domingo, 18 de maio de 2008

Tudo começou há algumas semanas quando Rogério e eu discutíamos sobre a possibilidade de se fazer um bom filme político. Eu defendia que não visto ser impossível dar uma parada no filme, reler passagens, voltar atrás e essas coisas que fazemos quando lemos. Assim, não há espaço para divagações teóricas, no máximo um aforismo em uma ou outra cena, ou seja, não há espaço para teoria política em filmes, mas no máximo panfletagens. Rogério discordava e citava exemplos de filmes que haviam discutindo profundamente um tema teórico, entre eles, “A chinesa” de Godard. Como nunca tinha visto nem esse nem nenhum dos filmes citados, suspendi o juízo.

O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro passou o filme “A chinesa”, sexta-feira última às 18:30, e eu o assisti. Realmente um bom filme, mas não excelente. Trata-se da história de um pequeno grupo de estudantes altamente influenciados por Mao discutindo teoria marxista e planejando ataques terroristas.

Godard então lança mão de um artifício para possibilitar uma discussão teórica mais profunda: ele simplesmente descarta uma história. Os acontecimentos do filme são basicamente o rompimento de um dos estudantes com o grupo e uma discussão entre uma das alunas com um professor também marxista. Isso possibilita o autor a se concentrar na teoria e expor as nuances do pensamento esquerdista.

Por outro lado, para evitar que o filme se tornasse uma mera filmagem de uma mesa redonda discutindo Marx e Mao, Godard utiliza alguns elementos estéticos que, ignorante que sou no assunto, não sei definir melhor do que o bom uso de cores, alguns truques com o movimento e os vários closes nos belos rostos dos atores e atrizes franceses. É interessante, há várias passagens que julgaria digna de um estudante calouro de cinema cheio de idéias esdrúxulas. De fato, o filme se parece em vários momentos com filmes amadores feito por estudantes, mas o uso de equipamentos de filmagem modernos e os belos rostos disfarçam isso muito bem e até mesmo tornam belas essas estranhas cenas.

Em verdade, é apenas a beleza de tais cenas que salva o filme. Não conheço muito bem teoria marxista, mas creio que não há nenhuma tese nova apresentada no filme. Godard não se tornou uma referência do pensamento marxista, me parece. Não sei se era essa a sua intenção. Mas se não era, então para que fazer da teoria o ponto principal do filme? É provável que a intenção fosse mera propaganda mesmo. E por isso o filme envelhece muito mal, pois a teoria marxista tem cada vez mais o aspecto de uma teoria esdrúxula e ultrapassada, possuindo mero interesse histórico. É chegada a época em que os economistas estudarão o marxismo do mesmo modo com que se estuda a economia da Idade Média.

Mas a parte teórica do filme também nos diverte um pouquinho, pois em 1967 ainda não existia o politicamente correto e a teoria marxista era forte o bastante para dar de ombros ao senso comum. Assim podemos ver estudantes discutindo possíveis atos terroristas como se fossem simples teoria, como se discutissem a validade da crítica da Bachelard à epistemologia cartesiana. Eis uma das mais perigosas heranças marxistas: discutir política como se fosse simples teoria[1]. E principalmente, a parte teórica do filme nos diverte por um motivo que o sempre excelente Thomas Sowell comenta de leve em seu último artigo publicado pelo Mídia Sem Máscara: o comunismo é uma teoria emocionalmente gratificante[2]. Creio ser impossível um filme liberal nos moldes de Godard. Quem é que se interessaria por jovens economistas discutindo sobre a relação entre inflação e aumento da taxa de juros, ainda que eles tivessem rostos bonitos? Por outro lado, sempre há algum interesse em jovens discutindo sobre luta armada e violência. Aliás, esse apelo à emoção do comunismo é a grande chave para entender o fanatismo de seus seguidores a ponto de não raramente compararmos tais com religiosos.

E por fim, há a questão dos jovens de rosto bonito. Godard parece não se incomodar de utilizá-los. Mas algum comunista poderia sugerir “que diabos de comunista é este que filma jovens universitários de belos rostos? O comunismo é a ditadura do proletariado, cadê os operários de rostos disformes neste filme?” Tudo depende do grau de raiva que o comunista tem com o universo. Alguns podem suportar certos tipos de desigualdade fundada na natureza, como a desigualdade da beleza. Outros não, e se deixarmo-los às soltas, certamente farão uma lei que dará a todos oportunidade de uma cirurgia plástica, ou algo assim. Embora seja fácil ver o ridículo do último tipo de comunista, o primeiro não difere muito e não é difícil perceber que uma sociedade complexa só pode sobreviver baseada na desigualdade e na hierarquia.



[1] Quem gosta de teoria sabe o prazer que é afrontar o senso comum com teorias esdrúxulas nascidas de axiomas por todos aceites e fazer carinha de “o que posso fazer, não sou eu, mas o logos quem diz”. Eu também tenho minhas teorias polêmicas que começo agora a narrá-las. Sou a favor da descriminalização do racismo e da proibição da comercialização de anticoncepcionais.

Sou a favor da descriminalização do racismo por um motivo muito simples: sou contrário a todos os chamados crimes de consciência; o estado não tem o direito de dizer aos seus cidadãos o que pensar, não importa se você ou mesmo a maioria da população acha determinada idéia uma simples idiotice. E mais, o sujeito não tem só o direito de ter as suas opiniões como de expressá-las e, em determinado âmbito, por em prática. Quem já não viveu a situação de numa rodinha de conversas alguém dizer algo como “não namoraria uma negra(o)” e então todos ficarem meio sem graça com a fala do indivíduo? Ela é racista dirá alguns. Não sei se o é, mas se for, paciência. Por um acaso agora obrigaremos as pessoas a se casarem com outras de determinada raça? Pior, prenderemos alguém porque seus padrões estéticos não se encaixam com o padrão politicamente correto? Mais que isso, se alguém possui uma loja e decide não contratar empregados negros ou mesmo decide não vender para clientes negros, o que nós podemos e devemos fazer além de lamentar a atitude do infeliz, torcer para que seu negócio vá à falência e participar de boicotes a tal loja? Mas se o negócio é dele, ninguém tem nada a ver com os modos com que ele o gere e não se deveria ter nenhuma legislação sobre esse ponto. Além disso, xingamentos racistas podem muito bem ser tratado como um xingamento qualquer e classificado pelo crime de calúnia, difamação ou ofensa pessoal. Por que alguém que xinga um negro de “macaco” deve ser penalizado diferentemente de um outro alguém que xinga uma mulher gorda de “baleia”? Para finalizar este ponto lembro agora o caso da Matilde Ribeiro que ocupou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial no governo Lula e que disse a frase ultra-racista “"[a] reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, […] é natural”. Fiquei espantado por ela não ter sido demitida de suas funções por tal barbaridade. Que a frase é racista não há dúvidas, mas convenhamos, quem é que acha justo que ela fosse presa só por ter dito essa bobagem? Agora imaginem se uma branca de direita dissesse que os brancos têm o direito de não quererem conviver com os negros? A mulher seria linchada em praça pública e as mesmas pessoas que criticaram o ardor popular por justiça imediata no caso Isabella seriam as primeiras a aplaudir tal execução.

Quanto a camisinha o raciocínio também é simples. Escolhemos ter menos filhos por puro egoísmo babaca, mas a realidade inegável é que deveríamos ter tantos filhos quanto fosse biologicamente possível. Para comprovar tal teoria basta pensar, por exemplo, que sua família poderia ter tido um filho a menos, ou seja, seu irmão caçula ou até mesmo você nunca teria existido. Não é um egoísmo tremendo dizer que sua vida seria melhor sem seu irmão caçula porque o naco da sua parte na herança seria maior e porque você não teria que dividir o quarto com ele? É claro, o governo não tem nenhum compromisso moral com seres humanos que ainda não existem e não sei se podemos reprovar eticamente alguém que use camisinha. Mas, parece-me, a reprovação metafísica é inevitável. E se o governo tem algum compromisso metafísico, como quer qualquer um que tenha a mais leve preocupação ecológica, esta deveria ser a primeira medida de caráter metafísico.

Mas apesar de estar sinceramente convencido de ambas as teorias, jamais faria uma revolução ou mataria alguém para implantá-las.

[2] Cito o homem quase na íntegra (quem quiser mais artigos do sujeito procure no www.midiasemmascara.com.br):
Algumas pessoas pensam que a razão de o público não entender tantos assuntos é porque esses assuntos são excessivamente complexos para muitos eleitores. Mas, será isso verdade?
Será que há uma explicação terrivelmente complexa para toda a comoção dos políticos e da mídia a respeito dos altos preços da gasolina?
Será que há algo complexo a respeito do fato de que dois países – Índia e China – experimentando altas taxas de crescimento econômico e com a população somada de 8 vezes a dos EUA estejam criando uma demanda crescente sobre as reservas mundiais de petróleo?
O problema não é que o mecanismo da oferta e procura seja uma explicação complexa. O problema é que o mecanismo da oferta e procura não é uma explicação emocionalmente gratificante. Para isso, você precisa de melodrama, heróis e vilões.
É claro que muitos preferem culpar o presidente Bush. Outros preferem culpar as companhias petrolíferas, que há muito tempo têm sido os vilões da esquerda.
[...]
O que dizer desses lucros “obscenos” das companhias petrolíferas sobre os quais ouvimos tão freqüentemente?
Um economista perguntaria: “Obsceno comparado com o quê?”. Comparado com os investimentos feitos? Comparado com os novos investimentos necessários para encontrar, extrair e processar novas reservas?”
Fazer tais perguntas é uma das muitas razões pelas quais os economistas nunca foram muito populares. Eles frustram o desejo das pessoas por explicações emocionalmente gratificantes.
Se a “ganância” corporativa é uma explicação para os altos preços da gasolina, por que os impostos governamentais não são um sinal de uma “ganância” ainda maior por parte dos políticos – uma vez que impostos afetam mais os preços da gasolina que os lucros das companhias petrolíferas?
Qualquer que seja o mérito ou demérito da proposta do senador John McCain de suspender temporariamente os impostos federais sobre a gasolina, ela certamente faria o preço baixar mais do que se confiscássemos todo o lucro das companhias petrolíferas.
Mas isso não seria emocionalmente gratificante.
O senador Barack Obama entende claramente as necessidades emocionais das pessoas e como saciá-las. Ele deseja elevar os impostos sobre as companhias petrolíferas.
Como isso nos dará mais petróleo ou menor preço da gasolina é um problema que pode ser deixado para os economistas discutirem. O problema de um político é como ganhar mais votos – e uma das formas mais efetivas de fazer isso é ser um herói que nos salvará dos vilões.
Você já ouviu falar sobre a cavalaria salvando o mocinho. Mas você nunca ouviu contar sobre economistas salvando alguém.
Enquanto os economistas falam sobre oferta e procura, os políticos falam sobre compaixão, “mudança” e em estar do lado dos anjos – e contra perfurarmos nosso próprio poço de petróleo.
Vocês já viram os economistas merecerem o tipo ovação popular que Barack Obama tem tido – ou mesmo a que Hillary Clinton e John McCain têm tido?
Se você quer ovação popular, não se preocupe em estudar economia. Isso só lhe atrapalhará. Diga às pessoas o que elas desejam ouvir – e elas não querem ouvir nada a respeito de oferta e procura.
Não, o mecanismo da oferta e procura não é excessivamente “complexo”. Ele só não é emocionalmente gratificante.

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