domingo, 6 de julho de 2008

Lição que aprendi na última sexta-feira

Peguei o metrô. Logo no começo da viagem um lugar vagou e me sentei. Ao meu lado um velho de terno, carregando uma surrada pasta de couro preto, mais de 80 anos, olhar lúcido e contente. Era muito magro e tinha um bigodão grisalho. Sua figura era uma caricatura, um contador, advogado ou empresário a te tentar ético-financeiramente, sorrindo diabolicamente, balançando o bigodão, o olhar incisivo, vasculhando a tua alma, ao mesmo tempo invasivo, filho de uma puta, muito simpático e humano.

Comecei a escutar meu Tago Mago pirata e peguei O Globo que acabara de comprar (até então guardado em minha mochila). Logo na primeira página estava a notícia que o Branco processara o Fluminense, clube da qual ele é dirigente, algo assim, e ganhou 2,8 milhões, se não me engano. O já mencionado velho apontou para a notícia e fez um comentário. Fui obrigado a baixar os fones, adeus Paperhouse!, maldito velho!, maldita gentileza de minha natureza!

- He! O Branco se deu bem!
- Foi né?
- É.

Silêncio

- Este é o meu trabalho, você demora anos, mas no final o dinheiro vem.
- Mas parece que o Branco não levou. O Fluminense não pagará e vai recorrer.

O velho fez um gesto de grande satisfação com o meu comentário, abriu a pasta e começou a vasculhar os papéis. Eu sabia que a conversa iria continuar, era inútil pensar no Can agora. Puxou um papel qualquer, apontando para um número:

- Processo de 1980! Está acabando, até que enfim. O sujeito gastou um dinheiro que não era dele. E só agora está se resolvendo. (continua mexendo na pasta e puxando papéis timbrados) Veja este: 1993. Olha, este é mais recente... de 2003. Mas já se faz cinco anos. E vai demorar outros cinco, provavelmente. Este aqui é de 1999.

Eu que até então fazia apenas que sim com a cabeça resolvi fazer um comentário inocente:

- Conhece Rabelais?

Ele olhou pro vazio, tentando recordar o nome. Já tinha ouvido aquilo, donde?

- Sim, sim - disse vagamente.
- Pois então. Em 1500 e pouco ele escreveu que o sistema judiciário era lento não por defeito do sistema, mas de caso pensado. Era assim para que as partes litigantes acabassem aceitando o resultado da decisão. Tipo, se os casos fossem decididos na hora, pelo menos um dos lados não aceitaria a decisão. Se, no entanto, o resultado sai dez anos depois, então ambas as partes estão cansadas, não querem nem mais ouvir falar no caso e acabam aceitando de bom grado qualquer decisão.

Enquanto eu falava, os olhos do velho se lembraram, trata-se de um figurão da literatura. Então diz meio inseguro:

- Faz sentido. Não, mas faz sentido mesmo. – pequena pausa - Sim, esses grandes autores. São muito importantes. Molière. Tem também os grandes pensadores da humanidade, não podem ser esquecidos (não, não poderiam, é claro). Montesquieu.

Silêncio. A expressão do velho tornou-se algo triste. Parecia dizer “desculpe-me, não sabia que era do tipo que gostava de alta literatura. E eu aqui velho bobo te importunando com besteiras”. Lembrei-me do Can. Ele percebeu isso e disse:

- Pode escutar seu som, fique à vontade.

E assim prossegui minha viagem até a estação Estácio, onde peguei a linha 2. Despedimo-nos cordialmente.

E aqui fica a lição do dia: se você for perturbado por um passageiro, louco pra uma conversa casual, a todo custo tentando te impedir de escutar Paperhouse, o meio mais eficaz de acabar com a conversa é a citação de um autor. De preferência um clássico, anterior à Revolução francesa. Se você não tiver nenhuma citação relacionada com o assunto, cite qualquer coisa, por estapafúrdia que seja. Basta que cite em latim ou grego ou alemão, pronto, o problema se resolve. Se não conhecer nenhum autor clássico, invente um! Sim, será muito divertido você citar o famosíssimo Juliano Antônio em latim e ver seu companheiro de viagem com cara de “grandeJulianoAntônio,comopoderianãoconhecê-lo?”

E nem cobro nada pelos meus conselhos...

Nenhum comentário: