terça-feira, 31 de março de 2009

“Quando as pessoas param de crer em Deus, elas não começam a crer em nada; elas começam a crer em qualquer coisa”; Chesterton disse. Em inglês é mais legal[1]. Não universalizaria isso assim, mas em geral é bem verdade. Quase todos meus amigos são ateus ou agnósticos e boa parte deles crê em coisas como pensamento positivo, horóscopo, simpatia, supertições populares. Vi com esses olhos que a terra há de comer a mesa de uma professora de Nietzsche da UERJ coberta por duendes, cristais, pirâmides e outras bugigangas. Voegelin observou algo semelhante. Uma das principais características que assinala a modernidade é o que ele chamou de fé metastática. Ela nasce mais ou menos no mesmo período em que começa a enfraquecer a fé cristã em Juízo Final, paraíso, inferno, ressurreição dos mortos, enfim, no Apocalipse segundo São João. É claro, você provavelmente deve achar tudo isso uma idiotice sem sentido. Imagine, de repente Deus resolve dar as caras, fala algo como “pronto, cansei de brincar de vida na Terra, agora é só paraíso ou inferno”, bota fogo em todo o universo e fim. Mas há algo ainda mais idiota que isso, algo que eu e você temos que diariamente lutar contra para não crermos, pois tal idéia é o fundamento de nossas crenças modernas, a tal fé metastática. É a crença que nós podemos mudar a estrutura da realidade, nós podemos fazer o paraíso descer para a terra. Sim, é bem mais idiota, pois uma vez que Deus é um ser infinito, pelo menos há alguma verossimilhança na idéia de que ele poderia transformar toda a realidade e criar um paraíso infinito para nossos desejos. Nós, no entanto, somos só mais um acidente flutuando pela estrutura da realidade, somos finitos, nossos dias estão contados, mal e mal conseguimos nos emendar, quanto mais emendar o mundo.

Um exemplo prático de tal fé metastática. Hoje pela minha rua circulou, por duas vezes ao menos, um carro de som organizando um ato político na Cinelândia. O chamado era algo como “Os trabalhadores não podem pagar pela crise. Ato contra o desemprego blá blá blá”. Seria só mais um bando de idiotas falando se tais idéias não fossem também defendidas por pessoas ligadas ao governo e ao próprio presidente. Ora, todos concordamos que trabalhadores são muito mais sensíveis financeiramente que banqueiros, grandes industriais, empresários, etc. Estes últimos, por mais que quebrem, terão um nível de vida melhor que o meu e, provavelmente, o seu. Já para os pobres, o desemprego pode ser meio caminho andado para fome, trabalho infantil, mendicância, subemprego, etc. Além disso, é claro, a crise é de responsabilidade dos ricos, talvez dos governos, não dos trabalhadores. Mas e daí? O que interessa é: que medidas tomar? Como evitar que a crise reflita na classe trabalhadora? Ora, como vivemos num mundo onde as coisas estão ligadas, não é possível isolar uma classe. Impedir que a crise chegue aos trabalhadores é impedir a própria crise. Mais uma vez, até aqui todo mundo concorda. A verdadeira questão é: como impedir a crise? E aqui já ninguém concorda mais. Uma manifestação contra a crise; o que isso significa? Será que alguém crê que manifestações resolverão esse problema? Que basta “vontade política” e, pronto, não há mais crise e, portanto, é necessário acordar a vontade política por meio de passeatas? Mais uma vez é a crença metastática, crença na transformação da realidade por meios mágicos (Abracadabra, que poder você tem comparado ao de Vontade Política?). E fé metastática ainda mais idiota, embora mais inofensiva. Porque antigamente ao menos se acreditava que a realidade só seria alterada por meio de uma revolução completa. Hoje qualquer passeatinha resolve o problema. Ê, Chesterton, certo de novo.

[1] “When people cease to believe in God, they don't believe in nothing; they believe in anything.”

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