Há dois elementos heterogêneos no personagem central que aparecem permanentemente unidos. Um deles é interessante, o outro, ruim. Um deles impulsiona o lado bom do filme, o outro o mau.
Como nas piadas, começo pela notícia boa. O que há de interessante na figura de Cristopher McCandless é o seu lado profético, seu desejo de vazio, de paisagens inumanas, sua busca pelo Alaska, pelo seu deserto. No filme há uma metáfora para caracterizá-lo: ele era como um cristal; sua pureza (e, portanto, sua beleza, seu interesse) e sua fragilidade tinham a mesma causa, brotavam como que da essência dele. Ele é forte, decidido, grandioso, sério, sonhador. Há uma força interior que o motiva, que o impulsiona, muito maior que a minha ou da maioria das pessoas. Tudo isso o levará a uma pequena, mas verdadeira tragédia.
Mas como ignorar o lado bobo de Cristopher McCandless? Esse lado pode ser resumido numa única sentença: ele viveu no fim do século XX. Ele viveu após os hippies, os esportes radicais, o desejo pelo contato excitante com a natureza. Apesar de haver uma força que o impele e que ele não pode controlar, ele próprio não é forte o bastante. Ele está abaixo dessa força, ele não a compreende, ele está desorientado. McCandless deixa o lar após descobrir uma grande falha de seu pai. Só alguém com uma grande força moral poderia fazer isso. Em choque começa a percorrer os EUA e passa a desejar o Alaska, um lugar grande e vazio, sem ninguém por perto. Nessa busca, porém, encontra várias pessoas, e quase todas elas não são melhores que seu pai. A única exceção, me parece, é o velho do final. Não obstante, faz amizade com elas, demonstra interesse. Em nenhum momento vê-se um julgamento, nem mesmo interior, nada. Cadê a severidade inicial? É um profeta sem um Deus, sem uma causa. A humanidade não lhe irrita o suficiente, nem tem um espírito metafísico, nem crê em um deus que o permitirá amar a humanidade, que o permitirá voltar do deserto como um santo e não como um simples misantropo. Pelo contrário, o deserto parece ser seu fim, não um instrumento purificador. No fim das contas, parece apenas que ele é alguém que gosta de estar em contato com a natureza e que foi para o Alaska por diversão e, talvez, maltratar um pouco a família. Nada contra, mas é um motivo meio bobo para um filme, não?
Sejamos justos, em nenhum momento confundimos Cristopher com os hippies e desajustados que ele encontra pelo caminho. Ele parece sempre superior a eles. Ele os escuta, ouve seus conselhos. Mas o que ele tem para dizer aos hippies, aos desajustados? Nada. Em que consiste essa superioridade? Não se sabe. Que mensagem ele quer nos dizer? Não se ouve. Ele parece simpatizar com essas pessoas. Por que ele é tão severo com sua família e tão amigo dessas pessoas? Cristopher não tem a universalidade do profeta, condena as ações desigualmente e seu critério é apenas o tanto que tais ações lhe afetem. Se não o afetar, ele não está nem aí. Enfim, ele é uma pessoa comum, com seu egoísmo comum. Não é um profeta.
Assim vemos Cristopher trabalhar duro como peão numa fazenda para ganhar um dinheirinho e, quando o consegue, simplesmente o dispensa. Uau!, pensamos, que força! que vontade! que personalidade! Mas logo à frente o vemos num caiaque desafiando a correnteza de um rio. Dá a louca nele: quero conhecer o México. Ele vai. Mas o que faz lá? Não se sabe, foi ver a paisagem, decerto. Depois vemos ele no Alaska. Há de fato espiritualidade ali? Vemos ele passar dificuldades, fome, morrer. É sem dúvida alguém com uma grande disciplina, uma grande força de vontade. Mas em nenhum momento aparece Javé, em nenhum momento uma voz lhe pergunta: “O que você está fazendo aqui, Elias?” Há uma pretensão em fazer daquilo uma jornada espiritual, mas o que nos é mostrado não passa de um passeio turístico mal-sucedido.
terça-feira, 16 de junho de 2009
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