Nunca me esquecerei do que me ocorreu nesta terça-feira última. Se tenho deixado de escrever aqui é por passar meu tempo meditando sobre o fato e não porque meu computador enguiçou.
Era pouco mais de meio-dia, e estava atrasado meia hora para minha aula. Troco a linha 1 pela linha 2 do metrô carioca. Já não havia lugar para sentar, mas o metrô estava longe de estar lotado. Fiquei de pé, encostado numa parede do metrô. À minha frente havia uma fileira de quatro cadeiras e nelas quatro pessoas sentadas cujos rostos podia ver perfeitamente. Numa dessas cadeiras, a mais próxima de mim, estava sentada uma mulher de cerca de trinta e cinco anos, corpo bonito, vestindo um jeans escuro e uma camiseta rosa. Ela estava cabisbaixa, mas ainda assim pude perceber que seu rosto era deformado, como que amassado, talvez um acidente - uma pena, pois me parecia que ela seria uma bela mulher se não fosse por isto. Desviei o olhar.
Alguns segundos depois, porém, meu olhar foi novamente atraído na direção daquela mulher, porém, surpresa! ela estava agora de cabeça erguida e olhando diretamente para mim. Creio – e desejo do fundo da minha alma que minha crença seja verdadeira – que meu rosto não exibiu nenhuma reação além da dilatação das minhas pupilas – sim pois pude sentir minhas pupilas dilatando bruscamente. Por um segundo não senti nada além de medo. Os politicamente corretos que me perdoem, mas é preciso que se diga com todas as letras: aquele rosto era monstruoso. Não me deteterei aqui na impossível tarefa de descrevê-lo; posso, se muito, traçar paralelos: seu rosto - que era tão amassado que apenas um olho me fitava, enquanto o outro, que ficava mais ou menos na altura entre a boca e o nariz, via os flancos - lembrou-me Picasso. Mas agora, procurando rapidamente por seus quadros no google, não encontro nada que se assemelhe. A única deformação que conheço e parece-me proporcional –embora de natureza diversa - é a do Homem-Elefante. Vê-la no entanto a cores, na minha frente e saber ser algo real...
Tudo isto demorou um segundo, talvez dois. A intensidade do medo que senti, no entanto, fez daquilo um experiência mística. E como toda experiência deste tipo é inútil tentar descrevê-la, mas que você me perdõe. O que há de tão desesperador nesse rosto é que ele tira a humanidade da pessoa. Aquilo pareceu-me o pior destino que conheci, ela a mais desgraçada das almas. Uma maldição, um suplício extremo e intolerável que se faz real a cada segundo – ter um rosto tão medonho que não só causa asco, mas pavor. E ela andava toda pimpona no metrô, cabeça erguida. Não pude deixar de admirá-la. Há heroísmo nisso. Foi como ver um santo agindo, Jó rezando e chorando, uma criança sendo torturada sem soltar um ai, impávida. Ela pareceu-me exibir mais força que um ser humano pode ter.
E ela não fazia nada além de respirar.
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