domingo, 30 de setembro de 2007

“O que seria um quarto para nós, Nathanael? Um abrigo numa paisagem.”

Tenho lido livros estranhos e perigosos de viajantes vagabundos e me enamorado mais e mais da idéia.

Num outro livro, em certo momento, o personagem principal se emprega como marujo. Fico pensando se isso é possível hoje. As vezes tenho a impressão de que nos especializamos tanto que até para conseguir um emprego de carregar e descarregar caminhões é preciso experiência.

O problema do trabalho é o tempo. Não é tão ruim descarregar e carregar caminhões. Mas deve ser muito ruim acordar e ter a consciência que se perderá todo um dia carregando e descarregando caminhões.

O problema é que sou um retardado prático, incapaz de instalar um dvd numa tv.

“A delibitação e degeneração da raça humana ele atribui à sua progressiva predileção por interiores e ao interesse decrescente pela arte de sair e ficar fora”.

Desde os catorze anos mudo de vida a cada dois anos. Deveria também mudar meu nome nessas ocasiões.

Um animal selvagem passa toda sua existência sem um nome e não sente falta alguma disso.

Seria legal viajar a pé da Turquia até o Japão, ainda que a viagem terminasse num banho de rio em algum país do Sudeste Asiático.

Por agora é como viajar. Tem seu certo charme, mas falta quanto mesmo para chegar?

Fazer da viagem um passeio, dizia meu padrinho. Será?

Cansei-me da acadêmia. Um trabalho penoso e inútil. Chegou a hora de mudar. Mas quanto mais velho se fica mais difícil mudar.

As pessoas querem empregos fixos. Eu sempre tive medo deles. Dez anos num mesmo emprego, para mim, são dez anos jogados fora. A academia me atraía pois era possível mudar. Dois anos com Leibniz, dois anos com Aristóteles, dois com Kant, dois com Frege, dois com São Tomás. Mas no fundo é o mesmo trabalho difícil e inútil.

Bom mesmo é ser fazendeiro. Meu lado prático planeja o seguinte: trabalhar, juntar dinheiro, construir uma fazenda e então mandar o mundo se fuder. Serei igual aqueles velhos americanos sentados numa cadeira de balanço à porta de suas chácaras ostentando uma velha espingarda de madeira e atirando em todo mundo que desrespeitar minha plaquinha “Keep out of my property, punk”.

Peraí, mas não era para ser o oposto? Sim, era. Agora não sei mais.

Árvores passando, vacas pastando, mulheres e filhos andando à beira da estrada. Quando e onde pararemos para o lanche?

Que fazer além de ler livros, escutar músicas, apreciar paisagem?

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Mulher, teu rosto me destruiu

Nunca me esquecerei do que me ocorreu nesta terça-feira última. Se tenho deixado de escrever aqui é por passar meu tempo meditando sobre o fato e não porque meu computador enguiçou.

Era pouco mais de meio-dia, e estava atrasado meia hora para minha aula. Troco a linha 1 pela linha 2 do metrô carioca. Já não havia lugar para sentar, mas o metrô estava longe de estar lotado. Fiquei de pé, encostado numa parede do metrô. À minha frente havia uma fileira de quatro cadeiras e nelas quatro pessoas sentadas cujos rostos podia ver perfeitamente. Numa dessas cadeiras, a mais próxima de mim, estava sentada uma mulher de cerca de trinta e cinco anos, corpo bonito, vestindo um jeans escuro e uma camiseta rosa. Ela estava cabisbaixa, mas ainda assim pude perceber que seu rosto era deformado, como que amassado, talvez um acidente - uma pena, pois me parecia que ela seria uma bela mulher se não fosse por isto. Desviei o olhar.

Alguns segundos depois, porém, meu olhar foi novamente atraído na direção daquela mulher, porém, surpresa! ela estava agora de cabeça erguida e olhando diretamente para mim. Creio – e desejo do fundo da minha alma que minha crença seja verdadeira – que meu rosto não exibiu nenhuma reação além da dilatação das minhas pupilas – sim pois pude sentir minhas pupilas dilatando bruscamente. Por um segundo não senti nada além de medo. Os politicamente corretos que me perdoem, mas é preciso que se diga com todas as letras: aquele rosto era monstruoso. Não me deteterei aqui na impossível tarefa de descrevê-lo; posso, se muito, traçar paralelos: seu rosto - que era tão amassado que apenas um olho me fitava, enquanto o outro, que ficava mais ou menos na altura entre a boca e o nariz, via os flancos - lembrou-me Picasso. Mas agora, procurando rapidamente por seus quadros no google, não encontro nada que se assemelhe. A única deformação que conheço e parece-me proporcional –embora de natureza diversa - é a do Homem-Elefante. Vê-la no entanto a cores, na minha frente e saber ser algo real...

Tudo isto demorou um segundo, talvez dois. A intensidade do medo que senti, no entanto, fez daquilo um experiência mística. E como toda experiência deste tipo é inútil tentar descrevê-la, mas que você me perdõe. O que há de tão desesperador nesse rosto é que ele tira a humanidade da pessoa. Aquilo pareceu-me o pior destino que conheci, ela a mais desgraçada das almas. Uma maldição, um suplício extremo e intolerável que se faz real a cada segundo – ter um rosto tão medonho que não só causa asco, mas pavor. E ela andava toda pimpona no metrô, cabeça erguida. Não pude deixar de admirá-la. Há heroísmo nisso. Foi como ver um santo agindo, Jó rezando e chorando, uma criança sendo torturada sem soltar um ai, impávida. Ela pareceu-me exibir mais força que um ser humano pode ter.

E ela não fazia nada além de respirar.

sábado, 22 de setembro de 2007

Uuuh! Como fui radicalzinho aí em baixo, hein? Deixem-me corrigir. O que quis dizer é que um governo tão corrupto e com tantos escândalos torna as notícias um tanto entediantes. O noticiário fica tomado por pessoas vulgares. Temas importantes como a criação de uma tv pública tornam-se secundários ante a absolvição de Renan. O resultado é que não há nada de interessante que um ser humano possa achar num jornal brasileiro. Tudo tediosamente previsto e escandaloso. O melhor comentário de tudo isto foi de Mainardi, esses dias. Por quatro anos o povo decidiu que será assim: o governo paga o mensalinho (aka bolsa-família) regularmente e está livre para fazer o que quiser. E assim o PT ajuda a destruir a incipiente democracia brasileira.
Meu computador quebrou, o que explica minha ausência. Não sei quando o consertarei, logo não sei quando voltarei a postar aqui com frequência. Quem me conhece mais de perto sabe que sou viciado em computador. Fico na frente dessa máquina umas seis horas por dias, no mínimo, em geral lendo notícias e blogs e ouvindo música. Pois bem, há mais de uma semana não faço isso e não sinto falta. É uma benção, estou encarando esta situação como uma desintoxicação. Não há nada mais enganoso que essa sede por novidades, este hábito de ler os jornais diariamente. É sempre o mesmo, de novo e mais uma vez. Quem leu jornal por um ano já leu pela vida inteira, assim como quem viu uma novela da globo já viu todas. A realidade - e em especial a realidade política - é construída toda em cima de clichês, essas personlidades vulgares, esses Renans e esses Lulas. Não se interessar pelas notícias é o maior ato de rebeldia que um cidadão poderia realizar.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Ah, o Velho Oeste! Aquilo sim era civilização. Ninguém ousava ir à mercearia da esquina sem um revólver no coldre. Andar armado era um ato patriótico, uma mostra de coragem e de presteza. “Se depender de mim o mal não prevalecerá sem luta”; era o que todos pareciam dizer. Há nessa desconfiança absoluta muita bondade.

Daqui a pouco partirei para UERJ, tomarei um ônibus cheio e dividirei um banco com alguém completamente desconhecido. Estarei desarmado. Há nessa confiança absoluta uma excessiva preguiça e covardia. “Estou sempre pronto para gritar femininamente Polícia! Polícia!” é o que pareço dizer. Como se ser corajoso e bom fosse um trabalho a ser remunerado e não uma simples obrigação moral.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Por que não ler Chomski? Por que ler Burke?

“Esta guerra era inteiramente desnecessária, conforme o testemunho de muitos dos que estão do seu lado. E o mais destacado entre vocês que lhes fala sobre este assunto e sobre a manipulação da opinião pública é Noam Chomsky, que deu conselhos sensatos antes da guerra, mas o líder do Texas não gosta daqueles que dão conselho. O mundo inteiro, de forma inédita, advertiu contra a guerra e descreveu a sua real natureza em temos eloqüentes: 'Não ao derramamento do sangue vermelho pelo óleo negro.”

Osama Bin Laden

“O sicofanta – que a soldo da oligarquia inglesa representou o romântico laudator temporis acti contra a Revolução Francesa assim como, a soldo dos colonos norte-americanos no começo dos problemas americanos, representara o liberal contra a oligarquia inglesa – era uma burguês completamente vulgar”

Karl Marx sobre Burke

domingo, 9 de setembro de 2007

É engraçado como os esquerdistas costumam ser consumistas. Conheci uma garota comunista que certa vez fez a seguinte ressalva: só acreditava num comunismo com Shopping Center.

Ah, e esses diretores e atores americanos esquerdinhas e bacanas? Queriam que os EUA saíssem o mais rápido possível do Vietnã, querem que saiam agora do Iraque. Vêem a si mesmos como pessoas polêmicas e corajosas, crítico dos Estados Unidos, amigos dos povos oprimidos. Depois de 1973, quando os Estados unidos deixaram o Vietnã, até 1978, quando as forças vietnamitas invadiram o Camboja, passando pela tomada de Saigon em 1975, calcula-se que morreram o triplo de pessoas que do período de invasão americana (1965-1973). Mas, vejam só, nenhum desses mortos eram americanos. Então, who cares? Nunca vi um único filme sobre tais episódios.

sábado, 8 de setembro de 2007

Como já dizia o Sly:

“Feel so good inside myself, don't wanna move
Ah, feel so good inside myself, don't need to move”

Vários tentaram provar a existência de Deus pela existência do universo, quando a existência do universo é justamente a prova da inexistência de Deus. Um Deus perfeito é feliz e portanto não precisa de ação ou de obras. Se Deus construiu o mundo então não era feliz e logo não era perfeito.
Nenhuma obra vale o trabalho. Deixo tudo como está. Sou o rei da preguiça. E me sinto bem. Agora me deixem dormir

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

UERJ

- Eu também tentei fazer mestrado na UERJ, ano retrasado, mas quando entrei naquele prédio, para fazer a prova, senti-me mal. Ele é gigante e não se vê uma única planta em parte alguma, apenas concreto nu, sem tinta. Seus corredores escuros, estreitos, infindáveis, segmentados por portões azuis-escuros e velhos, seu chão cinza-escuro, liso e sujo, suas rampas e escadas construídas do modo mais funcional e regular possível, suas paredes com quase um metro de grossura, as portas das salas - às vezes protegidas com grades – têm aquelas janelas que permitem vigiar pelo lado de fora... Aquilo me pareceu uma prisão.
- É a primeira impressão de todo mundo que conheço. Eu mesmo pensei isso quando entrei. Mas depois se acostuma.
- Mas é triste. É triste se acostumar com uma coisa dessas.
A escola atrapalha os estudos. Ao menos a escola na frente da minha casa. Todo fim de semana é a mesma coisa: músicas baianas tocadas no último volume. Não consigo estudar.

Duas questões flutuam em minha mente:
1) Com que autoridade a escola ensinará que não se deve incomodar os outros?
2) Que tipo de educação é esta que estimula seus alunos a ouvirem música de baixa qualidade? Em pensar que na Grécia Antiga os garotos eram educados ouvindo Homero! Homero! E tem uns bocós que acreditam sinceramente no progresso humano. Não seria preferível que estes garotos estivessem na rua, vadiando, flertando com o mundo das drogas e do crime, ao invés de serem deseducados esteticamente de maneira tão grotesca?

sábado, 1 de setembro de 2007

Era 31 de agosto e já fazia um dia que estava sem Internet em casa. Ainda não sabia, mas estava saindo de uma semana depressiva. As forças estavam voltando ao meu corpo melancólico e, sozinho em casa, falava em voz alta que desejava largar o mestrado, tornar-me um marinheiro, içar velas, ficar a mercê de ventos. Meu corpo pedia música, e sem consultar minha cabeça que lia então alguma coisa de Nimzowitch, colocou “My aim is true”. A perspectiva de uma noite entediante surgia em todo seu fulgor. Estava no banheiro, fazendo caras assustadoras e engraçadas no espelho quando a idéia surgiu: “e se eu cortasse meus cabelos?”. Amiguinhos, não ficou ruim. Quer dizer, a frente não ficou ruim, atrás não faço idéia. Estou um pouco com cara de louco que acaba de fugir do manicômio, mas sempre tive essa cara mesmo. Saí para rua a testar as reações das pessoas e passei completamente despercebido. Fui num cinema perto de casa ver um filme argentino ruim e olhava fixamente para a moça da bilheteria tentando descobrir uma careta ou um riso contido, mas ela estava preocupada demais em trocar minha nota de dez para perceber algo estranho.

Minha rua

Chama-se Pedro Américo. Trata-se de uma via de mão-única estreita, continuação de uma via mais larga, sempre movimentada, parte integrante e inevitável de um dos dois únicos caminhos que ligam o centro à Zona Sul carioca. Às seis da tarde está sempre congestionada. No seu primeiro cruzamento há um sinal que obriga os automóveis a pararem e acelerarem em períodos sincronizados. Prédios residenciais altos, feios, cinzas e beges a cercam do lado direito de quem sobe a rua, e do lado esquerdo há construções antigas, coloridas, com a tinta sempre descascando, ocupadas por comerciantes e entremeadas por outros prédios residenciais, altos, feios, marrons-cor-de-tijolo e brancos – entre os quais inclui o que habito. A poluição dos carros impregna as paredes de alvenaria das construções dando um ar sujo ao ambiente. Os mais variados comércios florescem na região, infelizmente nenhum do tipo que torne uma rua bonita: marcenarias, botecos, igrejas evangélicas, delegacia, concessionária de motos, oficinas, estacionamento, revendedora de bebidas, lojas com material de construção. Há do lado direito da rua uma grande escada que leva em direção a favela de Santo Amaro e está sempre movimentada. Quase sempre há dois jovens sentados nas calçadas de frente a escada, fazendo sinais para alguém lá em cima. Tudo isso há menos de 50 metros da delegacia. Certa vez vi um menino fumar craque por ali. Não era essa droga que causa uma paranóia monstro? As calçadas são estreitas, com postes e fezes (que espero sinceramente serem caninas) por toda parte, e há uma fileira interminável de carros estacionados do lado esquerdo, o que obriga todo grupo a andar em fila indiana, conversando com os pescoços virados para trás. Quase sempre se pode ver velhos e negros subindo e descendo a rua, assim como jovens da classe média sempre carregando sacolas plásticas nas mãos. Todos os dias de madruga, os lixeiros passam com seus caminhões barulhentos levando lixo e garis fazem a limpeza.