sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Rhobidelo VI - capítulo I

A conquista do deserto de Toias exigiu de minha parte medidas severas.

Transformei meu imenso Salão Principal em campo executório. Os inimigos capturados eram levados até lá, posto de joelhos, de frente a parede. Um tiro na nunca, seus corpos caiam desmontados, seus sangues e miolos decoravam as paredes, que nunca, por ordem minha, eram limpas. O fedor terrível, as moscas e outros insetos tornaram marcas características daquele salão. Era ali que recebia os líderes de estado e dava minhas festas à corte (que costumavam ocorrer durante as execuções).

Havia um único meio de um militar capturado não terminar morto. Deveria pedir clemência e jurar se tornar um súdito meu e nunca desobedecer a uma lei qualquer. A magnanimidade deve ser uma característica de todo aquele que se julga digno do nome de Imperador.

No começo, claro, muitos pediram clemência, se arriscaram numa travessia do deserto e voltaram às suas cidades que julgavam inconquistáveis. À medida, porém, que tais cidades foram caindo, esses traidores nojentos eram identificados. Sua pena era a morte perpétua.

Cada traidor era levado a uma cela individual, na qual toda luz era vedada. Amarrados firmemente a uma cama, seus corpos eram imobilizados. Um aparelho era colocado em suas bocas, impedido-os que se mordessem ou gritassem. Um médico aplicava uma injeção com soro em seu braço, lhe dava as costas e saiam da cela. Era a última vez que viam um ser humano, que viam qualquer coisa, aliás. O soro era potente e os jovens saudáveis demoravam em média vinte e cinco anos para morrer.

O líder de meus capatazes era Winkmol. Negro, mais de um metro e oitenta de altura, cento e trinta quilos de músculos e barriga. Homossexual ativo tinha permissão minha de violentar a quem quisesse e conseguisse. Era embaraçoso quando suas presas eram homens importantes, exigindo punições. Mas soube contornar bem essas situações. Esse fato, é claro, logo se tornou conhecido por todos de meu reino e espalhou com ele boatos que me eram muito úteis.

Rhobidelo VI - capítulo II

Depois de trinta anos de guerra, finalmente, Toias era todo meu. Toda aquela sangueira precisava terminar, era o que eu desejava; mas não sabia como. Primeiramente suspendi as execuções em meu palácio e ordenei a limpeza do Salão Principal. O sangue, porém, já havia se agarrado de tal modo às paredes de meu palácio que mesmo meus melhores químicos não sabiam o que fazer. Então mandei fechar aquele salão e construir outro, ainda maior. Mas alguns nobres me interpelaram para que não fechasse assim aquele salão de tão boas recordações, que ao menos se desse uma festa de despedida.

Ordenei então a última execução pública e os mortos perpétuos foram convocados para o papel de vítimas finais. A marquesa de Ceceri pediu a palavra e lamentou que as execuções estivessem suspensas, pois era de sua opinião que a alegria de beber e comer luxuosamente eram mais bem percebidas se o sofrimento alheio estivesse posto em contraste. Todos concordaram. Concedi então que os próprios nobres matassem os mortos. Os nobres avançaram contra os indefesos, torturando-os de todos os modos imagináveis, mas estes estavam já tão insensíveis que quase não ofereciam resistência. A alegria deu lugar a certa frustração e tédio. A festa estava fracassando, pensava, quando um de meus mensageiros chegou ao castelo e requisitou minha presença. A pena para quem requisitasse a presença do Imperador desnecessariamente era a morte e pensei que ele seria um bom substituto aos mortos. Mas as notícias que ele trazia eram, de fato, importantes. Ciate, a principal cidade-oásis do deserto de Toias, havia se rebelado. Dei minhas ordens e o despachei.

- Senhores nobres, trago boas novas! – disse eu ao voltar ao Salão Principal - Ciate se rebelou, em breve teremos mais execuções!

Rhobidelo VI - capítulo III

Vinte dias depois tudo era como antes. Os mortos não adentraram na vida eterna, mas voltaram à morte perpétua, sem demonstrarem alívio ou desespero. Os longos e delicados vestidos de nossas damas deslizavam no chão imundo de meu salão. Em breve a primeira leva de condenados chegaria.

Teuro, minha sobrinha participava de sua primeira festa na alta-sociedade. Era toda alegria e ansiedade. Repetia vezes sem conta que estava louca para ver as execuções, pois achava, há menos de um mês, que nunca as veria. Ela era o centro da festa, radiava a todos com sua animação.

Os condenados chegaram. Silêncio de expectativa se fez, como sempre. Esperavam pela minha ordem. Eu estava velho e cansado. Não pude ou não quis dar as ordens. Por quinze minutos o silêncio se prolongou. Então um dos condenados começou a ter um ataque e caiu no chão se debatendo. Foi Winkmol, o capataz, que perguntou:

- Vossa majestade me ordena iniciar?

- Faça o que quiser.

Como de hábito, Winkmol era o primeiro da fila da esquerda. Atirou na nuca de seu condenado e este ao cair no chão produziu um baque que era como se ordenasse o segundo disparo no condenado ao lado e este condenado, por sua vez, ao cair no chão, ordenava o terceiro disparo, e assim sucessivamente. Teuro dava seus gritinhos adolescentes de satisfação provocando risadas gerais, anulando assim o efeito de meu silêncio.

Rhobidelo VI - capítulo IV

- Serão enterrados em Toias, e nós dois participaremos da marcha fúnebre. – Disse eu a Winkmol.

Eram vinte e oito os mortos. Três carroças os levavam. Iam além deles e de nós um séqüito de soldados e um agrimensor. Cavalgávamos rumo a Inoxildtai, uma das primeiras a serem conquistadas, a mais segura das cidades do deserto. A viagem durou cinco dias e cinco noites.

Winkmol viajava a meu lado, fiz questão. Estava tenso, suava, olhava para os lados, para trás. Não nos dissemos uma palavra.

Por ordem minha paramos no portão da cidade. Winkmol ainda viu uma das carroças caminhar a oeste da cidade e se perder na direção do deserto. Descemos todos. Novamente o silêncio nos envolveu. Depois de 30 minutos a carroça voltava. Desceram todos dela, entre eles o agrimensor. Este me deu um sinal com a cabeça, como a dizer, trabalho feito. Fui, então ter com Winkmol, aproximando-me excessivamente deste e falando em seu ouvido (também sou um homem alto):

- Você fez o que quis com os condenados, agora carregue os mortos, suporte o peso deles. A cinco quilômetros a oeste está hasteada uma bandeira de meu reino. Enterre os mortos lá.

Afastei-me. Os lençóis das carroças foram retirados e uma pá lhe foi entregue. Sabiamente Winkmol começou pelo mais pesado, carregando em seu ombro um homem com mais de oitenta quilos. A cavalo, eu e mais ninguém o acompanhei em sua caminhada. Fazia muito calor e Winkmol caiu desmaiado no segundo dia, quando carregava o vigésimo morto. Faltava ainda um quilômetro e meio para chegarmos à bandeira. Desci de meu cavalo e arrastei Winkmol com meus próprios braços até lá e enterrei-o ainda vivo. Foi realmente cansativo. Sentei ao lado da cova recém-fechada por mim e apreciei o deserto conquistado, o sol a pino, o suor que grudava em minhas roupas. Acabei com a água de meu cantil. Esqueci-me completamente de tudo por não sei quanto tempo, até que um de meus soldados apareceu montado, no horizonte. Rapidamente desceu de seu cavalo, se apresentou e se curvou ao longe. Ordenei-lhe com gestos para que se aproximasse.

- Bom soldado, bom soldado. Receberá cinco mil ducados - dizia eu enquanto subia no cavalo que o trouxe.

Voltei a galope. Chegando, ordenei que alguns dos soldados ficassem e terminassem o enterro. Aos demais que voltassem comigo à capital.

- Não sei o que me deu. Temos uma guerra a ganhar e eu aqui perdendo tempo.

Todos riram de minha observação. Voltei com os soldados, cantando com eles.



sábado, 25 de outubro de 2008

O site da The Economist está realizando uma pesquisa entre seus leitores no mundo inteiro: se pudessem, em quem votaria nas eleições norte-ameircanas? A exemplo da eleição americana, quem forma a maioria num país leva todos os votos deste. Claro, Obama ganha de lavada: 8993 votos de colégios eleitorais mundiais contra apenas 278 do republicano. Claro, as deformações que são intrínsecas a tais tipos de pesquisa são óbvias para qualquer um. Mas há um ponto interessante, em que países McCain ganha de Obama? Macedônia, Geórgia, Argélia, Namíbia, República Democrática do Congo, Argélia, Sudão; e agora vem o mais interessante, os dois países em que McCain ganha com maior margem: Cuba, com 59%, e Iraque com massacrantes 75%. Eu diria que tais dados (desaprovação da política republicana em âmbito mundial e aprovação nos locais em que ela ocorreu) é um belo retrato da política externa americana atual.

Mais rankings

“Há por aí uma cambada de caras-de-pau que tem a ousadia de chamar esse verdadeiro pandemônio econômico em que vivemos de “Modelo Neoliberal”. E pior: há quem acredite nisso. Eu, que me satisfaço com pouco, ficarei contente no dia que o Brasil alcançar o estágio de país capitalista.”

Assim João Luiz Mauad abre seu último texto no Mídia Sem Máscara. Aqui: http://www.midiasemmascara.org/?p=321#more-321

Exagero retórico? Bem, para provar o que diz, João Luiz Mauad recorre ao último ranking do Banco Mundial acerca do ambiente para negócios entre os países. A posição do Brasil? Centésima vigésima quinta. Estamos atrás não só de antigos países comunistas (Rússia, Bósnia, Albânia), como de atuais países comunistas (China, Vietnã), assim como de gigantes do capitalismo (Butão, Paraguai, Etiópia, Uganda, Suazilândia) Eis a posição brasileira em cada critério avaliado: começar um novo negócio, centésima vigésima sétima posição; permissões para construção, centésima oitava posição; contratação de funcionários, centésima vigésima primeira posição; registro de propriedade, centésima décima primeira posição; crédito, octogésima quarta posição; proteção para os investidores, septuagésima posição; taxas, centésima quadragésima quinta posição; facilidade de negociar com o exterior, nonagésima segunda posição; fazer-cumprir contratos, centésima posição; e por fim, fechar um negócio, centésima vigésima sétima posição.

O texto de Mauad ainda vale a pena pela embasbacante história da ex-brasileira empresa H2Ocean.
O ranking se encontra aqui: http://www.doingbusiness.org/economyrankings/

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Essa é para quem acredita que vivemos numa democracia firme e consolidada. A ONG Reporters sans frontière publica anualmente um ranking de liberdade de imprensa entre os países. Qual a posição do Brasil? Octogésimo segundo lugar. Empatados com República Dominicana e Tonga. Atrás de gigantes como Guiné-Bissau, Albânia, Zâmbia, Qatar, Equador, Butão, Haiti, Tanzânia, Emirados Árabes Unidos e outros. E o que faz o governo brasileiro para mudar a situação? Esta lei estúpida e absurda que regula a propaganda eleitoral, seja na Internet, televisão ou jornal. Descerá bem mais no próximo ano por conta disso, não há dúvida (os dados do ranking não cobrem essa lei). O que mais assusta, porém, é a passividade do povo. Nenhuma reação. O que mostra bem que não valorizamos a democracia e os seus princípios. Só mais um dado: a Reporters sans frontière faz esse ranking desde 2002. E em 2002, último ano do governo FHC, o Brasil se encontrava na qüinquagésima quarta posição. Ruim, sem dúvida. Mas a melhor desde então.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Bujis Kelon, capítulo I

Em Bujis Kelon ninguém morre. Quer dizer, ninguém morre à nossa maneira. Ao invés disso as pessoas se tornam uma espécie de zumbis, animais em decomposição andando por aí com pedaços de carnes pútridas caindo no chão, deixando uma gosminha de lesma por onde passam. A consciência, no entanto, continua trabalhando normalmente. Esses zumbis são bastante nojentos e fedidos. Concordam comigo os “vivos” daquele mundo. Para evitar a convivência com esses seres monstruosos, convencionou-se enviá-los todos a Jomki, uma região onde eles ficaram agrupados até as décadas de 20 e 30 do século XIX, antes da expansão capitalista, quando o governo de Ruosi Esodi resolveu invadir aquela região e expulsar os zumbis aos mares. Um erro trágico.
Os zumbis perderam a guerra e deixaram-se levar, boiando, pela maré. Apesar de não poderem propriamente morrer, eles têm uma fortíssima necessidade psicológica de comer e respirar. Há histórias de zumbis que não sabiam nadar e vivem desde então um agonizante afogamento eterno. Sorte um pouco melhor tiveram aqueles que boiaram perdidos na imensidão do mar por décadas. Quase duzentos anos depois dos acontecimentos aqui narrados, encontra-se ainda quem esteve a deriva por todo este tempo. Os zumbis se alimentam de coisas em putrefação e cocôs, o que os tornam mais nojentos, não só pelo bafo, mas porque, desajeitados que são, deixam cair aquelas porqueiras nas roupas, nas barbas (depois de algum tempo, mesmo as mulheres zumbis são barbadas) e cabelos (a cabeleira dos zumbis é enorme, muitas vezes ultrapassando a altura do morto-vivo). Imaginem-se conversando com alguém com a boca suja de cocô. Então.
Nos primeiros anos que se seguiram a expulsão dos zumbis, tudo normal. Entre 1826 e 1839, Fursai du Magajhaun deu pela primeira vez a volta ao mundo à procura de novas terras e não encontrou nada além de pequenas ilhas desabitadas, a maior delas com dez quilômetros quadrados. Encontra-se no diário de bordo dessas viagens as primeiras descrições da assombrosa paisagem, comum desde então: cabeças de zumbis boiando na água, observando os barcos passarem, gritando com ressentimento e ódio contra os vivos insensíveis e insensatos.
Em 1847 Fursai du Magajhaun e sua tripulação embarcaram em sua segunda viagem marítima pelo mundo e nunca mais voltaram. Em 1849 um navio atracou no porto de Nastin e dois meses depois um outro no porto de Jonbia, ambos com marcas de tiros de canhão, ambos contando a mesma história: foram abalroados em alto mar por navios carregados de zumbis e, por sorte, não foram lançados ao mar. A partir de então tais histórias tornam-se comuns e várias embarcações nunca retornaram a um porto.
Em 1860 uma esquadra de navios de zumbis atacou o porto de Oshuen e roubou várias embarcações. Isso se tornou prática comum a partir de então e em 1917 todos os países já haviam desistido de suas esquadras.
O que ocorreu foi o seguinte: assim que o primeiro grupo de zumbis encontrou uma ilha, lá se instalou e começou a construir navios. Depois de feitas algumas embarcações, eles partiram em alto mar e recolhiam os pobres zumbis que por lá boiavam. Eles voltavam a ilha, faziam mais navios, voltavam ao mar, traziam mais zumbis e assim o número de zumbis na ilha crescia exponencialmente. Exploraram um pouco a região marítima, ocuparam todas as ilhas conhecidas, mas a madeira ia ficando cada vez mais escassa. Seria preciso agora conservar as árvores ainda existentes e esperarem as mudas crescerem novamente, o que demoraria cerca de trinta anos. Eles decidiram que esperar por aquele tempo todo era um absurdo, havia zumbis esperando por eles. Logo surgiu a idéia de roubarem os navios dos vivos. Como entre os mortos havia todo tipo de profissional, não foi difícil a criação de canhões e outras armadilhas para a tomada dos navios.
Por volta de 1925 os zumbis foram vistos no continente, recolhendo madeira. Depois de algumas escaramuças os zumbis prometeram deixar a terra dos vivos em paz, desde que o governo dos vivos se comprometesse na fabricação perpétua de navios que seriam doados aos mortos-vivos. E assim vem sendo feito até os dias de hoje.

Bujis Kelon, capítulo II

Não há nada mais temível que a morte Kelon Bujiusnu. Nada pode ser mais tão traumático. Imagine, você é um velho e sofre um enfarte. Depois de um tempo a dor passa. Médico, velho, parentes olham um para o outro “será que morri?”. Ninguém sabe. Apenas depois de uma doze horas de extrema ansiedade o corpo começa dar alguns sinais, ainda assim discretos, como o empalidecer da pele e o enrijecimento das juntas. De repente, percebe-se: “estou morto, não consigo mais cruzar as pernas”. É um horror. Então a família chora unida. Uma pequena festa é dada, o morto se despede dos amigos, dos filhos, da mulher e se vai.
A morte Kelon Bujiusnu, claro, proporcionou várias cenas e histórias famosas de mulheres, pais, mães, irmãos e mesmo amigos ou simples admiradores que acompanharam seu objetos de adoração a Jomki. Isto representa um sacrifício, pois a morte, depois de um tempo, torna-se altamente contagiosa. O principal meio de contágio é o visco que se solta da pele dos mortos, o que só ocorre depois de um mês do falecimento. Porém, os vivos não demoram nem mesmo uma semana para morrer em Jomki. Por alguma razão, os zumbis matavam todos aqueles que pisavam em Jomki. A principal suspeita é que não queria que os vivos voltassem às suas terras e contassem o que haviam visto ali. Muitos afirmam que o desejo de desvendar tal mistério foi o principal motivo da invasão de Ruosi Esodi. Em toda a história apenas o poeta Dastu conseguiu voltar vivo de Jomki e conta o que viu em seu mais famoso poema, muito belo e famoso por sinal, mas que não matou a curiosidade de quem achava que havia alguma coisa de mais misteriosa e sinistra em Jomki.
Quer dizer, assim era a morte Kelon Bujiusnu até 1821, ano da invasão do Ruosi Esodi. Depois disso a situação piorou. E muito. Enquanto as tropas Krotasocan (isto é, as tropas de Ruosi Esodi) marchavam em direção a Jomki, os novos mortos eram recolhidos num campo de concentração, localizado numa parte erma do país. Este campo de concentração existe até hoje e concentram-se nela os mortos Krotasocan de 1821 até 1838, sendo a maior parte composta de militares que morreram na invasão, também conhecida como a Primeira Guerra de Jomki. Há também outros campos de concentração de zumbis espalhados ao redor do mundo, com destaque para os campos de Osdoa, país que não permite que se atire os mortos ao mar. É bem provável que fale de Osdoa algum outro dia, quando relatar a Segunda e a Terceira guerra de Jomki.
Bastou, porém, cinco anos de ocupação do Jomki para o primeiro campo de concentração estar completamente lotado. Os mortos passaram então a ser jogados no mar. Eram levados em navios prisões e atirados no meio do oceano. Houve uma grande revolta da população mundial que amava seus entes queridos e se chocavam em vê-los sofrendo algo tão bárbaro. Mais que isso, temiam os vivos o seu futuro próximo e inevitável. Porém, não havia jeito, era preciso se livrar dos mortos e todas as terras já estavam ocupadas.
Por essa razão as cenas ternamente melancólicas dos enterros antigos com reuniões familiares e amigos homenageando aquele que se ia, cenas estas inspiradoras de vários dos belos poemas daquele mundo, foram substituídos por outras um tanto sórdidas e simplesmente revoltantes. Agentes do governo, vestidos com uma roupa protetora que lembra as roupas dos apicultores, invadiam as casas e retiravam a força os mortos dos familiares. Em outras, o morto implorava a família que o escondesse, mas esta o negava, ou então concordavam apenas por pouco tempo, antes de traí-lo. De qualquer modo o cheiro dos mortos-vivos os denunciava.
No meio da década de 50, com o recrudescimento dos ataques dos zumbis-piratas, o governo precisou achar um novo meio de atirar seus mortos ao mar. A solução criada foi a construção de uma catapulta gigante que atirava o morto a cerca de três quilômetros da costa. No entanto os zumbis voltavam, quer por saudade dos familiares, quer por rejeitar o mar como lar, quer por achar muito divertido aquele vôo de três quilômetros. Decidiu-se então que os mortos que voltassem tomariam uma sessão de cem chicotadas nas costas e, se novamente repetida a peraltice, seriam cortados os braços e as pernas do zumbi, fazendo com que estes se afundassem ao mar como pedras. Alguns zumbis não acreditaram no cumprimento das ameaças e voltaram a costa pela terceira vez; todos eles estão no fundo do mar agora.
Com a invenção dos aviões e helicópteros no século seguinte as catapultas foram deixadas de lado, muito embora alguns milionários excêntricos paguem uma pequena fortuna por esse tipo de viagem.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

O simplório religioso comete um erro quando olha para dentro de si mesmo e conclui que é impossível ser bom sem a crença num sobrenatural a vigiar-nos.

O intelectual ateu comete o mesmo erro quando olha para dentro de si mesmo e conclui que é possível a todos ser bom sem necessidade alguma de um sobrenatural a vigiar-nos.

O intelectual ateu não só desacredita de Deus, mas crê que Ele é um mal a ser extirpado, um erro a ser esclarecido. O intelectual ateu deseja substituir a religião por uma moral – sem nunca, porém, especificar que moral é essa.

O intelectual ateu é apenas anti-religião, ele queria voltar ao ano 0, voltar à época em que não havia religião. Ele não é pós-religião, não é alguém que deseja pensar como seria o mundo depois da religião. Em suma, ele não deseja ultrapassar a religião, evoluir a algo superior, ele deseja aniquilá-la, deseja voltar a antes dela.

Então volto à questão: que moral, você, intelectual ateu, deseja colocar no lugar da religião?

Há muitas morais, dirá talvez o intelectual ateu, que cada um escolha a que convém. Convém então perguntar: e não podemos escolher a moral religiosa? Por que todas são permissíveis e só essa é vedada?

Mas isso ainda não chega ao fundo da questão. E o fundo da questão é que a religião e a moral, tal qual o intelectual ateu a compreende, não são a mesma coisa. O intelectual ateu pensa a moral como uma moral-filosófica. Mas a religião não é uma moral-filosófica. Ela é de um lado um pensamento filosófico-metafísico e de outro uma doutrina moral-prática.

E chegando ao fundo da questão chegamos também ao fundo do problema: a dificuldade de se substituir uma religião por uma moral não é porque haveria uma infinidade de morais possíveis, mas antes porque não há alternativa alguma. Não há uma moral-prática além da moral cristã no ocidente.

O que quero dizer com isso de moral-prática? É bem simples. A moral filosófica são essas abstrações acerca do que é o Bem e do que é o Mal. A moral-prática é a que vigora entre o povo, a moral concreta. E não há uma moral-prática ou uma moral concreta no ocidente além da moral cristã.

O intelectual ateu trocou a religião por uma moral abstrata e crê que seria possível converter todo o mundo a sua moral abstrata. Mas perdido em suas abstrações crê que todo o mundo são seus alunos ou companheiros intelectuais dispostos a gastar tempo (meses, anos) pensando sobre essas questões. Esquece, porém, que o todo mundo concreto é composto majoritariamente pela balconista Maria, pelo motorista José, pelo delegado Matias, enfim, por pessoas que bocejam se percebem dois substantivos abstratos empregados num único período.

E é por isso que todos esses ofensores contemporâneos da religião não apontam para o futuro, mas para o passado.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O PT não pára de nos surpreender. Negativamente, é claro. Numa chamada da propaganda política de Marta Suplicy pelo segundo turno da eleição da cidade de São Paulo, faz-se a pergunta: Kassab é casado? Ele tem filhos? Como em ambos os casos a resposta é “não”, cabe perguntar: meu Deus, mas que raios de perguntas são essas? A única resposta possível é a insinuação de que a sexualidade do conservador Kassab não é tão conservadora assim. E vejam bem, não estamos falando de qualquer candidato petista, mas de uma figura nacional que se tornou conhecida justamente por ser uma suposta defensora dos homossexuais. Incrível, é baixo demais! Desde o primeiro mandato concordava com Mainardi, o PT é só a pior parte do PMDB. Mas vejo que me enganei, fui por demais bondoso. O PT é a pior parte do PP, do PRB. Cruzes, como são nojentos... Seguem abaixo partes de um texto que o sempre excelente Reinaldo Azevedo trata sobre o assunto chamado O dever da resistência:

“Não! Kassab, acreditem, não está sendo pessoalmente atingido. Mas todos os gays do país estão. Marta quer lhes cassar a cidadania com uma campanha covarde e homofóbica, que nem mesmo ousa dizer seu nome. Justo ela, que iniciou a sua carreira política fazendo proselitismo entre os homossexuais. Mais uma farsa se revela — ou uma “bravata”, para usar expressão do presidente Lula: os gays serviram para dar visibilidade a Marta Suplicy. Agora, se preciso, ela os manda para a fogueira para conquistar os votos evangélicos. Foram usados e agora são jogados fora. No PT, vale tudo para se eleger. Sempre valeu.
No dia 10 de julho de 2006, o jornal O Globo registrava uma fala emblemática. Indagaram a Marco Aurélio Top Top Garcia, então presidente interino do PT, se não era constrangedor para Lula dividir o palanque com mensaleiros. Sabem o que ele respondeu? “Constrangedor é não ter voto”. É o vale-tudo.
Vão silenciar?
Imaginem se um partido considerado “de direita” pela imprensa fizesse com um petista o que a campanha do PT fez ontem com o dito “conservador” Kassab? Vocês já imaginaram a reação da imprensa e das falanges do politicamente correto? Maria Rita Kehl escreveria, claro, um artigo indignadíssimo, mostrando quão suja pode ser a direita... Mas, desta feita, o silêncio deve gritar a pusilanimidade dessa gente. Porque eles não só tem o monopólio da representação de supostas minorias, como também reivindicam o direito de discriminá-las se isso for útil à sua causa.”

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Os EUA são mesmo um país sortudo. Por exemplo, Obama. É claro que torço pro McCain. Mas fico pensando, e se Obama fosse brasileiro? Não tenho muitas dúvidas, seria filiado ao PSDB. E o pior, se me fosse perguntado assim, de supetão, preferiria Obama a Serra. O pior candidato americano é melhor que nosso melhor.

Sarah Palin, todos sabem, é um fenômeno de popularidade. Ninguém nunca tinha ouvido falar dela há alguns meses. Alguns discursos, entrevista e pronto. Fala-se mais dela que do próprio McCain. Não sem razão os eleitores democratas começaram a revirar a vida da moça. Muito bem feito, aplaudo. Sujeito é presunçoso o bastante para querer representar todo um país? Tem mais é que ter sua vida devassada mesmo. Mas aí vejo na Internet chamadas para os “terríveis segredos de Palin”. O que temos? Parece que ela defendia a construção de uma ponte inútil. Teve outro denunciando que ela aprovou uma lei má, muito má, permitindo um certo tipo de caça a lobos.

Meu Deus, os EUA é mesmo um país muito sortudo. Viram a vida da mulher de ponta cabeça e acham isso? Caracólis... Inveja.