terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Desejo e reparação (2007) – 8.8

Confissão 1: Nunca li Jane Austen

Confissão 2: Nunca li Ian McEwan

Tese sem fundamento algum 1: Joe Wright é talvez o melhor diretor para adaptação de livros ao cinema da atualidade. Ele tem conhecimento da linguagem cinematográfica, das limitações e das forças destas. Ele dispensa narração. Narração é para livros, exercício solitário onde deixamos rolar frases e idéias em nossos cérebros, de um lado para o outro, sem preocupação alguma, apenas curtindo alguns momentos de pura introspecção e apreciação estética. Não tem nada a ver com cinema, espetáculo coletivo, com um ritmo que se impõe e não aceita negociação. Quase todas as adaptações não conseguem abandonar o livro. Joe Wright faz isto com facilidade. E por isso é tão bom. Tal tese se demonstra absurda pelas confissões 1 e 2.

Tese sem fundamento algum 2: Joe Wright é a mente cinematográfica de Jane Austen. Seu cinema é leve, sereno, divertido, cavalheiresco, inglês e verdadeiramente feliz. Seus personagens são todos amigáveis e charmosos. Mesmo a plebe, mesmo aquela enfermeira lá, amiga de Brionny Talles que aparece já no fim do filme, que confessa ser sem mistério, e o é mesmo, todos parecem pessoas legais, companhias ideais para um fim de semana num sítio. Isso é muito bom, seus filmes são tão agradáveis por isso, acho. Tal tese é absurda pela confissão 1.

Tese sem fundamento algum 3: Ian McEwan é um grande criador de histórias e imagens poderosas. Brionny Tallis, por exemplo: culpada por sua inocência. Garota introspectiva de 13 anos de idade, não entende o que acontece a seu redor, toda a animalidade da sensualidade, e não entende o que acontece em seu interior também, não conhece sua própria sensualidade e animalidade. E sem entender nada, sem base alguma, ela deve julgar e julga mal. E não há desculpas para ela. Ela é como Édipo, o fato de ser inocente não a torna menos culpada. (Agora vou falar um pouquinho do final do filme nessa tese, talvez fosse melhor você pular de tese, seu desavisado que ainda quer ver o filme) No fim do filme, ela está lá, já velha, prestes a morrer, e ainda deve pagar contas pelo que fez. Seus atos são irreversíveis, ela deseja reparar, ela tenta reparar, mas sua reparação, ainda que comovedora, é risível e absolutamente inútil. Esta tesa é absurda pela confissão 2.

Tese sem fundamento algum 4: É impossível não gostar desse filme. Trata-se de um grande cineasta filmando uma grande história. Esta tese se funda nas teses sem fundamento 2 e 3.

Tese sem fundamento algum 5: Joe Wright se dá melhor com Jane Austen que com Ian McEwan. Demonstração: A descrição exposta na tese sem fundamento algum 2 é incompatível com alguém cujo apelido é Ian Macabro. Demonstração 2 (aqui falo um tanto do fim do filme, então, novamente, pule de tese): Já no fim do filme, quando Brionny pede perdão a Robbie, este, depois de xingá-la e quase avançar nela, dá uma lista de tarefas para ela fazer. Ela aceita e começa a dizer, num ritmo poético, algo com “Eu sinto muito. Eu me arrependo do que fiz. Eu sinto tanto, tanto, tanto”. Ele a interrompa “apenas faça o que pedi, diga o que pedi, sem floreios, sem rimas”. É bem provável que o livro de McEwan seja assim também, sem floreios, sem rimas, é o estilo que melhor combina com a história. Trata-se aqui de como, no fundo, o plano da intenção é irrelevante, o que importa são os fatos. Mas o cinema de Wright é incompatível com tal descrição. Há floreios, há rimas por toda parte. O que é melhor? Não sei. Mas o estilo acaba por enfraquecer um pouco a história. É como se o Animal Collective fizesse uma cover de Joy Division. Gosto muito de ambos, iria dar algo interessante, mas, é claro, imperfeito, remendado em alguma medida. Esta tese é absurda pelas confissões 1 e 2.

Observação irrelevante 1: Por que acrescentaram o “Desejo” na tradução? Suspeito apenas para “avisar” o leitor que se trata do mesmo diretor de “Orgulho e preconceito”.

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