Estava dentro do ônibus quando entrou alguém. Era grande, vestindo minissaia e blusa top. Pernas bonitas e depiladas, barriga lisa, corpo violão. Era, porém, grande demais, sua constituição forte demais. A primeira impressão que ela dava era que te arrebentaria numa porrada. Antes mesmo de ver seu rosto percebi que era um travesti. Ao vê-lo a suspeita se confirmou, sua face era quadrada demais, e o pior, era alguém naturalmente barbado, que por mais que se esforçasse, não conseguiria disfarçar a pele áspera.
É triste. É difícil. Provavelmente ele tem um ideal feminino para si mesmo e tentou realizá-lo. É complicado, pois não devemos simplesmente abolir o ideal. O ideal é a vantagem e o problema do ser humano. Graças ao Ideal construímos a liberdade, a misericórdia para os fracos, a tolerância com o diferente, o sentimento religioso, a civilização, o comportamento ético, a arte e o sexo tântrico. No entanto, graças ao ideal também, criamos o nazismo, o comunismo, o suicídio e os travestis.
Tive vontade de ir lá falar com ele. O que dizer a um travesti? “Parabéns, cara. Você tentou o melhor que pode. Está realmente fantástico. Mas você não conseguiu. Na verdade, está longe de conseguir. Olhe esta menina, por exemplo. Não é bela e nem se esforça, e no entanto, ela conseguiu. Conseguiu porque é, está na natureza dela conseguir. Não está na sua.”
No entanto, é tão difícil. Do lado de fora é fácil. Apontamos para eles e dizemos: “vocês não conseguiram. Se conformem. Tentem outra coisa. Este ideal não é para vocês. Sejam o que vocês são, busque um ideal que está a sua altura”. Do lado de dentro, porém...tão difícil saber qual ideal está a sua altura, qual excelência pode te pertencer.
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