sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Um poquinho de polêmica barata

Então João, pronto para mais uma entrevista?
Só se for agora.

Por que você entrou e depois saiu do curso de Ciências Sociais?
Há! Quer que eu brigue com quase todos os meus amigos, né? Tudo bem, vamos lá. De um modo geral sai do curso pela mesma razão que entrei: instinto. Não sabia explicar na época, não sei se saberia explicar hoje. Mas vou tentar. Entrei porque queria fazer algo realmente importante. Sei que as pessoas que fazem engenharia computacional acham seu trabalho importante, mas não o é. Há cem anos não existiam computadores. Sempre tive, para usar uma expressão desgastada, consciência histórica. Se não existia há cem anos então não tem importância alguma. Mas aí, quando entrei no curso descobri que as ciências sociais até tinham cem anos, mas não tinham duzentos. E se não tem duzentos anos não tem importância.

Espera aí. Você está dizendo que saiu das Ciências Sociais só porque o curso não tinha duzentos anos?
É, foi o que eu disse. Mas é mentira, claro. Quando saí sentia um impulso tão forte nesta direção que qualquer resistência era irrelevante. O fato é que as ciências sociais são importantes, mas de uma maneira negativa. Ela nos ajuda a compreender a tragédia que foi o século XX. Fenômenos como o nazismo e o comunismo seriam impensáveis sem a sociologia. Foram as ciências sociais que deram os instrumentos para o estado manipular a massa, esquadrinhá-la, descobrir seus desejos mais baixos e realizá-los a preços altos. Aliás, foi ela que inventou a massa, ela potencializou o poder, ela legitima o que quiser, ela efetiva o que for ilegitimável. A neutralidade axiológica de Weber – ele que é tido como a direita da sociologia - resume muito bem este trabalho. Encontremos o meio de manipular as massas e não nos perguntemos pelos valores. Isso explica a sociologia e o século XX.

Mas também há uma sociologia liberal...
Mentira! (Bate na mesa) Calúnia! Sociologia e liberalismo são dois termos incompatíveis. A ausência de sociólogos liberais não é nenhuma coincidência inexplicável. FHC, o sociólogo, foi tachado de neo-liberal, ele que fez a relação arrecadação de impostos/PIB subir de 25% para mais de 30%. Lula não é um sociólogo, mas está cercado por eles, e por isso já estamos chegando em gloriosos 35%.

Mas por que não haveria uma sociologia liberal? Que idéia maluca é essa?
O que faz um sociólogo ou um cientista político além de oferecer estratégias aos homens políticos? A maioria segue tal profissão na esperança de virarem uma espécie de guru e iluminar o mundo político com sua força intelectual cheia de bondade e pureza. Claro, acabam invariavelmente servindo aos desejos dos políticos e se preocupando com o impacto que tal medida teria na popularidade destes e em medidas para melhorar tal impacto. Em suma, um sociólogo apenas serve ao estado e não é desejo deste ver suas forças diminuídas. Portanto não há sociologia liberal.
Quer ver? Fico pensando num recenseador entrando na casa de um cavalheiro do século XVII perguntando a renda e a escolaridade deste. Seria expulso a bengaladas. O que interessa ao governo minha raça? Minhas crenças religiosas? Minha profissão? Isto para não falar em outras pesquisas, sempre com o fomento de algum órgão público, perguntando quantas vezes o casal dá no coro por semana. É claro com estudiosos como esses o governos consegue legitimar qualquer coisa.
Mas voltemos a Weber, me empolguei agora. Ele, a direita da sociologia. Confesso não saber quase nada sobre ele, mas me lembro de sua fórmula: o estado como um monopólio do uso legítimo da força. Que idéia de jerico! O estado não detêm esse monopólio, ou pelo menos não deveria. Sua observância estrita diz que sou impedido de reagir violentamente se me sentir ameaçado, o que é absurdo. Também impede os pais de educarem seus filhos com o cajado. Poderíamos tentar consertar dizendo que o estado tem o monopólio do poder de legitimizar um uso da violência, mas isto é falso também, não tem esse monopólio não. Por um acaso o estado é um semi-deus cujas decisões sobre o uso da violência são inquestionáveis? Deve ser por isso que as pessoas escrevem estado com letra maiúscula. Veja bem, há agora um projeto de lei ou este projeto já foi aprovado, não sei e na verdade isto não tem importância alguma, estamos no Brasil meu bem,, enfim, como ia dizendo, há um projeto que proíbe um pai de educar seu filho a chineladas. Tentem imaginar uma proposta destas discutida nos séculos XVII e XVIII, época do absolutismo, e entenderão sobre o que falo. Se Luiz XIV tivesse essa idéia estúpida a Revolução Francesa teria se iniciado mais cedo. Fora do âmbito estritamente político, o governante não possui legitimidade nenhuma. É claro que Luiz XIV desejaria ampliar os seus poderes, mas não podia, não tinha esta legitimidade, ainda não tinha nascido um jumento com a brilhante idéia de lhe oferecer tal legitimidade. Weber fez isto por Hitler e Stálin. O absolutismo se caracteriza pela concentração do poder político na mão de um indivíduo, já o totalitarismo se caracteriza pela concentração de todo poder na mão de um indivíduo. O absolutismo é ruim, o totalitarismo é monstruoso e o que os separa é a sociologia.

Sua tese é ridícula. Como assim? Os governantes de antigamente viviam interferindo na vida privada das pessoas. Oscar Wilde foi preso por ser homossexual.
Bem, vejam bem a diferença. Este poder de julgar questões morais, não políticas, só aparentemente era controlado pelo estado, mas pertencia muito antes aos costumes, ao senso comum do povo e suas crenças religiosas.

E faz diferença? Faz diferença para o homossexual ser preso no governo da rainha Vitória ou no governo de Fidel Castro?
Claro. Por que os países cristãos criminalizavam o homossexualismo? Porque ele atentava contra a religião dominante. Era uma arbitrariedade, claro, mas uma arbitrariedade nascida da tradição, que queiram ou não, ajudou a construir a civilização ocidental. Já Fidel Castro o proíbe porque ele não acha legal. É claro, em ambos os casos são arbitrariedade, ambos são ruins. Mas, se tiver que escolher, prefiro a arbitrariedade da tradição, que pelo menos nos já as conhecemos. Sabe-se lá que arbitrariedades vão passar pela cabeça de um ditador.
Mas o mais importante aqui é ver que antigamente o Estado não tinha legitimidade nenhuma em questões puramente éticas, era apenas mandatário de uma outra fonte de legitimidade. E é sempre bom fragmentar o poder, devemos fragmentá-lo sempre que possível. E qual foi a experiência do século XX, a experiência das ciências sociais? A concentração do poder pelo Estado, nada mais. O estado tem o poder político, moral, e se vivermos num paiseco da América do Sul ou num regime comunista, tem o poder econômico também. Esses dias vi na televisão um sociólogo, não sei quem, falando muito espantado que havia pessoas no Brasil que se consideravam primeiros devotos de Nossa Senhora da Aparecida e só depois brasileiros. Nada mais natural, mas ele ficou espantado de ver o “povo” dividido por dois poderes. Ele não pode suportar a idéia de um poder concorrente com o Estado.
Por exemplo, um dos grandes problemas das democracias atuais, incluindo a brasileira, é: Como fazer para que ela não descambe em ditadura da maioria? Ora, deve haver cláusulas que sejam livres do poder político, livres do ondular da opinião pública. Mas como fazer isso se não há nenhuma outra instância de poder relevante além do estado? É claro, isso só pode dar em merda.

Bem,agora que você já irradiou sua luz intelectual cheia de bondade e pureza, acho que já está bom. Você já deve ter conseguido destruir suas amizades das Ciências Sociais.
Pô, que isso, não me levem a mal não, gente. É brincadeira.

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