Aqui Voegelin nos mostra como destruir a ética kantiana usando um parágrafo:
“Nas éticas clássicas e cristãs, a primeira das virtudes morais é a sophia ou prudentia, porque, sem uma compreensão adequada da estrutura da realidade, incluindo a conditio humana, torna-se praticamente impossível a ação moral com a coordenação racional dos meios e dos fins. No mundo de sonho gnóstico, por outro lado, o não-reconhecimento da realidade constitui o primeiro princípio. Em conseqüência, tipos de ação que seriam considerados moralmente insanos no mundo real, pelos efeitos reais que deles resultam, serão consideradas morais no mundo de fantasia, porque visam um efeito inteiramente diverso. O hiato entre o efeito desejado e o efeito real será imputado não à imoralidade gnóstica de ignorar a estrutura da realidade, mas à imoralidade de alguma outra pessoa ou sociedade que não se comporta como deveria comportar-se de acordo com a concepção fantasiosa da relação de causa e efeito. A interpretação da insanidade moral como moralidade, e das virtudes da sophia e da prudentia como imoralidade, leva a uma confusão difícil de desfazer. A tarefa é dificultada pela presteza dos sonhadores em estigmatizar como imoral a tentativa de obter um esclarecimento crítico. Na verdade, praticamente todos os grandes pensadores políticos que reconheceram a estrutura da realidade – de Maquiavel a nossos dias – foram caracterizados como imorais pelos intelectuais gnósticos, para não falar da brincadeira de salão dos liberais que criticam Platão e Aristóteles como fascistas. Por conseguinte, a dificuldade teórica é agravada por problemas pessoais. E não há dúvida de que o contínuo bombardeio de vituperação gnóstica contra a ciência política no sentido crítico afetou seriamente a qualidade do debate público acerca dos problemas políticos contemporâneos.”
No parágrafo seguinte, Voegelin completa um post anterior meu. Se naquela passagem ele criticava a política atual dos EUA, agora ele critica a política atual do resto do mundo:
“A identificação de sonho e realidade como uma questão de princípio produz efeitos práticos que podem parecer estranhos, mas nunca surpreendentes. Proíbe-se a exploração crítica da relação de causa e efeito na história: consequentemente, torna-se impossível a coordenação racional de meios e fins na política. As sociedades gnósticas e seus líderes reconhecem os perigos a sua existência quando eles surgem, mas tais perigos não são enfrentados por meio das ações apropriadas no mundo da realidade. São, isto sim, enfrentados mediante operações mágicas no mundo da fantasia, tais como desaprovação, condenação moral, declarações de intenção, resoluções, apelos à opinião da humanidade, caracterização dos inimigos como agressores, abolição da guerra, propaganda em favor da paz mundial e do governo mundial, etc. A corrupção moral e intelectual que se expressa no somatório dessas operações mágicas pode impregnar uma sociedade da atmosfera estranha e fantasmagórica de um manicômio, como experimentamos na crise ocidental de nossos dias.”
Engraçado, né? Bem, se você ler dois parágrafos adiante, talvez não seja tão engraçado assim.
“A política gnóstica é autodestrutiva no sentido de que as medidas que visam estabelecer a paz aumentam as perturbações que conduzem à guerra. A mecânica dessa autodestruição foi indicada acima, quando se descreveram as operações mágicas no mundo da fantasia. Se uma perturbação incipiente do equilíbrio não for contrabalançada pela ação política adequada no mundo da realidade, e se, pelo contrário, for enfrentada por meios de feitiços, tal perturbação pode atingir tais proporções que o recurso à guerra se torna inevitável. O exemplo óbvio é a ascensão do movimento nacional-socialista ao poder, primeiramente na Alemanha e depois em escala continental, enquanto o coro gnóstico proclamava sua indignação moral diante de feitos tão bárbaros e reacionários num mundo progressista – sem, contudo, levantar um dedo para reprimir a força ascendente por meio de um pequeno esforço político no momento oportuno. A pré-história da Segunda Guerra Mundial suscita a séria questão de saber se o sonho gnóstico não corroeu tão profundamente a sociedade ocidental a ponto de tornar impossível a política racional, deixando a guerra como único instrumento para ajustar as perturbações no equilíbrio das forças existenciais."
“Nas éticas clássicas e cristãs, a primeira das virtudes morais é a sophia ou prudentia, porque, sem uma compreensão adequada da estrutura da realidade, incluindo a conditio humana, torna-se praticamente impossível a ação moral com a coordenação racional dos meios e dos fins. No mundo de sonho gnóstico, por outro lado, o não-reconhecimento da realidade constitui o primeiro princípio. Em conseqüência, tipos de ação que seriam considerados moralmente insanos no mundo real, pelos efeitos reais que deles resultam, serão consideradas morais no mundo de fantasia, porque visam um efeito inteiramente diverso. O hiato entre o efeito desejado e o efeito real será imputado não à imoralidade gnóstica de ignorar a estrutura da realidade, mas à imoralidade de alguma outra pessoa ou sociedade que não se comporta como deveria comportar-se de acordo com a concepção fantasiosa da relação de causa e efeito. A interpretação da insanidade moral como moralidade, e das virtudes da sophia e da prudentia como imoralidade, leva a uma confusão difícil de desfazer. A tarefa é dificultada pela presteza dos sonhadores em estigmatizar como imoral a tentativa de obter um esclarecimento crítico. Na verdade, praticamente todos os grandes pensadores políticos que reconheceram a estrutura da realidade – de Maquiavel a nossos dias – foram caracterizados como imorais pelos intelectuais gnósticos, para não falar da brincadeira de salão dos liberais que criticam Platão e Aristóteles como fascistas. Por conseguinte, a dificuldade teórica é agravada por problemas pessoais. E não há dúvida de que o contínuo bombardeio de vituperação gnóstica contra a ciência política no sentido crítico afetou seriamente a qualidade do debate público acerca dos problemas políticos contemporâneos.”
No parágrafo seguinte, Voegelin completa um post anterior meu. Se naquela passagem ele criticava a política atual dos EUA, agora ele critica a política atual do resto do mundo:
“A identificação de sonho e realidade como uma questão de princípio produz efeitos práticos que podem parecer estranhos, mas nunca surpreendentes. Proíbe-se a exploração crítica da relação de causa e efeito na história: consequentemente, torna-se impossível a coordenação racional de meios e fins na política. As sociedades gnósticas e seus líderes reconhecem os perigos a sua existência quando eles surgem, mas tais perigos não são enfrentados por meio das ações apropriadas no mundo da realidade. São, isto sim, enfrentados mediante operações mágicas no mundo da fantasia, tais como desaprovação, condenação moral, declarações de intenção, resoluções, apelos à opinião da humanidade, caracterização dos inimigos como agressores, abolição da guerra, propaganda em favor da paz mundial e do governo mundial, etc. A corrupção moral e intelectual que se expressa no somatório dessas operações mágicas pode impregnar uma sociedade da atmosfera estranha e fantasmagórica de um manicômio, como experimentamos na crise ocidental de nossos dias.”
Engraçado, né? Bem, se você ler dois parágrafos adiante, talvez não seja tão engraçado assim.
“A política gnóstica é autodestrutiva no sentido de que as medidas que visam estabelecer a paz aumentam as perturbações que conduzem à guerra. A mecânica dessa autodestruição foi indicada acima, quando se descreveram as operações mágicas no mundo da fantasia. Se uma perturbação incipiente do equilíbrio não for contrabalançada pela ação política adequada no mundo da realidade, e se, pelo contrário, for enfrentada por meios de feitiços, tal perturbação pode atingir tais proporções que o recurso à guerra se torna inevitável. O exemplo óbvio é a ascensão do movimento nacional-socialista ao poder, primeiramente na Alemanha e depois em escala continental, enquanto o coro gnóstico proclamava sua indignação moral diante de feitos tão bárbaros e reacionários num mundo progressista – sem, contudo, levantar um dedo para reprimir a força ascendente por meio de um pequeno esforço político no momento oportuno. A pré-história da Segunda Guerra Mundial suscita a séria questão de saber se o sonho gnóstico não corroeu tão profundamente a sociedade ocidental a ponto de tornar impossível a política racional, deixando a guerra como único instrumento para ajustar as perturbações no equilíbrio das forças existenciais."
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