quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Quando estive em Curitiba, hospedei-me num hotel que oferecia TV a cabo. Assisti então uma entrevista de um escritor estrangeiro, feita por um jornalista brasileiro; não me lembro em que canal, não me lembro quem era o escritor. Lembro-me apenas que era alguém tachado como “o maior inimigo da juventude”, falava em inglês e já tinha os cabelos brancos. E lembro-me também de sua fala final, não ipsi literis, claro e infelizmente, que não sou maluco. Ele disse que via muitas pessoas de sua idade falando que haviam tido vidas ruins e vazias, que o mundo continuava tão ruim quanto antes. E isto, dizia “o maior inimigo da juventude”, era muito triste. Estas pessoas não haviam compreendido como era bom participar da existência, não haviam compreendido o papel de suas vidas, não haviam compreendido nada.. Isso é triste, pois eram vidas jogadas fora, por um erro de interpretação. A maioria desses velhos pessimistas possuía uma ideologia que não hesitaria em colocá-lo, ele, um homem de direita, numa fogueira; e ainda assim “o maior inimigo da juventude” não conseguia vê-los com raiva, mas apenas com pena. Aquilo ficou na minha cabeça, pois ele está certo, evidentemente. Desde que deixei de ter uma visão esquerdista da realidade, sinto-me uma pessoa melhor e, acho, compreendo melhor a realidade. Tenho meus momentos pessimistas, tristes, eles são normais, eu sei, mas já não acho que eles são a essência da existência humana na Terra, que nossa condição é a da náusea e essas besteiradas todas.

Recentemente Millôr disse uma frase, acho que era assim: “Cada vez mais tenho a impressão de que vivo num mundo onde ser feliz é considerado reacionário”. Na chamada época helênica, as escolas filosóficas disputavam qual filosofia proporcionava aos seus adeptos a maior felicidade. Proporcionar a felicidade sempre foi visto como algo bom, muitas vezes como o único objetivo a ser alcançado. A esquerda, no entanto, inventou uma filosofia que quer se destacar pela tristeza que ela proporciona. Não me lembro mais quem disse que o marxismo captura as pessoas não por sua verdade, mas pelo seu caráter demoníaco e pessimista. Depois do marxismo surgiram várias doutrinas, quase sempre esquerdistas, que possuem o mesmo apelo.

Um esquerdista não pode ser feliz. Um esquerdista é, por essência, um revolucionário. Ele vê nossa situação e o tanto que ela se distancia do ideal, e começa a ter ânsia de mudar tudo. Esta vontade é de fato linda, comovente e tem algo de sagrado. Um comunista é tão revoltado que se dependesse dele não haveria religião, carnaval, novelas, futebol ou qualquer outra coisa que distraísse o povo da revolução. É como se ele dissesse: ninguém tem o direito de ser feliz antes do comunismo, antes do meu ideal. O esquerdista parece não ter capacidade de ver as conquistas da humanidade, e mais importante ainda, parece não ter uma boa capacidade de auto-análise. Ele parece não ser capaz de ver a matéria com que somos feitos. Se ele se conhecesse um pouquinho diria “ei, até que o mundo não está tão mal assim não”. Se ele se conhecesse de verdade diria “apenas um milagre, ou melhor, apenas vários milagres explicam um mundo tão bom”.

A foto mais chocante que já vi está publicada no Livro Negro do Comunismo. Não tinha mais que 5x5 centímetros, era preta e branca e quase não dava para ver nenhum detalhe. Uma legenda ajuda a entendê-la: trata-se de um tenente ou capitão polonês, suspenso de ponta-cabeça, um de seus pés amarrados num galho alto e forte de uma árvore, nu, capado e com um cabo de vassoura enfiado no ânus. E, no entanto, a verdadeira causa da atmosfera demoníaca dessa foto é a turba de revolucionários russos que cerca o pobre polonês. A foto era pequena, mas conclui-se que provavelmente havia uma centena ou mais de homens no local do crime, alguns deles gargalhando. É claro, não se trata de uma coincidência ou de uma providência satânica em que cem psicopatas se encontram por acaso. Esses cem eram pessoas comuns. Esses cem eram aqueles que se julgavam melhor que o mundo e digno de transformá-lo.

O direitista é antes de tudo um anti-revolucionário, ele vê todas as conquistas e pensa “Caramba! Como foi que meus antepassados conseguiram?”. Não raro fica tão embasbacado com estas conquistas que precisa de uns tabefes de esquerdistas iluministas para perceber que há ainda muito a ser feito. Um direitista não quer mudar o mundo. Quer, ao contrário, estar à altura dele, quer mudar a si mesmo, quer fazer parte do que há de melhor. Eles estão atentos às conquistas da humanidade e podem perceber o quanto seria fácil perdê-las. Eles estão sempre com um pé atrás, sempre coçando a cabeça, sempre se dizendo “é, pode até ser que melhore, mas já está tão bom, para que arriscar?” Mais que isso, eles estão sempre a nos perguntar “Como pessoas que capam e empalam outras pessoas, pelo simples prazer de humilhar seus inimigos, podem querer falar de justiça, de igualdade, de liberdade?”.

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