- Ó sim, senhor sabe-tudo, senhor como-é-simples-a-reposta-de-1+1, Ó sim, é dois, ué... Seu hipócrita! Seu opressor! Querendo sufocar nossa liberdade nossa criatividade com verdades inventadas para calar a boca do povo humilde, trabalhador, desse povo que trabalha tanto que não tem tempo de pensar por si próprio e então vem vocês com essas respostas prontas “ué, é dois”. Ora meu senhor...
- Sim, meus senhores, -interrompeu um outro, ainda mais veemente - mas este aí não é nosso único opressor. Infelizmente vários de nossos professores têm essa mesma mentalidade mesquinha, tacanha, cruel. Meu filho tem a infelicidade de ser aluno de uma professora da estirpe desse aí... Respondeu que 1+1 era onze numa prova e recebeu um zero. Meus senhores, quando é que aprenderemos a ouvir o próximo, a sermos mais tolerantes, a enxergamos um mundo mais colorido e feliz, e não apenas o certo e o errado, o preto e o branco. Sim, pois...
- È importante lembrarmos aqui – retomou o primeiro - de nosso povos ancestrais que não conheciam a matemática nem nada. Para eles, desapegados do material, pouco se davam quanto era um mais um. A matemática é o instrumento capitalista para regulamentar e ordenar os povos.
- Quando vejo o senhor falando – retomou o segundo se aproveitando de um breve respirar do primeiro – “ué, dois” com toda a sua empáfia, sou penetrado por ódio, sim, por ódio, pois olho para o senhor e lembro-me de toda a opressão que nosso povo sofreu na mão de pessoas como você. A questão de quanto é 1+1 é bastante complexa, bastante perigosa, ainda vou para casa estudar os laudos, mas não posso aceitar que dois seja a resposta. Dois é o continuísmo com tudo o que está aí, nos governando há quinhentos anos. Eu proponho que votemos esta questão e que a resposta do meu brilhante, porém censurado filho seja aceita. Onze é a voz das crianças, onze é a voz do futuro, onze é um mundo novo que se nos descortina, onze é a alegria de descobrir e encarar o novo. Enfim, o onze é tudo de bom.
A questão foi à votação, discursaram alguns defensores do dois, outros do onze. Conversas das lideranças dos partidos nos bastidores foram armadas e chegou-se a um consenso que seis virgula cinco era uma resposta melhor, que atenderia as duas posições. A questão foi então a julgamento e a maioria decidiu que era mais acertado mesmo o seis e meio, que não era necessário todo esse radicalismo. Houve alguns que se manteve firmes no dois, mas foram tratados por todos, daí em diante, com absoluto desdém, como políticos muito ruins, cabeças-duras intratáveis.
Imaginem um grupo de crianças, todas encapotadas, subindo despreocupadamente uma montanha coberta de neve e puxando um trenó. Elas atingem a altura desejada e deixam-se levar, felizes, pelo trenó. Enquanto descem, não há o que fazer, é impossível parar o trenó. É necessário que desçam. Mas a questão é que elas não querem parar o trenó, elas querem a necessidade. Elas sobem despreocupadas, certas da necessidade da recompensa de seus esforços e descem felizes por suas vontades estarem de acordo com as regras que regem o mundo.