quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Uma maneira antiga de desacreditar uma teoria rival é tacar-lhe um apelido degradante, com o qual ninguém quer se ver ligado. Na nossa era o apelido preferido é “pequeno-burguês”. Todo mundo se lembra então do dono da mercearia e fica com vergonha de se parecer com ele em qualquer aspecto que seja. Fala-se em crenças pequeno-burguesas, instituições pequeno-burguesas, como se o Zezinho da mercearia, aquele mesmo que quebra quando um novo concorrente qualquer abre na rua de cima, tivesse o poder de criar instituições e crenças. Por exemplo, fala-se da família como instituição pequeno-burguesa, como se tal fosse uma invenção surgida em Connecticut no começo do século XX. A verdade é que a dissolução da família é um evento pequeno-burguês e não por acaso o Zezinho está se separando, não é mesmo? Nada mais natural para um pequeno-burguês o estado de solteiro, onde não há nenhuma obrigação ou responsabilidade, onde se pode desfrutar, livre, leve e solto, o mercado da paquera. No matrimônio o outro é encarado como um ser humano a quem estamos ligados por laços indissolúveis e sagrados. Desrespeitar tais laços é degradar não só o seu cônjuge, mas também a si mesmo. Já na solteirice o outro é só um objeto de prazer que está disponível para consumo. Avalia-se o seu custo, o prazer que ele proporcionará e decide-se pela aquisição do mesmo ou não. Foge-se de todo compromisso. Gosta-se de uma pessoa como se gosta de um sabor de sorvete. Eu gosto muito de sorvete de chocolate, mas por que iria assinar um acordo em que eu só poderia comer sorvete de chocolate pela vida inteira? Mais ou menos o mesmo é pensado sobre o casamento, gosto muito da Marina, mas por que eu iria querer assinar um contrato em que eu só poderia comer ela pelo resto da minha vida? O sentimento é trocado pela sensação, o ser humano é transformado em mercadoria, nada mais pequeno-burguês que isso. Outra coisa falsamente tachada de pequeno-burguesa é o eurocentrismo, como se “bárbaro” fosse uma expressão inventada na Inglaterra vitoriana. Em verdade o relativismo é pequeno-burguês e defendido por nove em cada dez pessoas-comuns em nossa era pequeno-burguesa. O sujeito é capaz de, sem corar, defender os mulçumanos e atacar aquele jornal dinamarquês, ou então de defender aquela tribo africana que mutila o clitóris de suas mulheres e, ao mesmo tempo, criticar a Igreja Católica por esta condenar o uso da camisinha e tudo isso em nome do mesmo princípio: o relativismo. Em verdade o que ele diz é: “È claro que eu acho ruim a Igreja Católica dando pitaco na minha vida, ainda que sejam apenas recomendações. Há pouco tempo ela quis censurar aquele filme do Godard. Que absurdo, eu perder um filme por conta de tradições caducas da minha sociedade! Quanto às africanas castradas, que se fodam. Não sou nem africano nem mulher mesmo. Absurdo seria eu tentar libertá-las e arriscar a minha vida sem nada em troca por isso” Individualismo extremado, a principal característica pequeno-burguesa. O relativismo nada mais é que o individualismo extremado, o não se deixar influenciar por nada, o querer que sua tese seja equivalente a todas as demais, independente do mérito que ela possa ter, é o defender uma tese, não por amor a verdade, mas por simples vaidade pessoal.

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