quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Bujis Kelon, capítulo II

Não há nada mais temível que a morte Kelon Bujiusnu. Nada pode ser mais tão traumático. Imagine, você é um velho e sofre um enfarte. Depois de um tempo a dor passa. Médico, velho, parentes olham um para o outro “será que morri?”. Ninguém sabe. Apenas depois de uma doze horas de extrema ansiedade o corpo começa dar alguns sinais, ainda assim discretos, como o empalidecer da pele e o enrijecimento das juntas. De repente, percebe-se: “estou morto, não consigo mais cruzar as pernas”. É um horror. Então a família chora unida. Uma pequena festa é dada, o morto se despede dos amigos, dos filhos, da mulher e se vai.
A morte Kelon Bujiusnu, claro, proporcionou várias cenas e histórias famosas de mulheres, pais, mães, irmãos e mesmo amigos ou simples admiradores que acompanharam seu objetos de adoração a Jomki. Isto representa um sacrifício, pois a morte, depois de um tempo, torna-se altamente contagiosa. O principal meio de contágio é o visco que se solta da pele dos mortos, o que só ocorre depois de um mês do falecimento. Porém, os vivos não demoram nem mesmo uma semana para morrer em Jomki. Por alguma razão, os zumbis matavam todos aqueles que pisavam em Jomki. A principal suspeita é que não queria que os vivos voltassem às suas terras e contassem o que haviam visto ali. Muitos afirmam que o desejo de desvendar tal mistério foi o principal motivo da invasão de Ruosi Esodi. Em toda a história apenas o poeta Dastu conseguiu voltar vivo de Jomki e conta o que viu em seu mais famoso poema, muito belo e famoso por sinal, mas que não matou a curiosidade de quem achava que havia alguma coisa de mais misteriosa e sinistra em Jomki.
Quer dizer, assim era a morte Kelon Bujiusnu até 1821, ano da invasão do Ruosi Esodi. Depois disso a situação piorou. E muito. Enquanto as tropas Krotasocan (isto é, as tropas de Ruosi Esodi) marchavam em direção a Jomki, os novos mortos eram recolhidos num campo de concentração, localizado numa parte erma do país. Este campo de concentração existe até hoje e concentram-se nela os mortos Krotasocan de 1821 até 1838, sendo a maior parte composta de militares que morreram na invasão, também conhecida como a Primeira Guerra de Jomki. Há também outros campos de concentração de zumbis espalhados ao redor do mundo, com destaque para os campos de Osdoa, país que não permite que se atire os mortos ao mar. É bem provável que fale de Osdoa algum outro dia, quando relatar a Segunda e a Terceira guerra de Jomki.
Bastou, porém, cinco anos de ocupação do Jomki para o primeiro campo de concentração estar completamente lotado. Os mortos passaram então a ser jogados no mar. Eram levados em navios prisões e atirados no meio do oceano. Houve uma grande revolta da população mundial que amava seus entes queridos e se chocavam em vê-los sofrendo algo tão bárbaro. Mais que isso, temiam os vivos o seu futuro próximo e inevitável. Porém, não havia jeito, era preciso se livrar dos mortos e todas as terras já estavam ocupadas.
Por essa razão as cenas ternamente melancólicas dos enterros antigos com reuniões familiares e amigos homenageando aquele que se ia, cenas estas inspiradoras de vários dos belos poemas daquele mundo, foram substituídos por outras um tanto sórdidas e simplesmente revoltantes. Agentes do governo, vestidos com uma roupa protetora que lembra as roupas dos apicultores, invadiam as casas e retiravam a força os mortos dos familiares. Em outras, o morto implorava a família que o escondesse, mas esta o negava, ou então concordavam apenas por pouco tempo, antes de traí-lo. De qualquer modo o cheiro dos mortos-vivos os denunciava.
No meio da década de 50, com o recrudescimento dos ataques dos zumbis-piratas, o governo precisou achar um novo meio de atirar seus mortos ao mar. A solução criada foi a construção de uma catapulta gigante que atirava o morto a cerca de três quilômetros da costa. No entanto os zumbis voltavam, quer por saudade dos familiares, quer por rejeitar o mar como lar, quer por achar muito divertido aquele vôo de três quilômetros. Decidiu-se então que os mortos que voltassem tomariam uma sessão de cem chicotadas nas costas e, se novamente repetida a peraltice, seriam cortados os braços e as pernas do zumbi, fazendo com que estes se afundassem ao mar como pedras. Alguns zumbis não acreditaram no cumprimento das ameaças e voltaram a costa pela terceira vez; todos eles estão no fundo do mar agora.
Com a invenção dos aviões e helicópteros no século seguinte as catapultas foram deixadas de lado, muito embora alguns milionários excêntricos paguem uma pequena fortuna por esse tipo de viagem.

Um comentário:

m. reis disse...

cara, você é muito, mas muito maluco.
e isso acaba sendo até legal.