domingo, 10 de agosto de 2008

Em outubro de 2003, Edward Luttwak escreveu um artigo para a Prospect intitulado “Hora de ir para casa”, sua chamada era algo como “Britânicos e americanos deveriam abandonar o Iraque”. Neste mês, agosto de 2008, o mesmo Edward Luttwalk escreve para a mesma Prospect o “Um Truman para nossos tempos” cujo subtítulo é o seguinte: “A opinião comum é que o governo Bush teve uma política externa desastrosa e que a América está ameaçada pelo crescimento da Ásia. Ambas afirmações estão erradas – Bush conseguiu fazer o jihadismo recuar com sucesso, e os EUA se beneficiarão com o crescimento asiático”. Abaixo traduzo a parte sobre a política externa de Bush (como sou bonzinho!). Para quem quiser tudo ou ler diretamente da fonte, sabiamente desconfiando que um boçal como eu possa fazer uma tradução aproveitável, eis o link: http://www.prospect-magazine.co.uk/article_details.php?id=10309

“Que a política externa de George W Bush tem sido um fracasso total é agora tomado como algo certo por tantas pessoas que normalmente escuta-se isto ser afirmado como uma verdade simples que absolutamente não precisa ser discutida.

Já aconteceu antes. Quando o Presidente Harry S Truman disse em março de 1952 que ele não concorreria na reeleição, a maior parte dos americanos concordavam numa coisa: que sua política externa havia sido catastrófica. Na Coréia, sua indecisão foi um convite à agressão, sua incompetência custou a vida de 54.000 americanos e milhões de civis coreanos em apenas dois anos de luta – dos dois lado, mais de dez vezes o número de mortes no Iraque. Os direitistas insultavam Truman por ter perdido a China para o comunismo e pela demissão do grande general Douglas MacArthur, que deseja reconquistá-la, com bombas atômicas se necessário. Os liberais o desprezava porque ele era o lojista falido que usurpou a Casa Branca do aristocrata Franklin Roosevelt – os liberais sempre foram os esnobes da política americana.

No exterior, Truman também era muito odiado. A acusação comunista de que ele teria empregado “armas bacteriológicas” para matar crianças coreanas e destruir o milho chinês foi acreditada por muitos, e foi completamente endossada por um relatório de 669 páginas de uma comissão presidida pelo eminente bioquímico britânico Joseph Needham. Ainda maior era o número de pessoas que acreditaram que Truman era o culpado pelo início da Guerra Fria por tentar intimidar nosso bravo aliado soviético, ou pelo menos que ele e Stálin era igualmente culpados.
Como esse mesmo Harry Truman pode se tornar alguém visto universalmente como um grande presidente, especialmente por sua política externa? È tudo questão de perspectiva do tempo: a guerra da Coréia foi meio esquecida, enquanto hoje todos sabem que a estratégia de Truman de contenção foi bem-sucedida e terminou finalmente com a quase pacífica desintegração do império soviético.
Para Bush ser reconhecido como um grande presidente nos moldes de Truman, a guerra no Iraque também deve ser meio esquecida. A rápida derrubada do assassino Saddam Hussein foi seguida por anos de violência crescente, ao invés da democracia instantânea que havia sido prometida. Confundir iraquianos dominados por sacerdotes com dinamarqueses ou noruegueses sob ocupação germânica, prontos para retornarem a democracia assim que libertados, não foi um erro perdoável: antes de invadir um país, um presidente dos EUA deveria saber se tal fica no Oriente Médio ou na Escandinávia.

Ainda assim, a custosa guerra do Iraque deve ser entendida como um espetáculo secundário na contra-ofensiva global de Bush contra a militância islamita, assim como a bem mais custosa guerra da Coréia deve ser entendida como um espetáculo secundário na contenção da guerra fria. Pois a resposta de Bush para o 11 de Setembro foi precisamente isto – um ataque global contra a ideologia da militância islâmica. Enquanto operações anti-terroristas tem sido bem-sucedidas aqui e lá, de um modo ou de outro, e o destino do Afeganistão permanece em suspenso, a bem mais importante guerra ideológica terminou com uma espetacular vitória global para o presidente Bush.
Claro, a analogia com Truman está longe de ser perfeita: a União Soviética era um estado, não um estado de mente. Ainda assim, uma vez que a vitória de Bush for reconhecida, os erros no Iraque serão perdoados, assim como ninguém hoje culpa Truman por ter enviado sinais trocados sobre se a Coréia deveria ser defendida[1]. Claro, a vitória de Bush ainda não foi reconhecida, o que, de fato, é muito estranho, uma vez que ela ocorre na frente de todos.

Até o 11/09, os militantes islâmicos, incluindo jihadistas violentos de todos os tipos, da Al Qaeda até agentes simplesmente locais, desfrutavam de muito apoio público – seja aberto, seja tácito – em quase todo mundo islâmico. De Marrocos a Indonésia, os governos apaziguavam os militantes em casa enquanto os encorajavam a focar suas atividades violentas no exterior. Alguns, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU), patrocinaram pregadores militantes e jihadistas armados. Os sauditas financiaram escolas extremistas em muitos países, incluindo EUA e Grã-Bretanha, e tinha milhares de pregadores militantes em sua lista de pagamento, além de enviar cheques a jihadistas no Cáucaso, Paquistão e uma dúzia de outros lugares (embora não a Osama Bin Laden mesmo, inimigo declarado deles). Os governantes de EAU, que agora apenas conversam sobre suas linhas aéras e bancos, foram vistos por fontes confiáveis entregando sacos cheios de dinheiro a Osama em pessoa, encontrando-o no campo aéreo de Kandahar enquanto voava para caçar espécies perigosas. A Arábia Suadita e o EAU foram os únicos países que, juntamente com o Paquistão, reconheceram o Talibã como os governantes legítimos do Afeganistão. Outros governos mulçumanos, notavelmente o Sudão, a Síria e Iêmen, ajudaram jihadistas lhes dando passaportes e porto seguro, enquanto outros ainda, incluindo Indonésia, simplesmente fingiram de cegos a doutrinação islâmica e recrutamento jihadista.
Com exceção dos governos argelinos e egípcios, todo estado mulçumano preferiu, pelo menos, conviver com os pregadores militantes e jihadistas de alguma maneira. Paquistão fez muito mais que isso; sua diretoria do serviço de inteligência internacional, patrocionou, armou e treinou tanto o Talibã no Afeganistão quanto milhares de jihadistas dedicados a matar civis, policiais e soldados indianos na Caxemira (Cachemira?) ou além.


Tudo isto teve um fim abrupto depois do 11/09. Os mais sofisticados de toda parte ridicularizam a posição infexível de Bush, “Ou você está conosco, ou você está com os terroristas”, como uma fanfarrice caipira, mas isto foi rapidamente bem-sucedido. Governos pelo mundo mulçumano rapidamente mudaram suas condutas. Alguns se esforçaram energicamente para fechar grupos jihadistas locais que eram há muito tolerados, para silenciar pregadores extremistas e manter foras jihadistas estrangeiros que antigamente eram bem-vindos. Outros passaram por um período de negação. Os sauditas, na pessoa do ministro do interior Príncipe Nayef bin Abdul Aziz, começaram por negar que os terroristas do 11/09 eram árabes, enquanto os príncipes dos EAU acusados de dar dinheiro a Bin Laden fingiam nunca ter ouvido falar dele.
A negação não durou. Assim que viram as forças especiais americanas e os bombardeiros de longa distância esmagando o Talibã, os sauditas começaram a assumir a responsabilidade por terem espalhado o extremismo através de milhares de escolas e academias que eles financiavam em casa e no exterior. Uma agonizante reavaliação de sua própria forma Wahhabi de islamismo continua. O rei saudita convocou uma conferência entre mulçumanos, cristãos e judeus sobre a fé – um imenso passo dado contra a proibição Wahhabi de qualquer forma de amizade com não-mulçumanos. Dentro do reino, apenas os pregadores menos extremistas recebem agora apoio público. Bin Laden foi inimigo dos sauditas por anos, mas foi apenas depois do 11/09 que eles começaram a ativamente caçar seus apoiadores e fizeram seus primeiros movimentos para desencorajarem os sauditas ricos de enviarem dinheiro a jihadistas no exterior. Mais de mil sauditas foram presos, dúzias foram mortas enquanto resistiam a prisão, e os bancos sauditas agora devem checar se a transferência foi envaida para organizações mulçumanas na lista terrorista.

De diversas maneiras, todos outros governos mulçumanos também ficaram do lado de Bush e dos EUA contra os jihadistas, muito embora a jihad contra o infiel seja amplamente observada como um dever islâmico. De repente, islamitas ativos e jihadistas violentos sofreram uma catastrófica perda de status. No lugar de serem admirados, respeitados, ou pelo menos tolerados, eles tem de esconder, fugir ou desistir. Os números começaram a encolher. O número de incidentes terroristas fora das zonas de guerra do Afeganistão e Iraque continua baixo, enquanto madraçais de quase todos lugares tem preferido suavizar seus ensinamentos a serem silenciadas. Na Indonésia, maior país mulçumano, a associação dominante de sacerdotes[2] condenou todas as formas de violência, sem exceção.

Mas foi no Paquistão que Bush forçou a mais dramática reviravolta na política. Ele disse que era conosco ou contra nós, e ele quis dizer exatamente isto. Ao presidente Musharraf foi dada uma escolha completa: associarem-se aos EUA para destruírem o Talibã que o próprio Paquistão havia criado, ou ser destruído. Musharraf fez a escolha certa, extinguindo o fluxo de armas para o Talibã, abrindo o campo aéreo de Shahbaz para as aeronaves dos EUA e dando permissão total para vôos militares americanos sobre o Paquistão. Nada parará a província da fronteira nordeste de ser tão violenta quanto tem sido desde os dias de Alexandre, o Grande. Nada poderá dissuadir os Pachtuns de suas paixões por garotos e armas. E, naturalmente, eles aprovaram o Talibã por ambas razões. Mas ao menos o estado paquistanês não mais financia esses pederastas. Musharraf também começou a remover os extremistas barbados que um dia praticamente dirigiu o serviço de inteligência paquistanês, a começar pelo chefe, Mahmood Ahmed, que foi substituído um mês depois do onze de setembro pelo moderado Ehsanul Halgas. Tem sido menos fácil para Musharraf e seus acólitos identificarem e removerem os extremistas mais sutis, calmos e barbeados no serviço de inteligência, que ainda apóiam o renascente Talibã, mas eles estão se esforçando o bastante para colherem pelo menos uma tentativa de assassinato contra Musharraf.

O que aconteceu no Paquistão com 24 horas de 11/09 foi algo nunca antes visto no mundo: a transformação do dia para noite do próprio núcleo de política de um país – o apoio a jihad – que deriva do mito nacional do Paquistão como o estado mulçumano por excelência. Foi como se o presidente Bush houvesse enviado a Itália uma ordem de criminalização do espaguete al pomodoro – e conseguido.
Ainda assim escuta-se pessoas bem-informadas casualmente remarcarem que a guerra de Bush contra o terror tem sido um fracasso total. Isto não é apenas um preconceito político; depois de tudo, o cão que não late não é ouvido. Mas ninguém precisa ser um Sherlock Holmes para lembrar que o 11 de setembro era para ser o começo de uma jihad global, com um 12 de setembro, 13 de setembro, 14 de setembro e por aí vai.
Não que a Al Qaeda pudesse fazer isto – seu única bala foi usada. Mas a destruição das torres gêmeas inspirou milhares de jovens mulçumanos a abandonarem seu pregador islâmico local e oferecerem seus serviços aos jihadistas. O Corão, apesar de tudo, promete explicitamente vitória em todas as coisas para o crente, tornando a fraqueza mulçumana a fonte de agonia, para não dizer, das dúvidas sobre a credibilidade da fé ela mesma. Esta é a verdadeira fonte de ressentimento que nenhuma política de acomodação no Oriente Médio poderia mitigar. E foram estas dúvidas que induziram não apenas os infelizes palestinos, mas também os ocidentalizados, ricos e bebedores de vinho tunisianos a celebrarem as imagens televisivas do 11/09 com lágriamas de alegria, e que fizeram Bin Laden o primeiro herói pan-islâmico desde Saladino.

Portanto, a destruição das torres gêmeas foram o mais potente possível chamado para ação. Era suficiente não apenas para ataques em Madri, Londres e Glasgow, mas muito mais e não apenas na Europa. O principal alvo, contudo, era para ser os EUA eles mesmos, assim como turistas americanos, expatriados, negociantes no estrangeiro e, naturalmente, qualquer tropa em qualquer lugar.
Ao invés disso, a mobilização global para a jihad, alimentada pelo entusiasmo pós 11/09 por Osama Bin Laden, foi detida antes que pudesse ganhar qualquer momentum por tudo isto que Bush pôs em movimento: a destruição das bases de treinamento da Al Qaeda no Afeganistão, o assassinato ou captura da maioria de seus participantes, e, o mais importante, a conversão dos governos mulçumanos de apoiadores da jihad a seus repressores.


O jihadismo foi confinado ao Iraque e a zonas limites do Paquistão, onde armas são artigos de moda e a jihad a última desculpa para uma violência milenar. Em contraste, desde o 11/09, os ataques contra alvos ocidentais (“cristãos”) foram poucos, com nenhum ataque aos EUA e apenas um punhado na Europa. Não teria sido assim se um presidente menos determinado e menos autoconfiante estivesse na Casa Branca. “Você está conosco ou com os terroristas” foi o slogan correto e a política correta. Os tropeções na pós-vitória no Iraque são secundários em comparação.



Os detratores de Bush deveriam ainda se debaterem com outro grande sucesso: a desnuclearização. Começou com a Líbia, que em 2003, com medo do que o Bush poderia fazer, desistiu de todo equipamento comprado para fazer armas nucleares. Então houve a Síria, que perdeu seu reator proto-nuclear secreto num ataque de forças aéres israelitas no último setembro – um movimento feito com a aprovação de Bush. A demolição do programa nuclear da Coréia do Norte finalmente começou. Como de costume, a diplomacia européia falhou completamente. Enquanto o E3 – Grã-Bretanha, França e Alemanha – continuavam a conversar, os iranianos continuavam a construir, e posteriormente a vangloriarem-se de enganarem os europeus. Agora a questão está chegando ao fim. Bush enviou seu próprio enviado de confiança para oferecer incentivos generosos ao iranianos para pararem de enriquecer Urânio e demolirem algumas poucas instalações. Isto foi exatamente o que o E3 ofereceu. A diferença é que não havia um Bush envolvido, logo, nenhuma credibilidade para proferirem um “ou então...”.

Bush ainda pode decidir que é injusto deixar o problema para seu sucessor, ou para os israelitas, que teriam de voar mil milhas náuticas atéo Irã, ao invés de menos de 200 dos porta-aviões[3] no Golfo Pérsico. Depois de tudo, Bush foi o grande desnuclearizador, não apenas no Iraque, a despeito da ilusória controvérsia pós-guerra. O plano de Saddam era reviver seu programa nuclear em 2004, depois do fim do embargo da ONU. Sem a guerra, poderia haver agora um programa nuclear iraquiano, e não apenas um iraniano. "

[1] But even so, once Bush's victory is recognised, the errors of Iraq will be forgiven, just as nobody now blames Truman for having sent mixed signals on whether Korea would be defended.
[2] Imams.
[3] Carriers.

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