harvard. Havia algo em seu discurso que conseguiu desagradar a todos. Os liberais ouviram o liberalismo ser atacado e concluíram que se tratava de um discurso conservador; mas os conservadores tiveram de suportar uma crítica ao capitalismo e ao Ocidente que não os isentou. A palavra “conservador” foi usada apenas uma vez e para dizer que o Ocidente era conservador demais. E nas observações iniciais, Harvard teve seu divisa Veritas atirada em sua própria face por um convidado que teve de ressegurar à audiência que era seu amigo, e não um adversário.
Comigo estava minha esposa, recém falecida, Delba Winthrop, também uma adoradora do herói, mas uma que escreveu artigos sobre o pensamento de Solzhenitsyn. Mais tarde ela teve a temeridade de enviar um deles para o tema e foi recompensada com uma carta pessoal curta a elogiando pois “me deu muito o que pensar”[1]. O que digo de agora veio dela.
Os obituários falam da influência de Solzhenitsyn sobre seu tempo, nosso tempo, mas alguém deveria procurar pelo valor permanente de como ele viveu e do que ele disse. O ponto de atenção óbvio é sua coragem.
Temos hoje o hábito de distinguir dois tipos de coragem: a física e a moral, a habilidade de controlar o medo de dores corporais e a capacidade de permanecer firme contra a opinião convencional. Freqüentemente se diz que a coragem moral é mais difícil porque requer um intelecto maior, mas isto é difícil de discernir. pois este é freqüentemente confundido com zelo, o partido expresso dos intelectuais. A coragem física é mais fácil de apreciar porque é mais independente das circunstâncias; é uma virtude em si, ainda que exercida para fins duvidosos. Mas ela parece menos valiosa, pois não é rara.
Solzhenitsyn tinha ambos tipos de coragem. Ele foi, acima de tudo, um homem corajoso, desafiando seus inimigos a fazerem o pior, e eles o fizeram. Ele sobreviveu a intimidação, captura, prisão, fome, trabalhos forçados, vários tipos de tortura e, não vamos nos esquecer, câncer. Todos respeitam isto nele. Mas ele também pensou sobre a coragem, e fez disto o tema de seu discurso em Harvard, denunciando o declínio da coragem no Ocidente. Isto não foi muito bem recebido.
Alguns acreditaram que, se ele não fumava crack, estava tão errado quanto um; outros que a gratidão deveria impedi-lo de dizer o tipo de verdade que ele mesmo chamou de “amarga” para uma ocasião feliz como uma formatura. Mas já estamos distante do evento, então podemos aprender algo útil e honrar a morte de Solzhenitsyn tentando entender o que ele estava falando sobre coragem.
O argumento de Solzhenitsyn é que os dois tipos de coragem não estão separados, mas conectados. Uma diminuição da capacidade de controlar o medo leva a uma diminuição na capacidade de se defender e “à perigosa tendência de formar um rebanho”. Se todos pensarmos iguais, nós estaremos seguros, sem necessidade de nos defendermos. Esta parte do discurso parece antecipar o que chamamos de correção política.
Onde este declínio começou? Ele poderia ter dito que foi no fim dos anos sessenta, e ele estaria se dirigindo aos professores de Harvard, muitos dos quais haviam mostrado recentemente uma grande covardia ao permitirem que suas universidades fossem rompidas, ou até mesmo tomadas, por estudantes protestando contra a guerra do Vietnã. Mas ele atribuiu o declínio a um erro “na raiz” do pensamento Ocidental, a idéia de modernidade que nasceu primeiramente no renascimento e foi mais bem expressa pelo Iluminismo.
Solzhenitsyn pintou com pinceladas rudes, mas claro o bastante. O erro do Ocidente foi virar as costas para a devoção espiritual que cresceu em excesso e e veio a ter um fim natural no fim da Idade Média – e abraçar o materialismo com o mesmo zelo convicto. Sob esta idéia não haveria nenhum mal intrínseco e nenhuma tarefa mais alta que a busca pela felicidade na Terra. Felicidade entendida como bem-estar físico e acumulação de bens materiais, qualquer coisa para além disso era deixada fora da atenção do estado e da sociedade para a opção do indivíduo, como se não houvesse nada mais alto que a matéria na vida humana.
Por um tempo, ainda no nascedouro da democracia Americana, os direitos humanos eram considerados presente de Deus, assim, essa liberdade era dada ao indivíduo condicionalmente, sob a suposição de uma responsabilidade religiosa nele. Mas essa suposição foi sendo deixada de lado na medida que o materialismo se radicalizava, tomando a forma de um socialismo científico e, finalmente, comunismo. O materialismo radical é mais convincente pois é mais consistente, e “a situação se torna ainda mais dramática” quando se torna claro que a divisão do mundo entre democracia no Ocidente e comunismo no Oriente é menos terrível que a similaridade das doenças e pragas materialistas de ambos os lados.
Capitalismo e comunismo são duas partes hostis na modernidade, e o mundo está se aproximando de uma nova e grande reviravolta, de importância igual a da que fundou o Renascimento. A nova era terá de revalorizar o espiritual sem retornar a Idade Média.
Que visão! Muito para Harvard aceitar e muito para ser julgado aqui. Mas qual é a conexão com a coragem? Num sentido físico, coragem é a nobre capacidade de controlar o medo e o terror das dores corporais. Quando Aristóteles disse que a mais nobre coragem era confrontar a morte numa batalha, ele se lembrava que as sociedades dependiam dessa virtude individual. A coragem, como uma virtude praticada por si mesma, não é empreendida para a defesa da sociedade, mas a sociedade precisa e deve conservar e recompensar isto. Porém, o materialismo atual é uma tentativa de evitar a dependência da virtude em geral, e mais especialmente da coragem.
O materialismo moderno se funda na autopreservação ou no direito à vida, no qual a sobrevivência é o valor superior. Mas não se pode nunca ser corajoso com uma tal atitude, pois coragem requer a prontidão para o sacrifício de um a vida por algo maior, por uma vida nobre. Este é o motivo das democracias modernas terem tanta dificuldade de se defenderem. Elas requerem uma virtude que não é explicada ou justificada por seus princípios. A declaração de independência começa por estabelecer os direitos à vida, à liberdade e à busca pela felicidade, e afirma que todos os homens foram criados iguais. E esta mesma declaração termina com um voto em que os signatários empenham mutuamente suas honras sagradas.
Onde estava a “honra sagrada” no primeiro parágrafo deste documento maravilhoso? A honra é a inspiração da coragem, o sagrado é imaterial e vem do alto. Parece que o materialismo, de maneira um tanto envergonhada, repousa sob o imaterial para sua autodefesa. A coragem é uma virtude suprimida da modernidade, honrada apenas no rompimento de seus princípios.
Vemos esse problema na América de hoje na gratidão que expressamos pelo nosso exército. Eles arriscam suas vidas escolhendo um caminho inseguro, gostamos de dizer. Sim, diferentemente de nós que encaramos a morte em acidentes de trânsito e por “causas naturais”. O exército é o elemento coragem em nossa comunidade, em disputa com o elemento apetite, mas necessário a ele. Eles fazem mais do que nos “servir”, eles são nossos guardiões. Isto soa como a República de Platão, exceto que, para nós, o apetite é o elemento soberano. Nossos filósofos não são reis, eles são chamados de intelectuais e servem aos apetites soberanos.
Talvez em seu insight mais original e interessante no discurso de Harvard, Solzhenitsyn nota a importância que as democracias ocidentais conferem ao legalismo. Legalismo é o nosso substituto da virtude. Você não precisa distinguir o bem do mal, nem fazer o bem e evitar o mal, tudo o que você tem de fazer é obedecer a lei. Isto é um requerimento mínimo, não uma atitude da alma, mas exatamente uma forma de comportamento. Você nem mesmo precisa crer que possui uma alma ou ser capaz de “auto-restrição inspirada e voluntária”.
Apenas esta última qualidade, Solzhenitsyn diz, pode elevar o mundo sobre o materialismo. É voluntária pois deve vir livremente de você, e deve ser inspirada por algo maior que o seu corpo. Sua formulação parece restabelecer a coragem nos termos da moderação, ou numa combinação das virtudes da coragem e da moderação. A coragem é a restrição do medo de alguém por algo que é nobre, e também a restrição pelo apetite de bens materiais que distraem a alma da coragem. Com a restrição do apetite vem o abandono do zelo pelo princípio de felicidade neste mundo, o princípio do materialismo[2].
O materialismo é uma doutrina que enfraquece a humanidade e se priva de defensores fortes. A América ainda tem seus defensores, muito embora não os entenda. Nossa filosofia é indigna de nossa coragem e não pode fazer justiça a esta. Ainda assim, ela não pode se livrar da coragem. Isto significa que nossos filósofos são aproveitadores ou parasitas de nosso exército.
A coragem é afilosófica por natureza, na medida em que é a defesa inquestionável de algo. Mas ela necessita e deseja uma metafísica para combater o materialismo e chamar a atenção para a importância da coragem humana. Esta é a conexão da coragem física e moral, mostrada na vida e no pensamento de Solzhenitsyn. A coragem aprecia o gosto da verdade amarga, que para ela é agridoce. A coragem aprecia “a situação [que] se torna mais dramática”, o grande quadro que nos foi mostrado no discurso em Harvard e que nos apresentou “uma grande reviravolta na história”.Neste quadro, o Oriente Comunista é fraco, mas o Ocidente é ainda mais fraco. As coisas não saíram deste modo e o Ocidente prevaleceu, apesar da fraqueza que Solzhenitsyn corretamente apontou. A coragem está na nossa natureza, se a procurarmos, mas talvez na próxima vez ela poderá não estar à mão, se continuarmos tentando suprimi-la.
Esqueci de mencionar que coragem em grego é a mesma palavra para virilidade. O que me instiga a afirmar que, se já houve um, Alexandre Solzhenitsyn foi um homem viril. Para nós, ele foi o Homero de seu próprio Aquiles, a melhor declaração e explicação de si mesmo. E deixem-me sugerir para aqueles com tempo de ler O Primeiro Círculo que ele foi tão grego quanto russo. “


[1] No original a frase continua “while of course keeping mum about the accuracy of her analysis”, mas não sei bem o que isso quer dizer.
[2] O parágrafo continua: “For modern materialism has used its own inspiration--from below or perverted from above--to drive vicious actions that have the feel of noble sacrifice to the doer if not the recipient.” Mas não entendi o que ele quis dizer com isso.

domingo, 17 de agosto de 2008

“…

Down dropt the breeze, the sails dropt down,
‘Twas sad as sad could be;
And we did speak only to break
The silence of the sea!

All in a hot and cooper sky
The bloody sun, at noon
Right up above the mast did stand
No bigger than the moon

Day after day, day after day
We stuck, nor breath nor motion
As idle as a painted ship
Upon a painted ocean

Water, water, everywhere
And all the boards did shrink
Water, water, everywhere
Nor any drop to drink

…”

Coleridge, The Rime of the ancient Mariner.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O original sempre é melhor

"Porque é assim como um homem que, ausentando-se do país, chamou os seus servos e lhes entregou os seus bens: a um deu cinco talentos, a outro dois, e a outro um, a cada um segundo a sua capacidade; e seguiu viagem. O que recebera cinco talentos foi imediatamente negociar com eles, e ganhou outros cinco; da mesma sorte, o que recebera dois ganhou outros dois; mas o que recebera um foi e cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. Ora, depois de muito tempo veio o senhor daqueles servos, e fez contas com eles. Então chegando o que recebera cinco talentos, apresentou-lhe outros cinco talentos, dizendo: Senhor, entregaste-me cinco talentos; eis aqui outros cinco que ganhei. Disse-lhe o seu senhor: Muito bem, servo bom e fiel; sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. Chegando também o que recebera dois talentos, disse: Senhor, entregaste-me dois talentos; eis aqui outros dois que ganhei. Disse-lhe o seu senhor: Muito bem, servo bom e fiel; sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. Chegando por fim o que recebera um talento, disse: Senhor, eu te conhecia, que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste, e recolhes onde não joeiraste; e, atemorizado, fui esconder na terra o teu talento; eis aqui tens o que é teu. Ao que lhe respondeu o seu senhor: Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei, e recolho onde não joeirei? Devias então entregar o meu dinheiro aos banqueiros e, vindo eu, tê-lo-ia recebido com juros. Tirai-lhe, pois, o talento e dai ao que tem os dez talentos. Porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até aquilo que tem ser-lhe-á tirado. E lançai o servo inútil nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes"
MT 25:14-30

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

É incrível, mas cinco de meus amigos e parentes são favoráveis a tal lei seca brasileira. Apenas duas é contra. É, não tem jeito, somos latinos. E latino – seja europeu, seja americano – é assim mesmo: ou é fascista ou é comunista.

É muito fácil que tudo descambe para o autoritarismo por essas bandas: basta que alguém surja com a tal boa-vontade.

Quem não se assustaria com os números que descrevem a violência do trânsito brasileiro? Em países sérios o problema seria discutido, analisado, estudado, até que se chegasse na melhor e mais viável solução.

No Brasil, não. Basta que alguém acene, demonstre boa-vontade e pronto. Quem for contra é porque está de má-vontade, obviamente, trata-se de um canalha sem perdão ou recuperação.

Há algum estudo que mostre que uma causa importante da violência no trânsito brasileiro seja o consumo de pequenas quantidades de álcool? Não, mas e daí? Se quem propôs o projeto da lei seca tinha boa-vontade, se ele desejava solucionar um problema genuíno, quem se importará com os resultados, não é mesmo?

Como vovó já dizia: de boas intenções o inferno está cheio. E o inferno é o Brasil.

É algo que me deixa estupefato, mas dessas cinco pessoas favoráveis a lei seca, uma já dirigiu bêbada (muito além dos limites da antiga legislação), a outra já se deixou levar por um bêbado (este de cima, mesmo) e duvido muito (mas muito mesmo) que dois dos outros três tenha, algum dia, se recusado a andar num veículo que seria dirigido por alguém que tivesse bebido dois copos de cerveja. Não só aceitariam, como ridicularizariam uma pessoa que se recusasse a ser levada por alguém muito levemente alcoolizada (medrosa!, paranóica!, chata!).

No Brasil é assim mesmo, o que se defende na arena pública não é o que se faz na arena privada. Na arena privada, seres racionais que ainda somos, por mais surpreendente que isso possa parecer, raciocinamos em termos de riscos, perdas e ganhos. Na pública, analisamos tudo pelo prisma do bem, do belo e do justo. Raciocina-se assim: dirigir sem nenhuma gosta de álcool no sangue é melhor que dirigir com algumas pouquinhas. Logo que proibamos absolutamente o álcool. Algo semelhante a: Felipe Massa dirige melhor do que você, logo só ele pode dirigir.

Por isso é tão fácil o autoritarismo por aqui. O brasileiro está sempre disposto a ceder um pouquinho de sua liberdade individual em nome de algum bem abstrato na esfera pública.

Violência nos estádios? Proíba-se a bebida! E o mesmo sujeito que sempre foi no estádio e sempre bebeu no estádio, te aplaudirá.

Corrupção? Que se quebre o sigilo telefônico de quem quer que seja!

Imagina se descobrissem que a polícia recebeu permissão para quebrar o sigilo telefônico de quem quer que seja num país sério! Seria demissão, atrás de demissão, investigação em cima de investigação. No Brasil, nenhuma punição ocorrerá. Pelo contrário. Serão aplaudidos por jornalistas e pela população. Eis um bom homem. Foi por uma boa causa. É tudo o que importa.

Não me espantaria nada se algum dia, um deputado brasileiro, com o coração transbordando de boa-vontade, sugira a morte de todo mundo com mais de dezoito anos. É para acabarmos de vez com a pedofilia, gente! Você, por um acaso, é a favor da pedofilia? Com um pouquinho só de publicidade, as pessoas organizariam passeatas e fariam suicídios coletivos.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sobre o critério de notas para os filmes

Claro, é muito rígido. De outra maneira não poderia dar minhas notas com tamanha precisão. E é este: me diverti?

Alguns, quase sempre esquerdinhas, me interpelam: “seu alienado! Quer ir ao cinema apenas para esquecer os problemas seus e do mundo!”

Ué, é claro. Imagina o sujeito na sala de cinema “Meu deus! Eu aqui no cinema e as prestações do meu carro vencendo!”, “Será que minha mulher está me corneando mesmo?” ou “esse governo não baixa os juros, assim não dá!” Claro, se tal ocorrer, o filme é uma porcaria e não conseguiu envolver o cidadão.

O esquerdinha continua: “Mas e se o filme não te faz pensar nem nada!”

Ué de novo, desde quando diversão e pensamento estão assim separados? O problema dos blockbusters não é que eles só divertem e não te fazem pensar. O problema dos blockbusters é que eles não divertem absolutamente, qualquer sujeito com dois neurônios não consegue suportar aquela cachoeira de clichês por muito tempo.

Na época do cinema mudo os cineastas conseguiam entreter seu público utilizando apenas imagens. Cinema é isso. O som é supérfluo, é acréscimo. Discordo do Matheus. Trilha sonora em filme é perfumaria. O Control aí do lado tem uma das melhores trilhas sonoras de filme que já ouvi e, no entanto, não passaria de ano. Uma boa história não é supérflua. Nem boas imagens, fotografias, direção de arte. Idéias são supérfluas.

Posso compreender alguém que diz: estou lendo um livro de não-ficção muito bom, mas é muito pesado, vou dar uma pausa nele e semana que vem continuo. Ninguém lê a Crítica da razão Pura como quem lê Tom Jones. E no entanto, pode-se gostar verdadeiramente da Crítica da Razão Pura. Mas isso não acontece em filmes. Ninguém parará um filme no meio e dirá, o filme é bom, mas é meio pesado, depois continuo. Porque não existe filme cansativo bom. Filme bom diverte, sempre.

Esnobes poderão fazer careta, como a dizer, que bobo!, que alienado!, qualquer coisa o agradará!. Mas não é bem assim. Não é fácil entreter com imagens, deixar o sujeito sentado na poltrona por duas horas, não pensando em nada que não nelas. Não é nada fácil. Só grandes artistas têm esse poder.

domingo, 10 de agosto de 2008

Em outubro de 2003, Edward Luttwak escreveu um artigo para a Prospect intitulado “Hora de ir para casa”, sua chamada era algo como “Britânicos e americanos deveriam abandonar o Iraque”. Neste mês, agosto de 2008, o mesmo Edward Luttwalk escreve para a mesma Prospect o “Um Truman para nossos tempos” cujo subtítulo é o seguinte: “A opinião comum é que o governo Bush teve uma política externa desastrosa e que a América está ameaçada pelo crescimento da Ásia. Ambas afirmações estão erradas – Bush conseguiu fazer o jihadismo recuar com sucesso, e os EUA se beneficiarão com o crescimento asiático”. Abaixo traduzo a parte sobre a política externa de Bush (como sou bonzinho!). Para quem quiser tudo ou ler diretamente da fonte, sabiamente desconfiando que um boçal como eu possa fazer uma tradução aproveitável, eis o link: http://www.prospect-magazine.co.uk/article_details.php?id=10309

“Que a política externa de George W Bush tem sido um fracasso total é agora tomado como algo certo por tantas pessoas que normalmente escuta-se isto ser afirmado como uma verdade simples que absolutamente não precisa ser discutida.

Já aconteceu antes. Quando o Presidente Harry S Truman disse em março de 1952 que ele não concorreria na reeleição, a maior parte dos americanos concordavam numa coisa: que sua política externa havia sido catastrófica. Na Coréia, sua indecisão foi um convite à agressão, sua incompetência custou a vida de 54.000 americanos e milhões de civis coreanos em apenas dois anos de luta – dos dois lado, mais de dez vezes o número de mortes no Iraque. Os direitistas insultavam Truman por ter perdido a China para o comunismo e pela demissão do grande general Douglas MacArthur, que deseja reconquistá-la, com bombas atômicas se necessário. Os liberais o desprezava porque ele era o lojista falido que usurpou a Casa Branca do aristocrata Franklin Roosevelt – os liberais sempre foram os esnobes da política americana.

No exterior, Truman também era muito odiado. A acusação comunista de que ele teria empregado “armas bacteriológicas” para matar crianças coreanas e destruir o milho chinês foi acreditada por muitos, e foi completamente endossada por um relatório de 669 páginas de uma comissão presidida pelo eminente bioquímico britânico Joseph Needham. Ainda maior era o número de pessoas que acreditaram que Truman era o culpado pelo início da Guerra Fria por tentar intimidar nosso bravo aliado soviético, ou pelo menos que ele e Stálin era igualmente culpados.
Como esse mesmo Harry Truman pode se tornar alguém visto universalmente como um grande presidente, especialmente por sua política externa? È tudo questão de perspectiva do tempo: a guerra da Coréia foi meio esquecida, enquanto hoje todos sabem que a estratégia de Truman de contenção foi bem-sucedida e terminou finalmente com a quase pacífica desintegração do império soviético.
Para Bush ser reconhecido como um grande presidente nos moldes de Truman, a guerra no Iraque também deve ser meio esquecida. A rápida derrubada do assassino Saddam Hussein foi seguida por anos de violência crescente, ao invés da democracia instantânea que havia sido prometida. Confundir iraquianos dominados por sacerdotes com dinamarqueses ou noruegueses sob ocupação germânica, prontos para retornarem a democracia assim que libertados, não foi um erro perdoável: antes de invadir um país, um presidente dos EUA deveria saber se tal fica no Oriente Médio ou na Escandinávia.

Ainda assim, a custosa guerra do Iraque deve ser entendida como um espetáculo secundário na contra-ofensiva global de Bush contra a militância islamita, assim como a bem mais custosa guerra da Coréia deve ser entendida como um espetáculo secundário na contenção da guerra fria. Pois a resposta de Bush para o 11 de Setembro foi precisamente isto – um ataque global contra a ideologia da militância islâmica. Enquanto operações anti-terroristas tem sido bem-sucedidas aqui e lá, de um modo ou de outro, e o destino do Afeganistão permanece em suspenso, a bem mais importante guerra ideológica terminou com uma espetacular vitória global para o presidente Bush.
Claro, a analogia com Truman está longe de ser perfeita: a União Soviética era um estado, não um estado de mente. Ainda assim, uma vez que a vitória de Bush for reconhecida, os erros no Iraque serão perdoados, assim como ninguém hoje culpa Truman por ter enviado sinais trocados sobre se a Coréia deveria ser defendida[1]. Claro, a vitória de Bush ainda não foi reconhecida, o que, de fato, é muito estranho, uma vez que ela ocorre na frente de todos.

Até o 11/09, os militantes islâmicos, incluindo jihadistas violentos de todos os tipos, da Al Qaeda até agentes simplesmente locais, desfrutavam de muito apoio público – seja aberto, seja tácito – em quase todo mundo islâmico. De Marrocos a Indonésia, os governos apaziguavam os militantes em casa enquanto os encorajavam a focar suas atividades violentas no exterior. Alguns, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU), patrocinaram pregadores militantes e jihadistas armados. Os sauditas financiaram escolas extremistas em muitos países, incluindo EUA e Grã-Bretanha, e tinha milhares de pregadores militantes em sua lista de pagamento, além de enviar cheques a jihadistas no Cáucaso, Paquistão e uma dúzia de outros lugares (embora não a Osama Bin Laden mesmo, inimigo declarado deles). Os governantes de EAU, que agora apenas conversam sobre suas linhas aéras e bancos, foram vistos por fontes confiáveis entregando sacos cheios de dinheiro a Osama em pessoa, encontrando-o no campo aéreo de Kandahar enquanto voava para caçar espécies perigosas. A Arábia Suadita e o EAU foram os únicos países que, juntamente com o Paquistão, reconheceram o Talibã como os governantes legítimos do Afeganistão. Outros governos mulçumanos, notavelmente o Sudão, a Síria e Iêmen, ajudaram jihadistas lhes dando passaportes e porto seguro, enquanto outros ainda, incluindo Indonésia, simplesmente fingiram de cegos a doutrinação islâmica e recrutamento jihadista.
Com exceção dos governos argelinos e egípcios, todo estado mulçumano preferiu, pelo menos, conviver com os pregadores militantes e jihadistas de alguma maneira. Paquistão fez muito mais que isso; sua diretoria do serviço de inteligência internacional, patrocionou, armou e treinou tanto o Talibã no Afeganistão quanto milhares de jihadistas dedicados a matar civis, policiais e soldados indianos na Caxemira (Cachemira?) ou além.


Tudo isto teve um fim abrupto depois do 11/09. Os mais sofisticados de toda parte ridicularizam a posição infexível de Bush, “Ou você está conosco, ou você está com os terroristas”, como uma fanfarrice caipira, mas isto foi rapidamente bem-sucedido. Governos pelo mundo mulçumano rapidamente mudaram suas condutas. Alguns se esforçaram energicamente para fechar grupos jihadistas locais que eram há muito tolerados, para silenciar pregadores extremistas e manter foras jihadistas estrangeiros que antigamente eram bem-vindos. Outros passaram por um período de negação. Os sauditas, na pessoa do ministro do interior Príncipe Nayef bin Abdul Aziz, começaram por negar que os terroristas do 11/09 eram árabes, enquanto os príncipes dos EAU acusados de dar dinheiro a Bin Laden fingiam nunca ter ouvido falar dele.
A negação não durou. Assim que viram as forças especiais americanas e os bombardeiros de longa distância esmagando o Talibã, os sauditas começaram a assumir a responsabilidade por terem espalhado o extremismo através de milhares de escolas e academias que eles financiavam em casa e no exterior. Uma agonizante reavaliação de sua própria forma Wahhabi de islamismo continua. O rei saudita convocou uma conferência entre mulçumanos, cristãos e judeus sobre a fé – um imenso passo dado contra a proibição Wahhabi de qualquer forma de amizade com não-mulçumanos. Dentro do reino, apenas os pregadores menos extremistas recebem agora apoio público. Bin Laden foi inimigo dos sauditas por anos, mas foi apenas depois do 11/09 que eles começaram a ativamente caçar seus apoiadores e fizeram seus primeiros movimentos para desencorajarem os sauditas ricos de enviarem dinheiro a jihadistas no exterior. Mais de mil sauditas foram presos, dúzias foram mortas enquanto resistiam a prisão, e os bancos sauditas agora devem checar se a transferência foi envaida para organizações mulçumanas na lista terrorista.

De diversas maneiras, todos outros governos mulçumanos também ficaram do lado de Bush e dos EUA contra os jihadistas, muito embora a jihad contra o infiel seja amplamente observada como um dever islâmico. De repente, islamitas ativos e jihadistas violentos sofreram uma catastrófica perda de status. No lugar de serem admirados, respeitados, ou pelo menos tolerados, eles tem de esconder, fugir ou desistir. Os números começaram a encolher. O número de incidentes terroristas fora das zonas de guerra do Afeganistão e Iraque continua baixo, enquanto madraçais de quase todos lugares tem preferido suavizar seus ensinamentos a serem silenciadas. Na Indonésia, maior país mulçumano, a associação dominante de sacerdotes[2] condenou todas as formas de violência, sem exceção.

Mas foi no Paquistão que Bush forçou a mais dramática reviravolta na política. Ele disse que era conosco ou contra nós, e ele quis dizer exatamente isto. Ao presidente Musharraf foi dada uma escolha completa: associarem-se aos EUA para destruírem o Talibã que o próprio Paquistão havia criado, ou ser destruído. Musharraf fez a escolha certa, extinguindo o fluxo de armas para o Talibã, abrindo o campo aéreo de Shahbaz para as aeronaves dos EUA e dando permissão total para vôos militares americanos sobre o Paquistão. Nada parará a província da fronteira nordeste de ser tão violenta quanto tem sido desde os dias de Alexandre, o Grande. Nada poderá dissuadir os Pachtuns de suas paixões por garotos e armas. E, naturalmente, eles aprovaram o Talibã por ambas razões. Mas ao menos o estado paquistanês não mais financia esses pederastas. Musharraf também começou a remover os extremistas barbados que um dia praticamente dirigiu o serviço de inteligência paquistanês, a começar pelo chefe, Mahmood Ahmed, que foi substituído um mês depois do onze de setembro pelo moderado Ehsanul Halgas. Tem sido menos fácil para Musharraf e seus acólitos identificarem e removerem os extremistas mais sutis, calmos e barbeados no serviço de inteligência, que ainda apóiam o renascente Talibã, mas eles estão se esforçando o bastante para colherem pelo menos uma tentativa de assassinato contra Musharraf.

O que aconteceu no Paquistão com 24 horas de 11/09 foi algo nunca antes visto no mundo: a transformação do dia para noite do próprio núcleo de política de um país – o apoio a jihad – que deriva do mito nacional do Paquistão como o estado mulçumano por excelência. Foi como se o presidente Bush houvesse enviado a Itália uma ordem de criminalização do espaguete al pomodoro – e conseguido.
Ainda assim escuta-se pessoas bem-informadas casualmente remarcarem que a guerra de Bush contra o terror tem sido um fracasso total. Isto não é apenas um preconceito político; depois de tudo, o cão que não late não é ouvido. Mas ninguém precisa ser um Sherlock Holmes para lembrar que o 11 de setembro era para ser o começo de uma jihad global, com um 12 de setembro, 13 de setembro, 14 de setembro e por aí vai.
Não que a Al Qaeda pudesse fazer isto – seu única bala foi usada. Mas a destruição das torres gêmeas inspirou milhares de jovens mulçumanos a abandonarem seu pregador islâmico local e oferecerem seus serviços aos jihadistas. O Corão, apesar de tudo, promete explicitamente vitória em todas as coisas para o crente, tornando a fraqueza mulçumana a fonte de agonia, para não dizer, das dúvidas sobre a credibilidade da fé ela mesma. Esta é a verdadeira fonte de ressentimento que nenhuma política de acomodação no Oriente Médio poderia mitigar. E foram estas dúvidas que induziram não apenas os infelizes palestinos, mas também os ocidentalizados, ricos e bebedores de vinho tunisianos a celebrarem as imagens televisivas do 11/09 com lágriamas de alegria, e que fizeram Bin Laden o primeiro herói pan-islâmico desde Saladino.

Portanto, a destruição das torres gêmeas foram o mais potente possível chamado para ação. Era suficiente não apenas para ataques em Madri, Londres e Glasgow, mas muito mais e não apenas na Europa. O principal alvo, contudo, era para ser os EUA eles mesmos, assim como turistas americanos, expatriados, negociantes no estrangeiro e, naturalmente, qualquer tropa em qualquer lugar.
Ao invés disso, a mobilização global para a jihad, alimentada pelo entusiasmo pós 11/09 por Osama Bin Laden, foi detida antes que pudesse ganhar qualquer momentum por tudo isto que Bush pôs em movimento: a destruição das bases de treinamento da Al Qaeda no Afeganistão, o assassinato ou captura da maioria de seus participantes, e, o mais importante, a conversão dos governos mulçumanos de apoiadores da jihad a seus repressores.


O jihadismo foi confinado ao Iraque e a zonas limites do Paquistão, onde armas são artigos de moda e a jihad a última desculpa para uma violência milenar. Em contraste, desde o 11/09, os ataques contra alvos ocidentais (“cristãos”) foram poucos, com nenhum ataque aos EUA e apenas um punhado na Europa. Não teria sido assim se um presidente menos determinado e menos autoconfiante estivesse na Casa Branca. “Você está conosco ou com os terroristas” foi o slogan correto e a política correta. Os tropeções na pós-vitória no Iraque são secundários em comparação.



Os detratores de Bush deveriam ainda se debaterem com outro grande sucesso: a desnuclearização. Começou com a Líbia, que em 2003, com medo do que o Bush poderia fazer, desistiu de todo equipamento comprado para fazer armas nucleares. Então houve a Síria, que perdeu seu reator proto-nuclear secreto num ataque de forças aéres israelitas no último setembro – um movimento feito com a aprovação de Bush. A demolição do programa nuclear da Coréia do Norte finalmente começou. Como de costume, a diplomacia européia falhou completamente. Enquanto o E3 – Grã-Bretanha, França e Alemanha – continuavam a conversar, os iranianos continuavam a construir, e posteriormente a vangloriarem-se de enganarem os europeus. Agora a questão está chegando ao fim. Bush enviou seu próprio enviado de confiança para oferecer incentivos generosos ao iranianos para pararem de enriquecer Urânio e demolirem algumas poucas instalações. Isto foi exatamente o que o E3 ofereceu. A diferença é que não havia um Bush envolvido, logo, nenhuma credibilidade para proferirem um “ou então...”.

Bush ainda pode decidir que é injusto deixar o problema para seu sucessor, ou para os israelitas, que teriam de voar mil milhas náuticas atéo Irã, ao invés de menos de 200 dos porta-aviões[3] no Golfo Pérsico. Depois de tudo, Bush foi o grande desnuclearizador, não apenas no Iraque, a despeito da ilusória controvérsia pós-guerra. O plano de Saddam era reviver seu programa nuclear em 2004, depois do fim do embargo da ONU. Sem a guerra, poderia haver agora um programa nuclear iraquiano, e não apenas um iraniano. "

[1] But even so, once Bush's victory is recognised, the errors of Iraq will be forgiven, just as nobody now blames Truman for having sent mixed signals on whether Korea would be defended.
[2] Imams.
[3] Carriers.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A penúltima partida do Cruzeiro no campeonato será contra o Internacional. A última do Grêmio será contra o Atlético-MG. Não é por nada não, mas se Cruzeiro e Grêmio continuarem a disputar o título, isso não vai terminar bem.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Pensei em traduzir esse obtuário do Telegraph sobre Solzhenitsyn, mas são oito páginas de word, mermão. Então se vire.

http://www.telegraph.co.uk/news/obituaries/2495704/Alexander-Solzhenitsyn-voice-of-the-gulag.html

domingo, 3 de agosto de 2008

“Houve, contudo, um conflito interno ainda mais significante, embora menos freqüentemente explícito, no pensamento medieval, e no platonismo antes disto, que, semelhantemente, se deve a associações do princípio de plenitude com certos outros elementos de um grupo aceito de assunções fundamentais. Foi um conflito entre duas concepções irreconciliáveis de bem. O bem final para o homem, como quase todos os filósofos ocidentais por mais de um milênio concordaram, consistia num modo de aproximação ou assimilação com a natureza divina, seja esse modo definido como uma imitação, uma contemplação ou uma absorção. A doutrina dos atributos divinos foi também, e ainda mais significativamente, uma teoria da natureza dos valores últimos, e a concepção de Deus era ao mesmo tempo a definição do objetivo da vida humana; o Ser Absoluto, completamente diferente de qualquer criatura da natureza, era ainda o primum exemplar omnium. Mas o Deus na qual os homens deveriam achar sua própria satisfação era, como tem sido apontado, não um, mas dois deuses. Ele era a Idéia do Bem, mas também era a Idéia da Bondade; e embora o segundo atributo foi nominalmente deduzido do primeiro através da dialética, as duas noções não poderiam ser mais antitéticas. Um era a apoteose da unidade, da auto-suficiência e da quietude, a outra da diversidade, da auto-transcedência e da fecundidade. Um era, nas palavras de Peter Ramus, um Deus omnis laboris, actionis, confectionis no modo fugiens sed fastidiens et despiciens; o outro era o Deus do Timeu e da teoria da emanação. Um era o objetivo da ‘subida’, do processo de ascendência na qual a alma finita, virando-se de todas as coisas criadas, tomava seu caminho de volta para a imutável Perfeição em que somente nela poder-se-ia descansar. O outro Deus era a fonte e a energia informe pela qual o ser fluía através de todos os níveis de possibilidades, até atingir os mais baixos níveis. As dificuldades meramente lógicas de reconciliar esses dois tipos de perfeição já foram sugeridas; mas dificuldades lógicas a respeito dos objetos últimos do pensamento, não atrapalhavam muito a mente medieval. A noção de coincidentia oppositorum, do encontro dos extremos no Absoluto, foi uma parte essencial de aproximadamente toda teologia medieval e do Neoplatonismo, o que Dean Inge delicadamente chamou de “a fluidez e interpenetração dos conceitos no mundo espiritual”, ou, numa linguagem mais rasteira, a tolerância e mesmo a necessidade de se autocontradizer quando se fala de Deus, era um princípio comumente bastante reconhecido, embora os benefícios disto não eram estendidos usualmente aos oponentes teológicos. O leve constrangimento que a aplicação de tal princípio deixa na mente podia ser, e nos teólogos escolásticos normalmente eram, aliviadas pela explicação de que os termos aparentemente contraditórios eram usados em um sensus eminentior – ou seja, que eles não possuíam os seus significados habituais, nem nenhum outro significado que uma mente humana poderia entender. Mas o esforço interno no pensamento medieval que aqui nos preocupa não era simplesmente uma discrepância entre duas idéias especulativas defendidas pelas mesmas mentes, era também uma discrepância entre dois ideais práticos. Pode ser fácil afirmar da natureza divina predicados metafísicos que nos são aparentemente incompatíveis; mas era impossível reconciliar na prática humana noções de valores que nos parecem incompatíveis. Não houve meios para que o vôo do Muitos para o Um, da perfeição definida completamente em termos de contraste com o mundo criado, pudesse ser efetivamente harmonizada com a imitação de uma divindade que se delicia na diversidade e se manifesta na emanação dos Muitos fora do Um. Um programa pedia o afastamento de toda “união com as criaturas” e culminava na contemplação estática da Essência Divina indivisível; o outro, se tivesse sido formulado, teria convocado os homens a participarem, numa medida finita, na criação passiva de Deus, a colaborarem conscientemente no processo pelo qual a diversidade das coisas, a completude do universo, é executada. Teria encontrado a visão beatífica na desinteressada alegria de participar do esplendor da criação ou de curiosamente delinear os detalhes desta infinita variedade, teria posto a vida ativa acima da contemplativa; e teria, talvez, concebido a atividade do artista criativo, aquele que ama, imita e aumenta a “variedade ordenada” do mundo sensível, como o modo de vida humana mais semelhante ao divino. “

Arthur Lovejoy, The Great Chain of Being, p. 82-84.