http://www.weeklystandard.com/Content/Public/Articles/000/000/015/417wvabo.asp?pg=2
“Homem de Coragem
Alexandre Solzhenitsyn foi um herói com a virtude heróica da coragem. Ele exibiu coragem, ele refletiu sobre isto. A exibição foi para todos verem, a reflexão foi profunda, difícil, reservada. Voltarei a isto depois.
Mas primeiro: um herói merece adoração, algo entre a ação e a reflexão, e começo por minha própria experiência. Fui testemunha do grande discurso deste grande homem em Harvard, em 8 de junho de 1978. Era a formatura do meu filho mais velho e minha vigésima quinta reunião de classe, e fomos convidados ao mais memorável discurso de formatura dos meus quase sessenta anos de Harvard.
O discurso foi dado em meio a um nevoeiro que ameaçava chover, ainda assim a audiência, sentada na ponta de seus assentos, escutava cuidadosamente, ávida por esperança e esperando algo já conhecido. Mas Solzhenitsyn não veio para elogiar, nem mesmo para elogiar Harvard. Havia algo em seu discurso que conseguiu desagradar a todos. Os liberais ouviram o liberalismo ser atacado e concluíram que se tratava de um discurso conservador; mas os conservadores tiveram de suportar uma crítica ao capitalismo e ao Ocidente que não os isentou. A palavra “conservador” foi usada apenas uma vez e para dizer que o Ocidente era conservador demais. E nas observações iniciais, Harvard teve seu divisa Veritas atirada em sua própria face por um convidado que teve de ressegurar à audiência que era seu amigo, e não um adversário.
Comigo estava minha esposa, recém falecida, Delba Winthrop, também uma adoradora do herói, mas uma que escreveu artigos sobre o pensamento de Solzhenitsyn. Mais tarde ela teve a temeridade de enviar um deles para o tema e foi recompensada com uma carta pessoal curta a elogiando pois “me deu muito o que pensar”[1]. O que digo de agora veio dela.
Os obituários falam da influência de Solzhenitsyn sobre seu tempo, nosso tempo, mas alguém deveria procurar pelo valor permanente de como ele viveu e do que ele disse. O ponto de atenção óbvio é sua coragem.
Temos hoje o hábito de distinguir dois tipos de coragem: a física e a moral, a habilidade de controlar o medo de dores corporais e a capacidade de permanecer firme contra a opinião convencional. Freqüentemente se diz que a coragem moral é mais difícil porque requer um intelecto maior, mas isto é difícil de discernir. pois este é freqüentemente confundido com zelo, o partido expresso dos intelectuais. A coragem física é mais fácil de apreciar porque é mais independente das circunstâncias; é uma virtude em si, ainda que exercida para fins duvidosos. Mas ela parece menos valiosa, pois não é rara.
Solzhenitsyn tinha ambos tipos de coragem. Ele foi, acima de tudo, um homem corajoso, desafiando seus inimigos a fazerem o pior, e eles o fizeram. Ele sobreviveu a intimidação, captura, prisão, fome, trabalhos forçados, vários tipos de tortura e, não vamos nos esquecer, câncer. Todos respeitam isto nele. Mas ele também pensou sobre a coragem, e fez disto o tema de seu discurso em Harvard, denunciando o declínio da coragem no Ocidente. Isto não foi muito bem recebido.
Alguns acreditaram que, se ele não fumava crack, estava tão errado quanto um; outros que a gratidão deveria impedi-lo de dizer o tipo de verdade que ele mesmo chamou de “amarga” para uma ocasião feliz como uma formatura. Mas já estamos distante do evento, então podemos aprender algo útil e honrar a morte de Solzhenitsyn tentando entender o que ele estava falando sobre coragem.
O argumento de Solzhenitsyn é que os dois tipos de coragem não estão separados, mas conectados. Uma diminuição da capacidade de controlar o medo leva a uma diminuição na capacidade de se defender e “à perigosa tendência de formar um rebanho”. Se todos pensarmos iguais, nós estaremos seguros, sem necessidade de nos defendermos. Esta parte do discurso parece antecipar o que chamamos de correção política.
Onde este declínio começou? Ele poderia ter dito que foi no fim dos anos sessenta, e ele estaria se dirigindo aos professores de Harvard, muitos dos quais haviam mostrado recentemente uma grande covardia ao permitirem que suas universidades fossem rompidas, ou até mesmo tomadas, por estudantes protestando contra a guerra do Vietnã. Mas ele atribuiu o declínio a um erro “na raiz” do pensamento Ocidental, a idéia de modernidade que nasceu primeiramente no renascimento e foi mais bem expressa pelo Iluminismo.
Solzhenitsyn pintou com pinceladas rudes, mas claro o bastante. O erro do Ocidente foi virar as costas para a devoção espiritual que cresceu em excesso e e veio a ter um fim natural no fim da Idade Média – e abraçar o materialismo com o mesmo zelo convicto. Sob esta idéia não haveria nenhum mal intrínseco e nenhuma tarefa mais alta que a busca pela felicidade na Terra. Felicidade entendida como bem-estar físico e acumulação de bens materiais, qualquer coisa para além disso era deixada fora da atenção do estado e da sociedade para a opção do indivíduo, como se não houvesse nada mais alto que a matéria na vida humana.
Por um tempo, ainda no nascedouro da democracia Americana, os direitos humanos eram considerados presente de Deus, assim, essa liberdade era dada ao indivíduo condicionalmente, sob a suposição de uma responsabilidade religiosa nele. Mas essa suposição foi sendo deixada de lado na medida que o materialismo se radicalizava, tomando a forma de um socialismo científico e, finalmente, comunismo. O materialismo radical é mais convincente pois é mais consistente, e “a situação se torna ainda mais dramática” quando se torna claro que a divisão do mundo entre democracia no Ocidente e comunismo no Oriente é menos terrível que a similaridade das doenças e pragas materialistas de ambos os lados.
Capitalismo e comunismo são duas partes hostis na modernidade, e o mundo está se aproximando de uma nova e grande reviravolta, de importância igual a da que fundou o Renascimento. A nova era terá de revalorizar o espiritual sem retornar a Idade Média.
Que visão! Muito para Harvard aceitar e muito para ser julgado aqui. Mas qual é a conexão com a coragem? Num sentido físico, coragem é a nobre capacidade de controlar o medo e o terror das dores corporais. Quando Aristóteles disse que a mais nobre coragem era confrontar a morte numa batalha, ele se lembrava que as sociedades dependiam dessa virtude individual. A coragem, como uma virtude praticada por si mesma, não é empreendida para a defesa da sociedade, mas a sociedade precisa e deve conservar e recompensar isto. Porém, o materialismo atual é uma tentativa de evitar a dependência da virtude em geral, e mais especialmente da coragem.
O materialismo moderno se funda na autopreservação ou no direito à vida, no qual a sobrevivência é o valor superior. Mas não se pode nunca ser corajoso com uma tal atitude, pois coragem requer a prontidão para o sacrifício de um a vida por algo maior, por uma vida nobre. Este é o motivo das democracias modernas terem tanta dificuldade de se defenderem. Elas requerem uma virtude que não é explicada ou justificada por seus princípios. A declaração de independência começa por estabelecer os direitos à vida, à liberdade e à busca pela felicidade, e afirma que todos os homens foram criados iguais. E esta mesma declaração termina com um voto em que os signatários empenham mutuamente suas honras sagradas.
Onde estava a “honra sagrada” no primeiro parágrafo deste documento maravilhoso? A honra é a inspiração da coragem, o sagrado é imaterial e vem do alto. Parece que o materialismo, de maneira um tanto envergonhada, repousa sob o imaterial para sua autodefesa. A coragem é uma virtude suprimida da modernidade, honrada apenas no rompimento de seus princípios.
Vemos esse problema na América de hoje na gratidão que expressamos pelo nosso exército. Eles arriscam suas vidas escolhendo um caminho inseguro, gostamos de dizer. Sim, diferentemente de nós que encaramos a morte em acidentes de trânsito e por “causas naturais”. O exército é o elemento coragem em nossa comunidade, em disputa com o elemento apetite, mas necessário a ele. Eles fazem mais do que nos “servir”, eles são nossos guardiões. Isto soa como a República de Platão, exceto que, para nós, o apetite é o elemento soberano. Nossos filósofos não são reis, eles são chamados de intelectuais e servem aos apetites soberanos.
Talvez em seu insight mais original e interessante no discurso de Harvard, Solzhenitsyn nota a importância que as democracias ocidentais conferem ao legalismo. Legalismo é o nosso substituto da virtude. Você não precisa distinguir o bem do mal, nem fazer o bem e evitar o mal, tudo o que você tem de fazer é obedecer a lei. Isto é um requerimento mínimo, não uma atitude da alma, mas exatamente uma forma de comportamento. Você nem mesmo precisa crer que possui uma alma ou ser capaz de “auto-restrição inspirada e voluntária”.
Apenas esta última qualidade, Solzhenitsyn diz, pode elevar o mundo sobre o materialismo. É voluntária pois deve vir livremente de você, e deve ser inspirada por algo maior que o seu corpo. Sua formulação parece restabelecer a coragem nos termos da moderação, ou numa combinação das virtudes da coragem e da moderação. A coragem é a restrição do medo de alguém por algo que é nobre, e também a restrição pelo apetite de bens materiais que distraem a alma da coragem. Com a restrição do apetite vem o abandono do zelo pelo princípio de felicidade neste mundo, o princípio do materialismo[2].
O materialismo é uma doutrina que enfraquece a humanidade e se priva de defensores fortes. A América ainda tem seus defensores, muito embora não os entenda. Nossa filosofia é indigna de nossa coragem e não pode fazer justiça a esta. Ainda assim, ela não pode se livrar da coragem. Isto significa que nossos filósofos são aproveitadores ou parasitas de nosso exército.
A coragem é afilosófica por natureza, na medida em que é a defesa inquestionável de algo. Mas ela necessita e deseja uma metafísica para combater o materialismo e chamar a atenção para a importância da coragem humana. Esta é a conexão da coragem física e moral, mostrada na vida e no pensamento de Solzhenitsyn. A coragem aprecia o gosto da verdade amarga, que para ela é agridoce. A coragem aprecia “a situação [que] se torna mais dramática”, o grande quadro que nos foi mostrado no discurso em Harvard e que nos apresentou “uma grande reviravolta na história”.Neste quadro, o Oriente Comunista é fraco, mas o Ocidente é ainda mais fraco. As coisas não saíram deste modo e o Ocidente prevaleceu, apesar da fraqueza que Solzhenitsyn corretamente apontou. A coragem está na nossa natureza, se a procurarmos, mas talvez na próxima vez ela poderá não estar à mão, se continuarmos tentando suprimi-la.
Esqueci de mencionar que coragem em grego é a mesma palavra para virilidade. O que me instiga a afirmar que, se já houve um, Alexandre Solzhenitsyn foi um homem viril. Para nós, ele foi o Homero de seu próprio Aquiles, a melhor declaração e explicação de si mesmo. E deixem-me sugerir para aqueles com tempo de ler O Primeiro Círculo que ele foi tão grego quanto russo. “
[1] No original a frase continua “while of course keeping mum about the accuracy of her analysis”, mas não sei bem o que isso quer dizer.
[2] O parágrafo continua: “For modern materialism has used its own inspiration--from below or perverted from above--to drive vicious actions that have the feel of noble sacrifice to the doer if not the recipient.” Mas não entendi o que ele quis dizer com isso.
Mas primeiro: um herói merece adoração, algo entre a ação e a reflexão, e começo por minha própria experiência. Fui testemunha do grande discurso deste grande homem em Harvard, em 8 de junho de 1978. Era a formatura do meu filho mais velho e minha vigésima quinta reunião de classe, e fomos convidados ao mais memorável discurso de formatura dos meus quase sessenta anos de Harvard.
O discurso foi dado em meio a um nevoeiro que ameaçava chover, ainda assim a audiência, sentada na ponta de seus assentos, escutava cuidadosamente, ávida por esperança e esperando algo já conhecido. Mas Solzhenitsyn não veio para elogiar, nem mesmo para elogiar Harvard. Havia algo em seu discurso que conseguiu desagradar a todos. Os liberais ouviram o liberalismo ser atacado e concluíram que se tratava de um discurso conservador; mas os conservadores tiveram de suportar uma crítica ao capitalismo e ao Ocidente que não os isentou. A palavra “conservador” foi usada apenas uma vez e para dizer que o Ocidente era conservador demais. E nas observações iniciais, Harvard teve seu divisa Veritas atirada em sua própria face por um convidado que teve de ressegurar à audiência que era seu amigo, e não um adversário.
Comigo estava minha esposa, recém falecida, Delba Winthrop, também uma adoradora do herói, mas uma que escreveu artigos sobre o pensamento de Solzhenitsyn. Mais tarde ela teve a temeridade de enviar um deles para o tema e foi recompensada com uma carta pessoal curta a elogiando pois “me deu muito o que pensar”[1]. O que digo de agora veio dela.
Os obituários falam da influência de Solzhenitsyn sobre seu tempo, nosso tempo, mas alguém deveria procurar pelo valor permanente de como ele viveu e do que ele disse. O ponto de atenção óbvio é sua coragem.
Temos hoje o hábito de distinguir dois tipos de coragem: a física e a moral, a habilidade de controlar o medo de dores corporais e a capacidade de permanecer firme contra a opinião convencional. Freqüentemente se diz que a coragem moral é mais difícil porque requer um intelecto maior, mas isto é difícil de discernir. pois este é freqüentemente confundido com zelo, o partido expresso dos intelectuais. A coragem física é mais fácil de apreciar porque é mais independente das circunstâncias; é uma virtude em si, ainda que exercida para fins duvidosos. Mas ela parece menos valiosa, pois não é rara.
Solzhenitsyn tinha ambos tipos de coragem. Ele foi, acima de tudo, um homem corajoso, desafiando seus inimigos a fazerem o pior, e eles o fizeram. Ele sobreviveu a intimidação, captura, prisão, fome, trabalhos forçados, vários tipos de tortura e, não vamos nos esquecer, câncer. Todos respeitam isto nele. Mas ele também pensou sobre a coragem, e fez disto o tema de seu discurso em Harvard, denunciando o declínio da coragem no Ocidente. Isto não foi muito bem recebido.
Alguns acreditaram que, se ele não fumava crack, estava tão errado quanto um; outros que a gratidão deveria impedi-lo de dizer o tipo de verdade que ele mesmo chamou de “amarga” para uma ocasião feliz como uma formatura. Mas já estamos distante do evento, então podemos aprender algo útil e honrar a morte de Solzhenitsyn tentando entender o que ele estava falando sobre coragem.
O argumento de Solzhenitsyn é que os dois tipos de coragem não estão separados, mas conectados. Uma diminuição da capacidade de controlar o medo leva a uma diminuição na capacidade de se defender e “à perigosa tendência de formar um rebanho”. Se todos pensarmos iguais, nós estaremos seguros, sem necessidade de nos defendermos. Esta parte do discurso parece antecipar o que chamamos de correção política.
Onde este declínio começou? Ele poderia ter dito que foi no fim dos anos sessenta, e ele estaria se dirigindo aos professores de Harvard, muitos dos quais haviam mostrado recentemente uma grande covardia ao permitirem que suas universidades fossem rompidas, ou até mesmo tomadas, por estudantes protestando contra a guerra do Vietnã. Mas ele atribuiu o declínio a um erro “na raiz” do pensamento Ocidental, a idéia de modernidade que nasceu primeiramente no renascimento e foi mais bem expressa pelo Iluminismo.
Solzhenitsyn pintou com pinceladas rudes, mas claro o bastante. O erro do Ocidente foi virar as costas para a devoção espiritual que cresceu em excesso e e veio a ter um fim natural no fim da Idade Média – e abraçar o materialismo com o mesmo zelo convicto. Sob esta idéia não haveria nenhum mal intrínseco e nenhuma tarefa mais alta que a busca pela felicidade na Terra. Felicidade entendida como bem-estar físico e acumulação de bens materiais, qualquer coisa para além disso era deixada fora da atenção do estado e da sociedade para a opção do indivíduo, como se não houvesse nada mais alto que a matéria na vida humana.
Por um tempo, ainda no nascedouro da democracia Americana, os direitos humanos eram considerados presente de Deus, assim, essa liberdade era dada ao indivíduo condicionalmente, sob a suposição de uma responsabilidade religiosa nele. Mas essa suposição foi sendo deixada de lado na medida que o materialismo se radicalizava, tomando a forma de um socialismo científico e, finalmente, comunismo. O materialismo radical é mais convincente pois é mais consistente, e “a situação se torna ainda mais dramática” quando se torna claro que a divisão do mundo entre democracia no Ocidente e comunismo no Oriente é menos terrível que a similaridade das doenças e pragas materialistas de ambos os lados.
Capitalismo e comunismo são duas partes hostis na modernidade, e o mundo está se aproximando de uma nova e grande reviravolta, de importância igual a da que fundou o Renascimento. A nova era terá de revalorizar o espiritual sem retornar a Idade Média.
Que visão! Muito para Harvard aceitar e muito para ser julgado aqui. Mas qual é a conexão com a coragem? Num sentido físico, coragem é a nobre capacidade de controlar o medo e o terror das dores corporais. Quando Aristóteles disse que a mais nobre coragem era confrontar a morte numa batalha, ele se lembrava que as sociedades dependiam dessa virtude individual. A coragem, como uma virtude praticada por si mesma, não é empreendida para a defesa da sociedade, mas a sociedade precisa e deve conservar e recompensar isto. Porém, o materialismo atual é uma tentativa de evitar a dependência da virtude em geral, e mais especialmente da coragem.
O materialismo moderno se funda na autopreservação ou no direito à vida, no qual a sobrevivência é o valor superior. Mas não se pode nunca ser corajoso com uma tal atitude, pois coragem requer a prontidão para o sacrifício de um a vida por algo maior, por uma vida nobre. Este é o motivo das democracias modernas terem tanta dificuldade de se defenderem. Elas requerem uma virtude que não é explicada ou justificada por seus princípios. A declaração de independência começa por estabelecer os direitos à vida, à liberdade e à busca pela felicidade, e afirma que todos os homens foram criados iguais. E esta mesma declaração termina com um voto em que os signatários empenham mutuamente suas honras sagradas.
Onde estava a “honra sagrada” no primeiro parágrafo deste documento maravilhoso? A honra é a inspiração da coragem, o sagrado é imaterial e vem do alto. Parece que o materialismo, de maneira um tanto envergonhada, repousa sob o imaterial para sua autodefesa. A coragem é uma virtude suprimida da modernidade, honrada apenas no rompimento de seus princípios.
Vemos esse problema na América de hoje na gratidão que expressamos pelo nosso exército. Eles arriscam suas vidas escolhendo um caminho inseguro, gostamos de dizer. Sim, diferentemente de nós que encaramos a morte em acidentes de trânsito e por “causas naturais”. O exército é o elemento coragem em nossa comunidade, em disputa com o elemento apetite, mas necessário a ele. Eles fazem mais do que nos “servir”, eles são nossos guardiões. Isto soa como a República de Platão, exceto que, para nós, o apetite é o elemento soberano. Nossos filósofos não são reis, eles são chamados de intelectuais e servem aos apetites soberanos.
Talvez em seu insight mais original e interessante no discurso de Harvard, Solzhenitsyn nota a importância que as democracias ocidentais conferem ao legalismo. Legalismo é o nosso substituto da virtude. Você não precisa distinguir o bem do mal, nem fazer o bem e evitar o mal, tudo o que você tem de fazer é obedecer a lei. Isto é um requerimento mínimo, não uma atitude da alma, mas exatamente uma forma de comportamento. Você nem mesmo precisa crer que possui uma alma ou ser capaz de “auto-restrição inspirada e voluntária”.
Apenas esta última qualidade, Solzhenitsyn diz, pode elevar o mundo sobre o materialismo. É voluntária pois deve vir livremente de você, e deve ser inspirada por algo maior que o seu corpo. Sua formulação parece restabelecer a coragem nos termos da moderação, ou numa combinação das virtudes da coragem e da moderação. A coragem é a restrição do medo de alguém por algo que é nobre, e também a restrição pelo apetite de bens materiais que distraem a alma da coragem. Com a restrição do apetite vem o abandono do zelo pelo princípio de felicidade neste mundo, o princípio do materialismo[2].
O materialismo é uma doutrina que enfraquece a humanidade e se priva de defensores fortes. A América ainda tem seus defensores, muito embora não os entenda. Nossa filosofia é indigna de nossa coragem e não pode fazer justiça a esta. Ainda assim, ela não pode se livrar da coragem. Isto significa que nossos filósofos são aproveitadores ou parasitas de nosso exército.
A coragem é afilosófica por natureza, na medida em que é a defesa inquestionável de algo. Mas ela necessita e deseja uma metafísica para combater o materialismo e chamar a atenção para a importância da coragem humana. Esta é a conexão da coragem física e moral, mostrada na vida e no pensamento de Solzhenitsyn. A coragem aprecia o gosto da verdade amarga, que para ela é agridoce. A coragem aprecia “a situação [que] se torna mais dramática”, o grande quadro que nos foi mostrado no discurso em Harvard e que nos apresentou “uma grande reviravolta na história”.Neste quadro, o Oriente Comunista é fraco, mas o Ocidente é ainda mais fraco. As coisas não saíram deste modo e o Ocidente prevaleceu, apesar da fraqueza que Solzhenitsyn corretamente apontou. A coragem está na nossa natureza, se a procurarmos, mas talvez na próxima vez ela poderá não estar à mão, se continuarmos tentando suprimi-la.
Esqueci de mencionar que coragem em grego é a mesma palavra para virilidade. O que me instiga a afirmar que, se já houve um, Alexandre Solzhenitsyn foi um homem viril. Para nós, ele foi o Homero de seu próprio Aquiles, a melhor declaração e explicação de si mesmo. E deixem-me sugerir para aqueles com tempo de ler O Primeiro Círculo que ele foi tão grego quanto russo. “
[1] No original a frase continua “while of course keeping mum about the accuracy of her analysis”, mas não sei bem o que isso quer dizer.
[2] O parágrafo continua: “For modern materialism has used its own inspiration--from below or perverted from above--to drive vicious actions that have the feel of noble sacrifice to the doer if not the recipient.” Mas não entendi o que ele quis dizer com isso.
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